Os verdadeiros piratas

 Os verdadeiros piratas

Mark Zuckerberg.

A Internet era uma promessa. Havia um tempo em que se acreditou que as tecnologias em rede seriam o caminho que a democracia sempre esperou para acontecer de fato. O compartilhamento de arquivos era uma expressão dessa promessa. Tudo estava disponível. Filmes estavam online antes de chegarem nos cinemas. Toda a discografia de uma banda com quatro décadas de carreira podia estar inteira no seu computador, desde que você estivesse disposto a encarrar algumas horas de download. O último artigo sobre a última coisa mais avançada da ciência podia estar disponível para qualquer garoto do interior. Toda essa magia provavelmente tinha um custo. Mas ninguém sabia exatamente quem pagava. Para todos os fins práticos, tudo era de graça. E assim, a pirataria moldou a cultura nos primórdios da Internet.

Mas talvez não seja justo dizer que os fundadores da cultura de compartilhamento sejam de fato os verdadeiros piratas. Muito embora os piratas tenham sidos consagrados pelo cinema como personagens antissistema nem sempre a história foi bem assim. Muitos piratas eram assaltantes estrategicamente recrutados por potências marítimas para defender seus interesses no comércio de mercadorias e de escravos. Assim, ocasionalmente atuavam em favor de interesses talvez escusos demais para as frotas oficiais.

No mercado livre da Internet, as gigantes do entretenimento e da tecnologia, aos poucos, foram percebendo que os seus negócios corriam sérios riscos. Com isso, passaram a inventar novas formas de lucrar nesse universo. Parte da estratégia foi a de glamourizar a tecnologia. Um mp3 player ordinário era barato e podia ser carregado de conteúdos gratuitamente. Não tinha, contudo, o mesmo charme de um iPod, que além de caro, requeria a instalação da loja virtual da Apple.  E assim as empresas começaram a convencer as pessoas a pagar pelo que elas poderiam ter quase de graça.

Serviços como a Netflix e o Spotify perceberam ainda que com custos baixos e uma interface menos suspeita do que as do mercado negro de downloads, os usuários poderiam ser convencidos a depositar parte de seus salários mensalmente nessas empresas em troca de entretenimento.

O problema disso tudo não está exatamente na possibilidade de se pagar pelos conteúdos digitais. Afinal, a produção desses conteúdos tem sim custos e a distribuição irrestrita desses materiais poderia chegar, algum dia, ao ponto de tornar inviável sua produção. A solução para esse problema, por outro lado, foi na direção diametralmente oposta do que se acreditava que a Internet poderia ser.

Em 1993, a Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN) decidiu abrir mão dos royalties sobre os fundamentos e protocolos da World Wide Web. Esse era o espírito que empolgou a primeira geração da internet. Hoje, contudo, meia dúzia de gigantes do Vale do Silício hoje concentram quase tudo que se produz e compartilha na Internet. Não só vendendo músicas, filmes e livros, mas comercializando as ideias, dados, textos e relações sociais de todos que navegam pela rede.  Não são eles os verdadeiros piratas?

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Renê Forster

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