Portugal aplicou só três de 15 recomendações do Conselho da Europa
Nos termos do relatório anual do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção), do Conselho da Europa, referente a 2021 e divulgado no dia 2 de junho, Portugal aplicou totalmente apenas três das 15 recomendações do Conselho da Europa, tendo sido sete recomendações parcialmente aplicadas e ficado cinco por aplicar.
Das cinco recomendações de anticorrupção aos deputados dos Estados-membros, Portugal não concretizou nenhuma na totalidade, tendo, em contrapartida, concretizado parcialmente três, mas deixado duas por concretizar. Quanto às seis dirigidas aos juízes, tem só uma aplicada na totalidade, três foram parcialmente aplicadas e duas não foram implementadas. Melhor situação se verifica em relação aos procuradores do Ministério Público (MP), visto que, das quatro recomendações emitidas, duas foram totalmente aplicadas, tendo uma sido parcialmente aplicada e uma outra ficado por concretizar.
Já, por exemplo, Espanha tem seis recomendações totalmente implementadas num total de 11, havendo quatro parcialmente implementadas e só uma não implementada no atinente aos juízes.
Em termos globais e relativamente ao conjunto dos 46 Estados-membros do GRECO, a situação em 2021 revela que 44,9% das recomendações foram totalmente aplicadas, 36,85% parcialmente aplicadas e 18,16% estão por aplicar. A maior percentagem de medidas totalmente concretizadas refere-se aos procuradores (53,64%), seguidos dos juízes (46,97%) e dos deputados (35,85%).
O GRECO, órgão de monitorização do Conselho da Europa criado em 1999 e com sede em Estrasburgo (França), tem vindo a emitir recomendações conexas com política anticorrupção e integridade, transparência e supervisão das atividades governativas, conflitos de interesse, proibição ou restrição de certas atividades, declaração de ativos e rendimentos e mecanismos de responsabilização e execução de medidas. Todavia, o relatório congratula-se com a prioridade atribuída pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE) ao “aumento da consciencialização e da pressão sobre questões de corrupção” relacionada com a “transparência e regulamentação de doações a partidos políticos e campanhas eleitorais de doadores estrangeiros”.
A este propósito, aponta a necessidade de concretização da recomendação “Sobre Regras Comuns Contra a Corrupção no Financiamento de Partidos Políticos e Campanhas Eleitorais”, a qual indica os princípios fundamentais para financiamento e despesas políticas, bem como disposições sobre transparência e supervisão nesta área.
O GRECO identifica riscos específicos ligados aos procedimentos de contratação pública em larga escala, realizados quando as instituições públicas estão sob pressão para entregar rapidamente obras e empreitadas. Alerta também para o risco de suborno em serviços médicos ou de corrupção na pesquisa de novos produtos e desenvolvimento, chamando também a atenção para o problema dos contratos governamentais facilitados pelo “lobbying” político. Lembra que a corrupção torna as sociedades “menos justas e menos igualitárias” e reitera o seu compromisso em trabalhar para “garantir os mais altos padrões de integridade” nos seus Estados-membros. Sublinha igualmente que, no primeiro semestre de 2021, os constrangimentos resultantes da pandemia “ainda afetaram a capacidade do GRECO para realizar visitas de avaliação” aos diversos países, tendo este órgão retomado as visitas de avaliação in loco a partir de junho e conseguido concretizar sete visitas em 2021, incluindo a primeira visita ao Cazaquistão, o mais recente Estado-membro.
Diga-se também que as recomendações são importantes para erradicar a corrupção, “onde quer que ela apareça”, bem como para alcançar melhorias específicas e concretas nessa matéria.
Aos deputados foram feitas as cinco recomendações seguintes, as quais são nevrálgicas:
1 – Tomada de medidas para garantir o cumprimento dos prazos estabelecidos no Regimento para as várias fases do processo legislativo; e garantia da igualdade de acesso de todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, às várias fases do processo legislativo.
2 – Adoção de princípios e normas de conduta claras para os deputados, aplicáveis e de acesso público, com um mecanismo de fiscalização eficiente; e promoção, entre os deputados, da consciencialização dos princípios e das normas de conduta, pela orientação dedicada, pelo aconselhamento confidencial e pela formação sobre várias questões, como interações adequadas com terceiros, aceitação de ofertas, hospitalidade e outros benefícios e vantagens, conflitos de interesses e prevenção de corrupção dentro das suas próprias fileiras.
3 – Realização de uma avaliação independente da eficácia do sistema de prevenção, de divulgação, de verificação e de sanção no atinente aos conflitos de interesses dos deputados, incluindo a adequação das incompatibilidades e dos impedimentos, bem como o impacto do sistema na prevenção e deteção da corrupção, e a adoção de medidas corretivas adequadas (por exemplo, desenvolver e aperfeiçoar o quadro regulamentar, reforçar a fiscalização, introduzir sanções dissuasivas, etc.); e garantia de que a comunicação de interesses privados por parte dos deputados (antecipada ou periódica) se sujeita a controlos substantivos e regulares por parte de um organismo de fiscalização imparcial.
4 – Estabelecimento de sanções adequadas, para infrações menores, à obrigação de declaração de património, incluindo a prestação de informação incompleta e imprecisa; além de publicitação e disponibilização (ao público) online das declarações de património dos deputados.
5 – Submissão das declarações de todos os deputados a controlos frequentes e substantivos, num prazo razoável, de acordo com a lei; e alocação de recursos humanos e outros adequados ao órgão de fiscalização independente e a qualquer uma das suas estruturas auxiliares, bem como a facilitação da cooperação efetiva deste órgão com outras instituições do Estado, em particular as que exercem o controlo sobre os conflitos de interesses dos deputados.
Em relação aos juízes são estas as seis recomendações, que restringem o escrutínio ao campo judicial, embora as decisões finais sejam passíveis do escrutínio e pesquisa do público:
1 – Reforço do papel dos conselhos superiores como garantes da independência dos juízes e do poder judicial, em particular, prevendo (na lei) que, pelo menos, metade dos seus membros sejam juízes eleitos pelos seus pares (o que contraria a Constituição da República Portuguesa, art.º 218.º/1); e publicação atempada das informações sobre os resultados dos processos disciplinares nos conselhos superiores.
2 – Eleição (ou escolha), pelos seus pares de, pelo menos, metade dos membros das autoridades que tomam decisões sobre a seleção dos tribunais da Relação e dos juízes do Supremo Tribunal.
3 – Adoção de mecanismo que assegure que as avaliações periódicas aos juízes dos tribunais de primeira instância e as inspeções/avaliações aos dos tribunais da Relação verifiquem, justa, objetiva e atempadamente, a sua integridade e a conformidade com as normas de conduta judicial.
4 – Adoção de quadro jurídico da afetação dos processos e da reafetação dos juízes coerente, sustentado por critérios objetivos e transparentes e salvaguardando a sua independência.
5 – Acesso fácil, por parte do público, às decisões finais dos tribunais de primeira instância e, por consequência, facilidade da sua pesquisa por parte do público.
6 – Estabelecimento de normas de conduta profissional claras, aplicáveis e de acesso público (abrangendo, por exemplo, ofertas, conflitos de interesse, etc.) para todos os juízes e utilizadas, inter alia (por conseguinte), como base para a promoção, para a avaliação periódica e para a ação disciplinar; e promoção do conhecimento das normas de conduta entre os juízes, pela orientação dedicada, pelo aconselhamento confidencial e pela formação inicial e contínua.
E ao Ministério Público (MP) o GRECO fez quatro recomendações, que também abrem a estrutura ao público:
1 – Publicação, em tempo útil, das informações sobre o resultado dos procedimentos disciplinares no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) (o que não contraria a Constituição).
2 – Adoção de mecanismo que assegure que a avaliação periódica dos magistrados do MP afetos aos tribunais de primeira instância e que as inspeções/avaliações dos magistrados do MP afetos aos tribunais de segunda instância verifiquem, justa, objetiva e atempadamente, a sua integridade e o cumprimento das normas de conduta profissional.
3 – Adoção de mecanismo que assegure que as regras que regem a hierarquia e as competências do MP correspondam ao novo mapa judicial e protejam os procuradores contra interferências indevidas ou ilegais dentro do sistema.
4 – Estabelecimento de normas de conduta profissional claras, aplicáveis e de acesso público para todos os procuradores e utilizadas, inter alia, como base para a promoção, para a avaliação e para a ação disciplinar; e a promoção do conhecimento das normas de conduta entre os procuradores, pela orientação dedicada, aconselhamento confidencial e no contexto da formação inicial e contínua.
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Pelos vistos, os mais refratários às recomendações são os nossos representantes diretos, os inquilinos da Casa da Democracia. E, por mais incompatibilidades que eles autoestabeleçam, mais facilmente acham discretos alçapões nas leis e no regimento. Porém, a corrupção está longe de se confinar a deputados, a juízes e a procuradores. Que é dos outros (nas autarquias, nas empresas, nos serviços regionais, etc.)? Que interesses? Que provas? Que entraves?
09/06/2022