Precisamos de 2024 com verdade, coerência e responsabilidade

 Precisamos de 2024 com verdade, coerência e responsabilidade

(Créditos fotográficos: manseok Kim por Pixabay)

No início de um Novo Ano, é de toda a justiça exprimir uma palavra e uma atitude de gratidão à sociedade que integramos, por nos ter proporcionado, no ano findo, a realização e o crescimento pessoais, profissionais e cívicos, bem como fazer o necessário mea culpa, pelos erros com que lesámos a comunidade, o ambiente e os mais próximos.

Além disso, os crentes agradecem a Deus a vida e todos os dons de que foram recebedores para si próprios e para a comunidade de crentes a que pertencem e que servem, assim como para a sociedade que os envolve e de que não lhes é lícito fugir, mas servir. Ao mesmo tempo, fazem a contrição sobre os pecados cometidos contra o seu Deus e sobre os males com que prejudicaram o próximo e denegriram a imagem das suas comunidades religiosas.

(Créditos fotográficos: Debby Hudson – Unsplash)

O ano anterior foi palco de catástrofes naturais e de mão humana. Terramotos e tsunamis, secas severas e extremas, ciclones e tufões, aluimentos e desabamentos, temperaturas altíssimas, enxurradas e inundações afligiram as populações em vários sítios do orbe. Paralelamente, desenvolveram-se focos de guerra e criaram-se outros; exploraram-se e violentaram-se migrantes que fugiam da guerra ou da fome; fez-se a deflorestação abusiva e intensiva; eclodiram incêndios florestais; procedeu-se a agricultura intensiva e a exploração atrabiliária do subsolo; criaram-se factos políticos; aumentaram-se as crises económicas, financeiras e sociais. Tudo isto molestou populações, desequilibrou ecossistemas, contribuiu para o esgotamento de recursos e fez aumentar a riqueza de poucos e a pobreza de muitos.

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Em alguns países, como a Polónia, o sistema político parece ter-se equilibrado, em ordem à melhoria da convivência democrática, ao passo que, em outros, como a Espanha, o equilíbrio tornou-se precário, por força da ambiguidade dos resultados eleitorais; e, na Argentina, as eleições deram origem a uma governação de direita de pendor anarcopopulista.

Em Portugal, uns criaram factos políticos, outros superlativaram-nos. Tudo o que o governo propunha e anunciava era, do lado dos seus apoiantes, o bom, o belo e o verdadeiro ou, pelo menos, o possível; do lado dos opositores, era o mau, o feio, e o mentiroso ou, pelo menos, o insuficiente. Enfim, todos, em nome da sua verdade, acusavam os outros de mentira.

(transparencia.pt)

De uns detentores de cargos políticos descobrem-se os rabos-de-palha (corrupção, favorecimento, recebimento de vantagem, evasão fiscal, branqueamento de capitais, etc.); de outros eclipsam-se.

Com a recente crise política, espoletada pelo Ministério Público (MP) – não se sabe com fundamento em que verdade factual – irrompeu o leilão de promessas eleitorais, sem que se haja verificado a sustentabilidade das contas públicas que suporte essa rima de promessas. E, enquanto uns cantam loas aos sucessos da governação, outros apontam o dedo ao crescimento da pobreza, ao caos na Educação, na Saúde, na Habitação e na Justiça. Pouco se fala no aumento do crime e no novo tipo de crimes, no aumento do volume de candidatos a utentes assíduos dos Serviços de Saúde, na especulação e no longo hiato da construção civil, bem como na debilidade da frequência e do teor dos cursos de formação de professores e na perda da atratividade da carreira docente.

(Créditos fotográficos: Kenny Eliason – Unsplash)

Chegou-se ao ponto de os antigos próceres da política das contas certas virem a terreiro dizer que as contas certas nunca foram um objetivo orçamental.

Neste contexto, é desejável que 2024 seja um ano de verdade, na empresa, no Estado, na Escola, no Serviço de Saúde, na problemática da Habitação, na Justiça e nas eleições. Para tanto, é necessária uma visão equilibrada das coisas, a justeza da crítica e a honestidade das propostas.

Não vale, por exemplo, prometer demissão em caso de os resultados de eleições serem diferentes do esperados e voltar atrás; ou negar ou propalar uma política de alianças e, depois, dar o dito por não dito. Não vale criar factos políticos nem os superlativar, como não vale criar falsas notícias nem pintar de negro as verdadeiras. 

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Outro desejo para 2024 é a coerência.

Há dias, o Presidente da República (PR) disse que o ainda primeiro-ministro (PM) tem o futuro político aberto. É capaz de exercer bem um cargo qualquer, em Portugal ou na Europa. É certo que, à hora da despedida, não se dizem coisas desagradáveis, mas a coerências impõe a questão: “Se é tão bom, como é que o PR o deixou cair passivamente?” O chefe de Estado, prudentemente aconselhado (já não falo no professor de Direito), talvez pudesse segurar o PM até o MP esclarecer a situação do inquérito instaurado contra ele ou, ao menos, constituir um governo emergente da atual maioria parlamentar, mas preferiu a dissolução parlamentar.

Cumprimentos de Boas Festas do governo ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, em 21 de dezembro de 2023. (Créditos fotográficos: Rui Ochoa / Presidência da República)

Por outro lado, os ocidentais, em que se incluem os Portugueses, fazem questão em apresentar-se como paladinos dos direitos humanos, bons samaritanos em termos humanitários, arautos do direito a viver. Contudo, não têm pejo em enviar armas de fragmentação para a Ucrânia. Estão contra a invasão russa da Ucrânia e contra a anexação de territórios ucranianos, mas não tiveram pejo de estender a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) para lá da Alemanha e, recentemente, mais além. E estão em processo candidaturas de adesão à União Europeia (UE) mais a leste. Falta coerência e compromisso: “Pacta servanda sunt” (os pactos são para cumprir). 

Em Belém, não houve festa de Natal, em 2023, mas houve missa de Natal. Na homilia, o patriarca latino de Jerusalém salientou que “guerra e ocupação têm de acabar”. No “Natal mais triste de sempre”, o celebrante lamentou: “A Europa vem rezar na nossa Igreja e não faz nada contra este genocídio.” De facto, só na noite de Natal, houve mais de 100 mortos na Faixa de Gaza.

(Créditos fotográficos: Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images – theconversation.com)

O Ocidente falha na coerência, quando condena a invasão russa e reconhece a Israel o irónico direito de se defender. Não pressiona a ajuda humanitária aos desprotegidos e aos vitimados da guerra estúpida entre Israel e o Hamas e assiste, com benevolência, à infinda eliminação de Palestinianos.  

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Há uma norma, no Direito Administrativo, segundo a qual os membros de um órgão colegial que votaram contra uma deliberação, para ficarem isentos da responsabilidade que, eventualmente, resulte da deliberação tomada, devem fazer constar da ata “o seu voto de vencido, enunciando as razões que o justifiquem”. Efetivamente, o artigo 35.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo estabelece: “Aqueles que ficarem vencidos na deliberação tomada e fizerem registo da respetiva declaração de voto na ata ficam isentos da responsabilidade que daquela eventualmente resulte.”

Faço esta citação, para anotar que um voto contra ou a indiferença não nos ilibam da responsabilidade sobre os factos de que temos conhecimento. E Sophia de Mello Breyner Andresen escrevia: “Vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar […]”

(Créditos fotográficos: Mohammed Huwais / AFP) 

Os Ocidentais, os Europeus, os Portugueses não podem assobiar para o lado, face aos conflitos internacionais. Têm de estar conta o genocídio, ocorra ele onde ocorrer; têm de estar pelos direitos humanos e pelos desprotegidos, em Portugal, na Rússia, na Ucrânia, na China, no Qatar, em Israel, na Faixa de Gaza, etc. É a luta de cada dia, a luta de todos. E todos somos responsáveis porque todos somos irmãos.  

Já agora, em Portugal, é desejável que todos – políticos (os da situação e os da oposição), empresários, agentes culturais, dirigentes associativos, patrões e trabalhadores – se sintam responsáveis pelos serviços públicos, pela economia, pela cultura, pelo setor social e solidário, enfim, pelos grandes problemas do país.

A ninguém é lícito empurrar a barriga para a frente ou assobiar para o lado.    

É desejável que a crise política, que vai ser resolvida em eleições legislativas, nos dê uma oportunidade de governação equilibrada – com verdade, com coerência e com responsabilidade.

(invoicexpress.com)

Vamos lutar para que a Agenda do Trabalho Digno se concretize e alargue e a luta para a erradicação da pobreza tenha resultados significativos. Venha daí o empenho, a ação e a crítica justa, certa e útil!

Será bom que as eleições europeias deem à UE um refrescamento democrático, mais assente na cidadania e na preocupação social, uma coesão reforçada entre os Estados-membros. Enfim, pede-se menos burocracia, menos nacionalismo, mais solidariedade e mais subsidiariedade. 

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Por fim, neste espírito de verdade, de coerência e de responsabilidade, apraz-se a seguinte referência da mensagem papal, antes da bênção Urbi et Orbi, no dia de Natal: “Na Bíblia, ao Príncipe da paz opõe-se o ‘príncipe deste mundo’ (Jo 12,31), que, semeando a morte, atua contra o Senhor, ‘amante da vida’ (Sb 11,26). Vemo-lo atuar em Belém, quando, após o nascimento do Salvador, se verifica a matança dos inocentes. Quantas matanças de inocentes no mundo! No ventre materno, nas rotas dos desesperados à procura de esperança, nas vidas de muitas crianças cuja infância é devastada pela guerra. […] Deste modo dizer ‘sim’ ao Príncipe da paz significa dizer ‘não’ à guerra. E isto com coragem: dizer ‘não’ à guerra, a toda a guerra, à lógica da guerra, que é viagem sem destino, derrota sem vencedores, loucura indesculpável. Mas, para dizer ‘não’ à guerra, é preciso dizer ‘não’ às armas. Com efeito, se o homem, cujo coração é instável e está ferido, encontrar instrumentos de morte nas mãos, mais cedo ou mais tarde, usá-los-á. E como se pode falar de paz, se cresce a produção, a venda e o comércio das armas? Hoje, como no tempo de Herodes, as conspirações do mal, que se opõem à luz divina, movem-se à sombra da hipocrisia e do escondimento. Quantos massacres armados acontecem num silêncio ensurdecedor, ignorados de tantos! O povo, que não quer armas, mas pão, que tem dificuldade em acudir às despesas quotidianas, ignora quanto dinheiro público é destinado a armamentos. E, contudo, devia sabê-lo! Fale-se disto, escreva-se sobre isto, para que se conheçam os interesses e os lucros que movem os cordelinhos das guerras.

O Papa Francisco na varanda da Basílica de São Pedro para dar a bênção de
Natal “Urbi et Orbi”, na Praça de São Pedro, no Vaticano, a 25 de dezembro
de 2023.  (Créditos fotográficos: AFP – contacto.lu)

“Isaías, que profetizara o Príncipe da paz, deixou escrito que virá um dia em que ‘uma nação não levantará a espada contra outra’; um dia em que os homens ‘não se adestrarão mais para a guerra’, mas ‘transformarão as suas espadas em relhas de arado, e as suas lanças em foices’ (Is 2,4). Com a ajuda de Deus, esforcemo-nos para que se aproxime esse dia!”

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Próspero, pacífico, verdadeiro, coerente e responsável 2024!

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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01/01/2024

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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