População indígena brasileira aumentou 88,8% em 13 anos

Pesquisadores do IBGE visitaram todas as aldeias indígenas do Brasil durante a pesquisa para o Censo Demográfico de 2022. (Foto: Acervo IBGE)
Os membros das comunidades indígenas brasileiras lotaram o Theatro da Paz, localizado na cidade de Belém (no estado do Pará), onde ocorreu a divulgação dos dados demográficos mais recentes sobre a população indígena do Brasil. O Censo Demográfico indígena, um estudo populacional divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no dia 7 de agosto, registrou um aumento de 88,8% da população indígena nos últimos 13 anos. Isso representa 0,83% da população total do país (203.062.512 pessoas).
Nas últimas décadas, a população oriunda dos povos originários tem aumentado no Brasil. Em 1991, o IGBE contabilizou 294 mil indígenas. Em 2000, 734 mil. Em 2010, 896,9 mil. E, em 2023, 1.693.917. Ou seja, essa parcela da população brasileira quase duplicou nos últimos 13 anos.

O aumento populacional foi celebrado pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (do Partido Socialista e Liberdade), e pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (do Movimento Democrático Brasileiro). As duas ministras estiveram no Theatro da Paz para a divulgação dos dados, junto com outras autoridades. Curiosamente, ao longo da História brasileira, elas atuaram em lados opostos na luta pela demarcação de novas terras indígenas.

Sônia Guajajara, uma das maiores lideranças do povo Guajajara, que vive no estado do Maranhão, sempre militou pela demarcação das terras indígenas e pela preservação da floresta. Simone Tebet atuou no Congresso Nacional na chamada “bancada ruralista”, conjunto de senadores e deputados federais que defendem os interesses do agronegócio brasileiro, que, por sua vez, se opõe à demarcação de novos territórios indígenas. As terras indígenas são áreas pertencentes ao Estado do Brasil destinadas ao usufruto dos povos originários nos ambientes naturais.

O cacique Raoni Caiapó, líder indígena reconhecido internacionalmente na luta pela preservação da floresta tropical amazônica, também estava presente na divulgação dos dados sobre a população indígena. Ele pediu que os diversos ministérios que compõem o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (do Partido dos Trabalhadores) se unam na preservação das florestas.
“Eu falei com o presidente Lula sobre isso. Pedi que ele assumisse o compromisso da preservação do meio ambiente. Também tive a oportunidade de cobrar autoridades internacionais. Essa pauta deve ser de todos. Até dos parlamentares que pensam diferente de nós. Precisamos disso para defender o nosso território e os recursos naturais para as próximas gerações”, declarou o cacique Raoni, o qual foi aplaudido pela plateia, após lembrar que as terras indígenas costumam preservar os biomas naturais.

Os dados demográficos devem nortear as políticas públicas voltadas aos povos originários. Afinal, o levantamento do IBGE não aponta somente o número global de cidadãos indígenas residentes no Brasil, mas também a maneira como estão distribuídos no território brasileiro.
A ministra Sônia Guajajara considera que o Censo Demográfico traz informações importantes ao governo. Com efeito, ao tomar conhecimento da distribuição dos cidadãos indígenas no território brasileiro, o Estado passa a ter condições de implementar políticas públicas mais eficientes.
“Esses dados vão nos ajudar a combater a violência que ainda assola os indígenas dentro dos seus territórios ou no entorno dos seus territórios. Esses números (do levantamento realizado pelo IBGE) vão ajudar a pensarmos a segurança dessa população”, comentou a ministra dos Povos Indígenas.

A ministra Simone Tebet acredita que o levantamento populacional contabilizou cidadãos indígenas que, nos estudos demográficos anteriores, não estavam sendo contabilizados. “Óbvio que todos crescemos, tivemos filhos. Mas a população indígena não cresceu tanto assim. Ela se tornou visível no governo do presidente Lula. Portanto, passam a ser inseridos nas políticas públicas do país. É disso que se trata o censo”, afirmou a ministra do Planejamento e Orçamento – órgão que coordena a realização do Censo Demográfico brasileiro.
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Por que a população indígena quase duplicou?
O aumento populacional é explicado por diversos fatores. Segundo os especialistas do IBGE, a principal explicação para o crescimento da população indígena é a mudança na metodologia na contagem populacional.
Até 2010, os pesquisadores visitavam os domicílios brasileiros e faziam a seguinte pergunta para auferir a raça dos brasileiros: “Qual é a sua cor?” Em geral, os cidadãos escolhiam quatro opções: brancos, negros, pardos ou amarelos. Alguns entrevistados respondiam que eram “indígenas”. Só então eram contabilizados como tal. O problema é que muitos indivíduos se declaravam pardos ou brancos.
Por isso, no levantamento realizado em 2022 (divulgado em 2023), os pesquisadores acrescentaram uma pergunta: “você se considera indígena?” Isso fez com que mais brasileiros, que se autodeclaravam brancos ou pardos, passassem a se declarar indígenas.

Além disso, o levantamento populacional utilizou embarcações e aeronaves das Forças Armadas brasileiras, além de guias indígenas, para alcançar as aldeias mais remotas no interior do Brasil. “Foi a primeira vez, desde o início do Censo, que entramos em todas as aldeias indígenas”, disse a ministra do Orçamento e Planejamento, Simone Tebet.
Contudo, para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a mudança metodológica é insuficiente para explicar o aumento populacional. Ela acredita que a atenção dada pelo governo Lula aos povos originários criou uma atmosfera favorável para os indígenas assumirem sua origem. A violência contra as comunidades autóctones aumentou durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (do Partido Liberal, 2019-2022), quando os números de desmatamento e garimpos ilegais aumentaram nas terras indígenas, devido, entre outros fatores, ao enfraquecimento dos órgãos de proteção e de fiscalização dessas áreas.
“Estamos passando por um momento propício para que as pessoas, que se afastaram da sua própria cultura por medo de serem assassinadas, façam um resgate das suas origens indígenas. O sentimento de pertencimento (aos povos originários) fez com que alguns indígenas em contexto urbano também se apresentassem dessa maneira. Além disso, algumas estimativas das próprias lideranças indígenas apontam para um aumento considerável nas aldeias, com um grande número de crianças e jovens”, avaliou Sônia Guajajara.
Outro elemento que contribuiu para o aumento populacional foi que, entre 2010 e 2022, o número de Terras Indígenas no Brasil passou de 505 para 573.
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Problemas na realização do Censo Demográfico
O Censo Demográfico, o maior estudo sobre a população brasileira, deveria ser realizado em cada dez anos, pelo IBGE. Ou seja, deveria ter sido realizado em 2020. Entretanto, os mais de 183 mil pesquisadores só visitaram os cerca de 75 milhões de domicílios brasileiros em 2022, quando auferiram não somente a quantidade de cidadãos brasileiros, mas também o sexo, a idade, o gênero, a instrução, a renda e as condições sociais da população (se dispõem de água, de luz, de saneamento, da Internet, etc.). Os dados só começaram a ser divulgados em 2023.

O atraso no Censo ocorreu por duas razões. Primeiro, a pandemia de covid-19 impediu que as equipas visitassem os lares brasileiros. Posteriormente, o governo de Bolsonaro cortou parte da verba destinada ao IBGE.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, acredita que o corte de verbas teve motivação política. “A contagem populacional deveria ter acontecido em 2020. Mas, por conta de um governo negacionista, que não queria ter os números reais, para não precisar pensar em políticas públicas para a população, foi negado a possibilidade de as equipes (do IBGE) irem a campo coletar as informações”, criticou.
Ela complementou: “Agora, 13 anos depois do último Censo Demográfico, estamos apresentando não só os dados da população brasileira, mas também desse recorte do Brasil Indígena.”
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24/08/2023