Português: uma língua sem fronteiras
A inspiração para escrever esta crônica, coincide com a minha chegada a Portugal, há quatro anos. Pois, nesses primeiros dias, descobri que “brasileiro” não é apenas um gentílico utilizado para designar quem ou o que vem do Brasil. Mas, supostamente, em Portugal, é também um idioma. Frases do tipo: “Fala em Brasileiro, escreve em Brasileiro…” Eu nunca tinha escutado isso na minha vida. Até porque, no Brasil, as pessoas são alfabetizadas em Português e o idioma oficial do país é o Português.
Outra coisa que me chamou a atenção foi um alerta, que me pareceu uma desculpa, no final de um artigo num jornal de grande circulação, estava destacado “esse artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico”. Bastante curiosa a justificativa, pois Portugal é signatário do acordo ortográfico. Acordo este que, segundo alguns portugueses, é uma maneira de escrever o “Brasileiro”, outra novidade, pois houve mudanças no Português do outro lado do Atlântico.
Há quatro anos, aquando dos preparativos para a mudança, eu e a minha companheira tencionávamos chegar à Covilhã dez dias antes do início das aulas, mas, por atraso na expedição do meu visto, chegámos na segunda semana de aulas. O motivo para chegar com antecedência era, justamente, o de facilitar a adaptação à cidade e ao idioma. A questão do idioma é de afinação. A analogia que faço é com um instrumento musical, “afinar o ouvido”. E assim foi, sempre entendi tudo o que os Portugueses diziam, mas era necessária mais atenção. Hoje, é automático!
Vamos para a aula (atenção, era a primeira semana na Covilhã e em Portugal), um colega brasileiro levanta a mão e diz: “Professor, qual o teu e-mail? Preciso mandar umas coisas para ti.” O professor respondeu. Descemos para o intervalo, na fila do café, as minhas colegas conversavam: “E lá, aquele brasileiro tratou o professor por tu, isso não são maneiras!”
Me pus a pensar, no Brasil, quando miúdo, tratava os professores/as por “sor, sora, profe”. E, na universidade, por “senhor, senhora, professor, professora”. Fiquei com a dúvida: Onde estaria a grosseria? Eis que, no dia seguinte, noutra aula, a cena repete-se com um aluno português: “Desculpe lá, professor, o vosso e-mail?” O professor responde e o aluno diz: “Pronto, logo mando para si.” Momento fiat lux (faça-se luz): “Si, ti, consigo, contigo.”
Descobri a importância, em Portugal, dos pronomes pessoais e da hierarquia social. Uma vez mais, voltemos ao Brasil. Lá, o “você” e o “tu” têm o mesmo significado. O “vós” me remete para as aulas de religião no colégio de freiras em que estudei ou para as literaturas clássicas. Os Brasileiros não empregam o “vós” no dia a dia. Sou do Rio Grande do Sul e talvez seja a zona do Brasil em que menos utilizam o “você”. Aí, eu trato todo mundo por “tu”. Então, além de presumivelmente falar outro idioma, neste momento, percebi que eu poderia ser encarado como mal-educado.
Quanto à escrita, poderia citar inúmeros exemplos de palavras que tenham ou não o “c”, o “p” ou o “n”. Com certeza, o exemplo mais corriqueiro: “Facto é facto e fato é fato.” E naquelas palavras em que fechamos as vogais com o acento circunflexo, como “Antônio”.
Todavia, o que mais chamou a minha atenção foi um episódio que se passou durante o confinamento devido à pandemia de covid-19. O meu computador apanhou um vírus que corrompeu o ficheiro e nem na nuvem consegui recuperá-lo a 100%. Tive de refazer o meu trabalho acadêmico com o computador infectado. As faculdades brasileiras são muito rigorosas com a formatação dos artigos acadêmicos, existem regras gráficas estipuladas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Tão logo entrei na universidade de cá, questionei acerca da formatação gráfica. Existem as normas dos departamentos – alguns utilizam a APA (American Psychological Association) – e o despacho da universidade (referência para apresentação da dissertação).
Na apresentação do trabalho disse: “Professora, talvez tenha alguns erros de formatação, pois o vírus mexeu nas margens e tal…” A professora encolhe os ombros, suspira e comenta: “Que bom que o Guilherme disse isso, há um erro de Português, a palavra…” A tal palavra não estava errada, ela existe e está em qualquer dicionário de Língua Portuguesa. Educadamente, desculpou-se a professora e disse-me que a palavra não era usual aqui. Mas isso não denota erro, é preciso lembrar que o léxico é maior que o vocabulário mais comum. Não é preciso traduzir Português para o Português.
Ressalto que não quero nem pretendo alterar a maneira como as pessoas escrevem ou falam, a minha bandeira é a da diversidade. O Português é a língua oficial de nove países. É a quinta língua mais falada no Mundo, com 260 milhões de falantes, segundo a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Na realidade, o Português é falado nos mais diversos rincões do planeta. Não vou pontuar o bônus nem o ônus da colonização, pois a colonização é tema para outro debate. Atualmente, talvez a língua seja a herança portuguesa que mais nos aproxima. Busquemos a sintonia, a harmonia e não a ruptura.
Observação: Este artigo está escrito em Português.
03/11/2022