Poluição do ar mata crianças e adolescentes na Europa
De acordo com um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA), publicado a 24 de abril, a poluição do ar causa a morte prematura de mais de 1.200 crianças e adolescentes (menores de 18 anos), todos os anos, na Europa, e aumenta, significativamente, o risco de doenças mais tarde.
Segundo outro relatório publicado pela AEA, em novembro do ano passado, 238 mil pessoas de todas as idades morreram prematuramente em 2020, devido à poluição do ar nos países membros da agência: União Europeia (UE), Turquia, Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein.
Tal como para os adultos, a poluição do ar é o principal risco ambiental para a saúde dos menores, reduzindo a esperança de vida, revela o estudo que abrangeu cerca de 30 países do continente, incluindo os 27 Estados-membros da UE.
“Apesar dos progressos registados nos últimos anos, o nível de vários dos principais poluentes atmosféricos continua a manter-se acima das diretrizes da Organização Mundial de Saúde [OMS], nomeadamente na Europa Central e do Leste, bem como em Itália”, sublinha a organização, dependente da UE. Com efeito, a planície do Pó, no norte da Itália, as áreas próximas de grandes centrais termoelétricas a carvão, bem como as grandes cidades no Centro e no Leste do continente, são regularmente destacadas pela má qualidade do ar.
Embora a proporção de crianças e de adolescentes afetados pela poluição do ar seja “relativamente pequena”, em comparação com a população em geral, morrer tão cedo “representa uma perda de potencial futuro, bem como uma carga significativa de doenças crónicas tanto na infância quanto mais tarde na vida”, disse a AEA, para defender a aposta na melhoria da qualidade do ar em torno de escolas e de creches, bem como em instalações desportivas e em transportes públicos.
Os efeitos da poluição do ar começam antes do nascimento, estando a exposição materna “ligada a baixo peso à nascença e a partos prematuros”, recorda a AEA, apontando que, após o nascimento, a poluição ambiental aumenta o risco de vários problemas de saúde, incluindo asma – que afeta 9% das crianças e adolescentes na Europa – ou insuficiência respiratória e infeções.
Os efeitos são agravados pelo facto de as crianças serem mais fisicamente ativas do que os adultos e por, devido ao seu tamanho, estarem mais perto de fontes de poluição, como os escapes dos automóveis.
Observando os dados divulgados do último relatório da AEA e olhando para a população em geral, 97% da população urbana europeia esteve exposta ao ar (com abundância de poluentes), em 2021, não cumprindo as recomendações da OMS. Porém, o relatório de novembro de 2022 indicava que a UE estava no rumo certo para atingir a meta de redução das mortes prematuras em mais de 50% até 2030, em comparação com 2005.
O relatório divulgado a 24 de abril conclui que os níveis de poluição do ar, na Europa, ainda não são seguros, especialmente para as crianças e para os adolescentes. Entre as 375 cidades analisadas, Faro é a que tem o ar mais limpo.
No topo do ranking das cidades com ar mais limpo (da AEA), aparece a cidade portuguesa de Faro, seguida das suecas Umeå and Uppsala, com a média mais baixa das partículas finas, as partículas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrómetros, que são das principais causas de doenças respiratórias, de cancro e de acidente vascular cerebral (AVC). Lisboa e Sintra, as outras duas cidades portuguesas monitorizadas, aparecem na 35.ª e na 81.ª posições, respetivamente, entre as 375 cidades europeias analisadas.
A destruição da camada de ozono (O3) e o excesso de dióxido de azoto (NO2) – gás altamente tóxico, que resulta da queima de combustíveis fósseis a temperaturas elevadas, com origem, especialmente, no tráfego automóvel e no setor industrial – são dos principais fatores a afetar as funções e o desenvolvimento pulmonar das crianças, a curto prazo, tal como as partículas finas (PM2.5) a longo prazo. Em 2021, como já se disse, mais de 90% da população urbana na UE esteve exposta a níveis perigosos destes poluentes.
A AEA recomenda que, até que a poluição do ar seja reduzida para níveis considerados seguros, a melhoria da qualidade do ar em locais como as escolas e jardins de infância pode ajudar a reduzir a exposição das crianças a essa poluição.
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Segundo um estudo publicado na revista científica Lancet, “Planetary Health”, em janeiro de 2021, em plena pandemia da covid-19, cerca de 84% da população urbana do continente europeu sofria com poluição superior à recomendada pela OMS.
O estudo, intitulado “Mortalidade prematura devida a poluição atmosférica em cidades europeias: uma avaliação de impacto na saúde”, fez o cálculo do número de mortes prematuras em quase mil cidades europeias ligadas a apenas dois poluentes, as partículas finas e o dióxido de azoto. Os números dos investigadores são significativos: respeitar os níveis recomendados pela OMS faria com que houvesse menos 51.213 mortes por ano, no continente europeu.
A OMS recomenda um patamar para as partículas finas PM2,5 de 10 microgramas por metro cúbico (m3), em média anual; e, para o dióxido de azoto (NO2), de 40 microgramas/m3, em média anual. A conclusão dos cientistas é que, em média, 84% da população urbana sofre com níveis superiores aos recomendados para as partículas finas PM2,5. No caso do dióxido de azoto, este excesso é de cerca de 9%.
A poluição não atinge todo o continente da mesma maneira. As zonas em que há mais poluição do ar são a planície do Pó, em Itália, a Polónia e a Chéquia. Do lado das mais limpas, encontravam-se as cidades nórdicas Reykjavik, capital da Islândia, Tromsø, na Noruega, Umea, na Suécia, e Oulu, na Finlândia.
Os autores do estudo em referência concluem que “numerosas cidades não fazem o suficiente para atacarem a poluição do ar”. Sasha Khomenko, uma das autoras, considerava que se deve adaptar as medidas às condições locais e que estas dizem respeito a setores como o tráfico rodoviário, a indústria, os portos e aeroportos e o aquecimento com madeira e carvão.
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Já em novembro de 2019, antes da pandemia, o relatório Health at a Glance 2019 alertava para que, até 2060, entre seis a nove milhões de pessoas podem morrer devido à poluição atmosférica. Na mesma altura em que era conhecido que a seca extrema aumentava em Portugal e que o mês de outubro daquele ano fora o mais quente no Mundo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) destacava os efeitos do aumento da temperatura na saúde.
Só no ano de 2016, morreram 2800 pessoas, em Portugal, por causa da poluição atmosférica. A média de mortes no país, devido a este fator, foi de 28,3 por cem mil habitantes, situando-se abaixo das 40 que se registaram no conjunto dos 36 países da OCDE.
De acordo com esse relatório, a Letónia, a Hungria e a Lituânia eram os países da OCDE em que mais mortes por poluição atmosférica aconteciam, superando as 80. No polo oposto, surgiam a Nova Zelândia, com 13,6, o Canadá, com 14,7, e a Austrália com 16,8. A situação portuguesa era considerada na média deste grupo de países. Fora estes, o destaque ia para a Índia e para a China, que apresentavam números muito maiores, na ordem das 140 mortes por cem mil habitantes.
A OCDE considera a poluição atmosférica como “uma das principais causas de morte e de incapacidade”, estando previsto um aumento do seu impacto no futuro, “se não houver uma ação política adequada”. Até 2060, poderão morrer prematuramente entre seis a nove milhões de pessoas, estimava então a OCDE.
A edição daquele ano do Health at a Glance sublinhava ainda os efeitos gravosos do aumento das temperaturas para a saúde humana.
Um aumento medido por registos, como os do Serviço de Monitorizações das Alterações Climáticas, do programa Copérnico, ditava que o mês de outubro de 2019 fora o mês de outubro mais quente de que havia registo. A média do mês de outubro desse ano superou em 0,69 graus centígrados (0,69ºC) a temperatura média do período de 1981 a 2010 e 1,2ºC, em comparação com o período pré-industrial. O recorde do mês de outubro de 2015 foi superado em 0,01ºC. Já nos meses anteriores, esta tendência era clara: junho, julho e setembro também foram considerados os mais quentes de sempre, quando comparados com os meses análogos de anos anteriores. Agosto foi exceção, tendo sido medido como o segundo mais quente de sempre.
Em Portugal, segundo o Boletim Climatológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a média temperatura máxima registada no mês do outubro daquele ano foi superior ao normal (22,42ºC), tendo o valor médio da temperatura mínima ficado abaixo do normal (11,08ºC).
Apesar da quantidade de precipitação ter alcançado 81% do valor normal, houve uma “forte variabilidade espacial da distribuição da precipitação”, com o Nordeste a ter valores superiores ao normal, quando o Sul teve valores inferiores – o que fez que se agravasse, a sul, a seca que se mitigou no Centro e no Norte.
Segundo o índice meteorológico de seca do IPMA, no final de outubro daquele ano, cerca de um terço de Portugal estava em situação de seca severa (31,9%), 4,3% em seca extrema, 33,5% em seca moderada e 17,5% em seca fraca. Relativamente a setembro, 48,4% do país encontrava-se em seca moderada, 32,7% em seca severa, 15,4% em seca fraca e 3,4% em seca extrema.
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Enfim, as alterações climáticas e a poluição do ar (para não falar de outras, como a da água, a dos solos e a sonora) emparceiram no malefício à saúde das pessoas. E, embora haja progressos, embora insuficientes, em relação aos poluentes do ar, o quadro das alterações climáticas está negro. O planeta merece melhor e as pessoas também. Planeta e pessoas doentes, não.
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27/04/2023