Porcelanas
Foi Marco Polo (c. 1254-1324) que a deu a conhecer, na Europa, através deste tipo de cerâmica que de lá trouxe, por ocasião da sua viagem ao Oriente. Ao tempo deste explorador, os Italianos diziam que a abertura da concha do búzio do género Cypraea, tinha a forma da porcella, ou seja, a vulva das porcas e, assim, deram este nome ao dito búzio. Depois, comparando o aspecto liso, vidrado e brilhante desta cerâmica trazida da China com a concha do gastrópode, chamaram-lhe porcellana.
O nome latino do género é Cypraea. Na minha opinião, ou se usa cipreia (aportuguesado, sem maiúscula e sem itálico) ou o termo português cauri, de origem indostânica(em Inglês, cowrie – provavelmente, por via do Português e das ligações de Portugal à Índia e ao Índico); ou, então, o nome latino Cypraea, capitalizado e em itálico. Originalmente, os cauris eram a Cypraea moneta (Linnaeus, 1758), agora o nome aceite, actualizado, é Monetaria moneta (Linnaeus, 1758).
Porcella, em Italiano, significa porquinha. Ou seja, é o diminutivo de porca (igual em Latim e em Português). Porcellus, porquinho. Daí a ideia (que é uma especulação, não um facto estabelecido) de que a analogia se basearia na semelhança da abertura da concha da Cypraea com a vulva das porquinhas.
Em termos muito gerais e como começo de um novo tema, podemos dizer que a porcelana é um produto cerâmico branco, translúcido, totalmente vidrado, impermeável, ou seja, isento de porosidade.
Não podemos falar de porcelana sem uma referência muito especial ao País do Sol Nascente, o berço da “arte cerâmica”, iniciada no terceiro milénio antes de Cristo (a.C.), mas foi só a partir da dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) que surgiu a produção de cerâmica cozida e vitrificada, isto é, de porcelana. De notada beleza e fruto de grande qualidade técnica, a porcelana chinesa exerceu grande influência na Ásia e na Europa.
Foi Marco Polo (c. 1254-1324) que a deu a conhecer, na Europa, através deste tipo de cerâmica que de lá trouxe, por ocasião da sua viagem ao Oriente. Mas foram os navegadores portugueses do século XVI que, no seu retorno, introduziram a porcelana nos mercados europeus, e foi o eborense Gaspar da Cruz (1520–1570), um frade da Ordem dos Pregadores que, no seu “Tratado das cousas da China”, descreveu os processos pelos quais se obtinha, ali, esse tipo de cerâmica.
Quando as primeiras porcelanas chegaram à Europa, foram os Italianos que, pela brancura e pelo brilho desta cerâmica, iguais aos da parte da concha envolvente da abertura do búzio porcellana (nome vulgar de um gastrópode do género Cypraea), lhe deram esse mesmo nome. Abertura que então, como foi referido, lhes lembrou a vulva da porca, porcella em Italiano.
A partir da sua chegada a Portugal e conhecido o modo de fabrico, foram descobertas e seleccionadas importantes jazidas de caulino e aperfeiçoadas as técnicas de produção. Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Alemanha progrediram no fabrico de porcelana, chegando, no século XVIII, a atingir o nível de qualidade então reconhecido na China, permitindo uma hábil imitação dos modelos antigos.
Actualmente, a matéria-prima destinada a esta indústria é constituída por caulino, por feldspato, por quartzo (via de regra, uma areia) e por uma pequena porção de argila gorda. Na respectiva pasta cerâmica, o feldspato actua como fundente de alta temperatura, o quartzo forma o esqueleto do produto final e a argila gorda (uma esmectite) confere a plasticidade necessária à citada pasta.
Um parêntese para lembrar que caulino, cujo nome provém de Kao Ling, uma localidade na província de Jiangxi, na China, é uma argila muito branca, praticamente destituída de óxido e de hidróxido de ferro, pelo que permanece branca após a cozedura. Os Ingleses chamam-lhe “China clay”, numa alusão nítida à importância desta matéria-prima no país do Sol Nascente.
As peças de porcelana distinguem-se das dos demais produtos cerâmicos pela sua dureza, brancura, brilho vítreo, impermeabilidade, elevada resistência mecânica e translucidez, características que lhe advêm do facto de serem cozidas e vitrificadas a temperaturas na ordem dos 1300 ºC a 1500 ºC, em ambiente redutor. Por ser um material isento de porosidade, com características semelhantes às do vidro, torna-se bastante higiénico e ideal como loiça de serviço à mesa.
A primeira produção de porcelana na Europa, mais precisamente em Meissen (Mísnia, em Português), cidade da Saxónia, foi realizada num tempo em que a alquimia começava a dar lugar à química. Deve-se ao trabalho do químico alemão Johann Friedrich Böttger (1682-1719), que, para tal, utilizou caulino puro. Em 1710, surgiu, nesta cidade, o embrião da Staatliche Porzellan-Manufaktur, uma das fábricas de porcelana mais prestigiadas. Apesar das tentativas de manter em segredo a respectiva tecnologia, ela acabou por se estender a outras congéneres alemãs e, depois, a toda a Europa, onde ficou conhecida por “porcelana alemã” ou “porcelana de Saxe”.
O fabrico da porcelana em França, em começos do século XVIII, teve início em Sèvres, nos arredores de Paris, em 1756, ganhando nome como “Real Fábrica de Porcelana”, após a tomada de posse por Luís XVI, em 1760, que procedeu à melhoria dos equipamentos. Igualando a qualidade da porcelana alemã, e sob a direcção do químico e mineralogista francês Alexandre Brongniart (1770-1847), Sèvres tornou-se o maior centro distribuidor deste produto na Europa. Interrompida aquando da Revolução Francesa, ressurgiu como empresa nacional, ao tempo de Napoleão Bonaparte. A Manufacture National de Sèvres e o Musée National de la Céramique estão, desde 2010, reunidos num único estabelecimento público.
Após a dita Revolução, surgiram em Limoges várias fábricas que, no século XIX, devido à alta qualidade dos seus produtos, fizeram desta outra cidade francesa o mais famoso centro da indústria e arte cerâmicas, produzindo a que mereceu o nome de “porcelana fina” ou “porcelana de Limoges”.
Baixelas de mesa, bacias e jarros de lavatório e peças decorativas, geralmente, monogramadas ou brasonadas, inicialmente pintadas à mão por artistas profissionais contratados, muitas delas, com filetes de ouro, entraram nas casas reais, bem como da nobreza e da burguesia mais abastada de França e dos países com os quais havia trocas comerciais.
Nos anos 30 do século XX, sem perda de qualidade no fabrico, a decoração da porcelana de Limoges passou a ser feita com decalques.
No que se refere a Portugal, só em 1824 surgiu a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre, em Ílhavo. Com elevado pendor artístico, esta, que é a mais antiga da Península Ibérica, representa um empreendimento continuado por uma panóplia de unidades industriais com capacidade para produzir e para exportar milhões de peças por ano, entre decorativas e baixelas de mesa que podem ser admiradas no respectivo museu. Uma outra referência nesta indústria/arte é a SPAL Porcelanas (Sociedade de Porcelanas de Alcobaça, SA), fundada em 1965, em Alcobaça. Com duas unidades fabris e algumas centenas de trabalhadores, exporta cerca de 70% da sua produção, em especial para os Estados Unidos da América, para a França, para a Espanha, para a Itália, para o Canadá, para o México e para a Alemanha.
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Nota da Redacção:
1 – Este artigo dá continuidade aos textos “Moldar o barro: da Pré-História aos dias de hoje”, “Barro vermelho”, “Bonecos de Estremoz, olaria corvalense, loiça do Redondo e cantarinhas de Nisa” e “Aldeia saloia de José Franco, figurado de Barcelos e barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos”, todos da autoria de António Galopim de Carvalho e publicados, respectivamente, nas edições de 20/06/2024, de 24/06/2024, de 27/06/2024 e de 01/07/2024.
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04/07/2024