Povos Originários lutam contra o marco temporal

 Povos Originários lutam contra o marco temporal

(© Instituto de Estudos Latino-Americanos/UFSC – iela.ufsc.br)

Sem qualquer surpresa, a Câmara dos Deputados aprovou, por 283 a 155 votos, a lei que define só ser possível demarcar terras indígenas que estivessem ocupadas em 1988, ano em que foi promulgada a mais recente Constituição do Brasil. E mais, caso alguma terra ocupada hoje pelos indígenas, que não estivesse ocupada em 1988, com a lei, pode ser passível de despejo dos povos que lá estiverem. Ou seja, mais terras a passarem para as mãos dos latifundiários.

(Créditos fotográficos: APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – facebook.com/apiboficial)

Essa foi a proposta que perpassou em todo o governo de Jair Bolsonaro, que, desde o primeiro dia, jogou duríssimo contra os indígenas, desestruturando praticamente todas as instituições governamentais que cuidavam desse tema. No seu tempo de mandato, Bolsonaro não conseguiu passar a lei do marco temporal, mas agora, com o pleno da Câmara tomado por deputados conservadores e servis à classe dominante, o Projeto de Lei 490/07, para demarcação das terras indígenas, passou de forma fácil. O próximo passo é o Senado, cuja conformação não difere muito da Câmara.

Deputados analisam propostas em Plenário. (Créditos fotográficos: Agência Câmara de Notícias – camara.leg.br)

O tema do marco temporal também está em discussão no Supremo Tribunal Federal, desde há anos, e foi justamente a lentidão em julgar o caso que atiçou a ganância dos fazendeiros e dos mineradores, articulados com os seus comandados no legislativo. Infelizmente, o Congresso Nacional brasileiro tem um número ínfimo de representantes dos trabalhadores e da maioria da população. O que comanda são os grupos de poder bastante conhecidos como os da “bancada do boi, da bala, da Bíblia”. Nada de novo também, já que, no capitalismo, a ditadura é do capital. Isso significa que o tema só caminha se rola dinheiro.

No Plenário da Câmara, deputadas defendem causa indígena e protestam contra o projeto. (Créditos fotográficos: Agência Câmara de Notícias)
(Créditos fotográficos: APIB – facebook.com/apiboficial)

O marco temporal é um ataque no coração da luta indígena, porque, simplesmente, colocará por terra uma série de retomadas feitas depois que o movimento dos povos originários cresceu em organização.

Ao definir que só podem ser demarcadas terras ocupadas por comunidades antes de 1988 – 5 de outubro de 1988 é a data da promulgação da nova Constituição federal – abre-se a possibilidade de recuperar uma parcela significativa do território conquistada pelos indígenas em infindáveis batalhas. É tudo o que os fazendeiros e os mineradores querem, preparados que estão para explorar as terras em seu benefício. É sabido que as terras em mãos dos indígenas são ricas em minerais bem como protegem o bioma dos espaços onde estão, e proteção é coisa que fazendeiros e mineradores abominam.

(Créditos fotográficos: APIB – facebook.com/apiboficial)
(Créditos fotográficos: APIB – facebook.com/apiboficial)

A luta dos povos originários contra o marco temporal trabalha com o argumento de que, até a Constituição de 1988, as comunidades indígenas estavam vivendo sob intenso ataque de grileiros e até do Estado, visto que durante a ditadura civil/militar foram inúmeros os casos de expulsão, de violência, de tortura e de desaparição de indígenas, fazendo com que muitas comunidades tivessem de sair dos seus lugares de origem e vagar pelo território em fuga. Isso não é discurso, é fato, documentado e comprovado. As décadas de 1960 e 1970 foram de quase extermínio dos originários, a ponto de um estudioso do porte de Darcy Ribeiro ter vaticinado o desaparecimento das etnias. No final dos anos 1970, os indígenas eram pouco menos de 200 mil.

Foi só depois do fim da ditadura que os povos originários começaram a fortalecer as suas organizações de luta. Tanto que chegaram a conquistar muitos direitos na chamada “Constituição Cidadã”. E, claro, na medida em que os espaços foram se ampliando, os territórios foram também sendo retomados, o que torna óbvio o fato de que muitas etnias só recuperaram o seu lugar originário após a promulgação da Constituição. Ou seja, por conta da violência contra elas, estavam fora do seu território. Por isso mesmo, a tese do marco temporal é injusta e perversa.

(Créditos fotográficos: APIB – facebook.com/apiboficial)
(Créditos de imagem: APIB – facebook.com/apiboficial)

A intenção do Congresso, dominando pelos vende-pátria, é retirar os indígenas de seus territórios e já ir se apossando das terras. Pouco estão ligando para uma possível reversão da lei caso o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue que o marco temporal não tem sentido. Esperam é, claro, que o debate no Supremo siga lento e, aí, eles vão passando a máquina e tirando tudo o que podem.

Os indígenas fazendo o que fazem há séculos: resistem e lutam. Agora, ainda têm o Senado e, depois, a lei pode ser vetada pelo presidente Lula da Silva. Então, a turba do agromineronegócio vai ter de esperar.

Com os originários estamos, contra o marco temporal.

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05/06/2023

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Elaine Tavares

Jornalista e educadora popular. Editora da «Revista Pobres e Nojentas», com Miriam Santini de Abreu. Integra o coletivo editorial da «Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos». Coordenadora de Comunicação no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (no Brasil).

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