Poderá o mundo caber em trinta segundos?
(Créditos fotográficos: Ron Lach – pexels.com)

Separados por quase um século, Walter Benjamin e Byung-Chul Han inscrevem-se numa mesma genealogia de pensamento sobre a crise da experiência.
Walter Benjamin (1892–1940), filósofo, crítico e ensaísta alemão associado à Escola de Frankfurt, pressentiu em “O Narrador” (de 1936) o eclipse da narração como forma de transmissão do vivido. É a Benjamin que devemos um dos diagnósticos mais lúcidos sobre a modernidade: a aceleração técnica e a mecanização da vida terão despojado o homem da sua capacidade de partilhar a experiência. O que antes se sedimentava no tempo e na memória converteu-se em informação de consumo telegráfico – instantânea, efémera, descartável e, por isso mesmo, esquecível.

Byung-Chul Han (nascido em 1959), filósofo sul-coreano radicado em Berlim, retoma e atualiza esta inquietação em “A Crise da Narração” (obra de 2023). Segundo o autor, aquilo que a modernidade industrial começara a esvaziar, o presente digital tratou de eclipsar por completo. Na hipercomunicação contemporânea – incessante, veloz, quantificável –, Han reconhece o colapso simultâneo da palavra e da experiência. O sujeito pós-narrativo já não narra: exibe-se, rendido à urgência do desempenho.
Essa lógica manifesta-se nos gestos mais banais do quotidiano digital. Recordo um episódio recente: ao preparar a partilha de um vídeo – ou reel, no léxico das redes sociais – fui advertido de que, por ultrapassar os trinta segundos, o conteúdo teria menor alcance. O tempo que eu desejava consagrar à narração esbarrava, subitamente, num limite técnico. É a plataforma que define a extensão e a elaboração do que pretendemos dizer. E se um pensamento, pela sua densidade ou complexidade, simplesmente não couber em trinta segundos?

Herbert Marcuse talvez respondesse com ironia. Em “Eros e Civilização” (publicado em 1955), o filósofo alemão da Escola de Frankfurt, conhecido de Walter Benjamin, adverte que “a simplificação é, muitas vezes, apenas o disfarce da mutilação”. Hoje, sob a tirania do algoritmo, a simplificação tornou-se norma. E com o tempo, depois de amputado o discurso, sê-lo-á também a própria possibilidade de pensar com profundidade.
A comunicação na era digital tornou-se um ato de sobrevivência limitado à economia da atenção, que recompensa o impacto imediato e que penaliza a complexidade. No reflexo frio do ecrã, o gesto de narrar degrada-se. O que antes pedia escuta converte-se, hoje, em mera aparição, prestes a ser engolida por mais um scroll.
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13/11/2025