Proteção de cabos submarinos é crítica para Portugal e para aliados
Portugal guarda um nó de infraestruturas submarinas sensíveis. Os pormenores são reservados e as informações são das mais sensíveis que o Estado protege.
A segurança dos 12 cabos submarinos de telecomunicações que atravessam o território marítimo sob jurisdição portuguesa ou que amarram em Portugal é preocupação do governo português e de várias embaixadas de aliados em Lisboa.
A capacidade do Estado para assegurar a proteção destas infraestruturas tem sido tema de debate em chancelarias de países da União Europeia (UE) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), que tentam perceber se a Armada Portuguesa (AP) tem capacidade para prevenir o risco de tentativa de sabotagem dos cabos que asseguram 97% das comunicações de dados e de Internet. E é uma preocupação partilhada a nível governamental.
Entretanto, os setores da energia, do transporte e das infraestruturas digitais, foram identificados como críticos numa diretiva europeia, de 14 dezembro de 2022, onde se incluem os cabos submarinos. Porém, apesar das limitações operacionais, a AP tem-se focado no seguimento dos navios russos que atravessam o espaço português: desde a invasão da Ucrânia foram monitorizados quase 60 navios russos – militares e científicos – em navegação por território de responsabilidade nacional, e cerca de metade foram acompanhados por navios da AP, que reporta as operações ao Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).
A proteção dos cabos submarinos que amarram em Portugal, em cinco lugares (Sines, Carcavelos, Seixal, Sesimbra e Sagres) esteve subjacente a dois escândalos públicos recentes: o motim de 13 marinheiros no navio “Mondego”, que inviabilizou o seguimento de um navio científico russo na Madeira; e a recuperação do computador do ex-adjunto de João Galamba.
O chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) foi duro para com a guarnição do patrulheiro. E o primeiro-ministro usou, por várias vezes, uma expressão precisa no recente debate parlamentar, ao ser questionado sobre a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) no resgate do computador do ex-adjunto de João Galamba. Ou seja, mencionou o “quadro presente da avaliação de ameaças relevantes”, adiantando não poder dizer mais, por razões de segurança. Uma das ameaças tem a ver com a proteção dos cabos submarinos que os Russos estarão a tentar mapear.
A sensibilidade da informação foi a justificação dada ao primeiro-ministro pela embaixadora Graça Mira Gomes, secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), para o SIS decidir agir na noite da confusão no gabinete de João Galamba. Como não foi dito ao SIS que os documentos classificados eram unicamente sobre a TAP, tratando-se de computador do Ministério das Infraestruturas, os oficiais das informações temeram que estivesse em causa material sensível conexo com os cabos submarinos.
O capitão-tenente António Ramos Carvalho escreveu, no artigo “Cabos submarinos – Portugal (novamente) no epicentro da globalização”, na Revista da Armada (n.º 42, pgs. 22-24), de abril, que Portugal é “um ator nevrálgico no panorama da rede internacional” dos cabos submarinos e o “único país do Mundo com ligações diretas estabelecidas com todos os continentes, à exceção da Antártida”. Com a ameaça russa, a segurança das comunicações é essencial: daqui a 10 anos, 10% a 15% de todos os cabos marítimos do planeta atravessarão águas portuguesas. E o oficial sustenta que o aumento dos casos suspeitos e o envolvimento da Marinha russa “em ações de ciberespionagem e de sabotagem a cabos submarinos ligados a países aliados” se intensificaram desde o início da guerra. E menciona um caso em particular. A 19 de outubro, ocorreu, no Sul de França, “um dos últimos incidentes reportados deste tipo: três cabos submarinos de fibra ótica foram cortados, sabotando os links de Internet” entre Marselha e Lyon, Milão e Barcelona. E suspeita-se que o incidente tenha sido provocado por um submersível russo.
O acompanhamento da AP e da Força Aérea a navios militares e científicos russos tem vários objetivos. Um deles é recolher informações: se metem cabos, sensores e drones na água em zonas onde há cabos submarinos; e outro é fazer um seguimento ou “assédio” a esses meios, perturbando eventuais manobras.
João Fonseca Ribeiro, antigo oficial da AP e sócio da consultora Blue Geo Light House, que fez trabalhos nesta área, frisa que eventual sabotagem provoca “uma interrupção da comunicação de dados, Internet e voz”, mesmo que empresas como a Google assegurem redundâncias de modo que “o transporte dos dados seja assegurado por três vias diferentes”. Os Russos têm “capacidade para afetar estas infraestruturas críticas” e, nesta “primeira fase da guerra”, o “mapeamento” destas comunicações pode ser vital para, se quiserem, escalar de alguma forma o conflito.
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Os cabos submarinos podem ser metálicos, coaxiais ou óticos, sendo este último tipo o mais utilizado atualmente. Com efeito, é preciso ter redes de cabos submarinos de fibra ótica para nos comunicarmos com velocidade usando a Internet.
Embora haja divergências quanto às datas, o primeiro cabo submarino de que se tem notícia foi um cabo telegráfico lançado, em 1851, no Canal Inglês de Dover.
Os cabos submarinos são conexões submersas nos oceanos, entre estações terrestres de rede, para transmitir sinais de telecomunicações. São milhares de quilómetros de cabos e de repetidores que atravessam mares, a nível do fundo, e conectam o planeta. E o mar reservou-lhes toda sorte de infortúnios: dos dentes dos tubarões aos barcos e suas âncoras.
Os cabos submarinos surgiram na década de 1850, entre a América do Norte e a Europa, poucos anos após a invenção do telégrafo, na década de 1830. Desde então, usam-se redes de cabos para telegrafia, telefonia e, obviamente, para a Internet. A tecnologia foi refinada, mas a aparência de um deles ainda é similar.
De acordo com o site TeleGeography.com, no início de 2018, eram aproximadamente 448 cabos submarinos em serviço no Mundo. Mas o total está em constante mudança, conforme novos operadores entram e os cabos mais antigos são desativados por questões como o termo do prazo de validade, o rompimento e outros acidentes. O total em quilómetros de cabos em serviço já ultrapassa 1,2 milhões. Alguns são curtos, como o cabo CeltixConnect, de 131 quilómetros, entre a Irlanda e o Reino Unido, mas outros são enormes, como o Asia America Gateway, de 20 mil quilómetros.
O grupo mantém um mapa interativo atualizado com a rota dos cabos submarinos, mas avisa que o traçado é adaptado e não reflete o caminho real da conexão. Pretende-se facilitar a visualização de diferentes cabos e identificar as suas estações de conexão terrestres. Os cabos que cruzam uma mesma área de um oceano tomam caminhos semelhantes, que podiam sobrepor-se no desenho. Essas rotas são escolhidas após pesquisas marítimas para evitar condições perigosas e danos.
Os cabos submarinos modernos usam tecnologia de fibra ótica. Lasers de uma extremidade disparam dados, a velocidades extremamente rápidas, em fibras de vidro muito finas, para recetores na outra extremidade do cabo. As fibras são envoltas em muitas camadas de plástico e de metais para sobreviverem ao fundo do mar. Isso não quer dizer que o cabo seja espesso como tronco de árvore. Costuma ser tão largo como a mangueira de jardim. Os filamentos dentro dele são extremamente finos, com aproximadamente o diâmetro de um fio de cabelo humano. À medida que se aproximam da costa, ganham camadas extras de proteção nas extremidades.
O canal Whats Inside do YouTube conseguiu um pedaço de cabo com uma turma da Google, do canal Nat and Friends. Cortaram ao meio e mostraram como é por dentro.
Os cabos precisam ir até ao fim, mergulhados até ao fundo. Por isso, não se vê o cabo a sair na areia da praia. Perto da costa, também está bem enterrado.
Um projeto de um único cabo costuma custar centenas de milhões de dólares e são feitos por meio de parcerias entre gigantes. O sistema mostrado em vídeo envolveu empresas como a Antel, a Algar Telecom, a Angola Cables e a Google. O cuidado com um projeto milionário é enorme: a rota tem de evitar falhas geológicas, zonas de pescas e ancoragem; tem de suportar profundidade em água salgada de alta pressão; e o cabo deve estar pronto para mudanças geológicas.
Tradicionalmente, cabos submarinos são propriedade de operadoras de telecomunicações, que formam um consórcio de partes interessadas em usar o cabo. Mas, no final dos anos 90, empresas empreendedoras construíram muitos cabos privados. Provedores de conteúdo como a Google, o Facebook, a Microsoft e a Amazon são, atualmente, os grandes investidores. Ante a perspetiva do crescimento da demanda em largura de banda, faz sentido, para essas empresas, a propriedade de cabos submarinos.
As capacidades dos cabos submarinos variam. Normalmente, os mais novos são capazes de transportar mais dados do que os de 15 anos ou de 20 anos de uso. Os recentes são capazes de transportar totais até 250 terabits (Tbps) de informação (26,2 Tbps por segundo), número que representa a capacidade total possível, se o proprietário instalasse todos os equipamentos possíveis. O comum é os responsáveis atualizarem os cabos gradualmente, conforme a demanda do cliente.
Quanto a acidentes, é de referir que até os tubarões já tentaram “mastigar a Internet”. Começaram a surgir, em 1987, evidências de que os animais morderam cabos no fundo do mar. Há vídeos no YouTube com cenas de tubarões a tentar degustar a conexão. No entanto, os cabos têm proteção contra “shark attacks”. Assim, a mordedura de peixes (categoria que inclui tubarões) foi responsável por um total de zero falhas em cabos, entre 2007 e 2014. A mordedura não resultou em nada. A maioria dos danos vem da atividade humana, principalmente da pesca e da ancoragem.
Acidentes com os cabos são comuns. Em média, mais de 100 por ano. Barcos de pesca e navios arrastando âncoras enormes são responsáveis por dois terços dos problemas. Fatores ambientais como terramotos também contribuem. Menos comum é algum componente submerso falhar. E a sabotagem deliberada é muito rara.
Os cabos submarinos têm uma vida útil de 25 anos, mas são, em regra, substituídos mais cedo, porque se tornam economicamente obsoletos. Não fornecem tanta capacidade como os mais novos, a um custo comparável e torna-se cara para a sua manutenção.
De acordo com o TeleGeography, os satélites são ótimos para determinadas aplicações e fazem trabalho maravilhoso a alcançar áreas que ainda não estão conectadas com fibras. São úteis para distribuir conteúdo de uma fonte para vários locais. No entanto, os cabos podem transportar mais dados e a custo muito menor. Estatísticas da U.S. Federal Communications Commission indicam que os satélites representam apenas 0,37% de toda a capacidade internacional norte-americana.
É verdade que o Facebook e a Google estão a investir em projetos como o Aquila, a Athena ou o Loon, para levar o acesso a lugares em que mal há Internet. Mas não estão a procurar usar satélites de qualquer tipo como forma de substituir o uso de cabos submarinos.
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Enfim, é matéria sensível que poderia ter estado presente no caso do Ministério das Infraestruturas, que a cacofonia política desvalorizou, lançando o anátema contra a suposta ilegalidade da atuação do SIS, cuja principal missão é de ordem preventiva, tendo agido (bem, em minha opinião), na circunstância, devido a um alerta (ainda que sine fundamento in re, como se apurou mais tarde).
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26/06/2023