Prova de aferição

 Prova de aferição

(Créditos fotográficos: Van Tay Media – Unsplash)

Saber conduzir um veículo é muito diferente de saber construí-lo. Reconhecer um bom edifício não é sinónimo de ser capaz de o projetar. Usar um equipamento elétrico ou eletrónico na perfeição não significa que tenhamos conhecimentos para entender como funciona ou como é feito. Então, porque é que tanta gente que usa as tecnologias da informação e comunicação (TIC) pensa que é capaz de conceber e de realizar sistemas e aplicações informáticos?

A diferença entre usar e conceber ou realizar está na engenharia. Para além de conhecimentos técnicos e científicos especializados na ou nas áreas em causa, a engenharia recorre a metodologias que envolvem várias fases, como sejam o planeamento, o projeto, a implementação e o teste dos sistemas. Querer suprimir ou encurtar essas fases é um convite a que o pior aconteça. É assim em todas as áreas. E a informática não é exceção, ao contrário do que todos os amadores e improvisadores inveterados pensam. Vejamos um exemplo recente: a aplicação ou plataforma informática para a realização de provas de aferição no nosso país.

As provas de aferição são instrumentos de avaliação que permitem a recolha de dados sobre os níveis de desempenho dos alunos do ensino básico (2.º, 5.º e 8.º anos) em certas disciplinas, das quais são exemplos a Língua Portuguesa e a Matemática. O objetivo não é o de atribuir uma classificação aos alunos, mas, sim, o de identificar dificuldades e permitir uma intervenção pedagógica atempada. Neste ano, pela primeira vez, estas provas realizam-se em formato digital.

A escolha do formato digital foi, sem dúvida, bem intencionada. A questão é que, como diz o povo, de boas intenções está o Inferno cheio e, a avaliar pelo que foi veiculado pela comunicação social, tudo o que poderia correr mal nestas provas correu, desde a impossibilidade de acesso à plataforma, a bloqueios durante a operação e, até, a realização de atualizações em períodos de utilização ativa.

(Créditos fotográficos: fran innocenti – Unsplash)

É claro que alguns dirão que, em muitos casos, tudo correu bem. Outros dirão que tudo isso é normal e que só quem não usa aplicações ou plataformas informáticas é que acha que tudo funciona sempre. Eu, por outro lado, digo que tudo se deveu a má engenharia. Não duvido de que quem desenvolveu a plataforma perceba de informática, mas de engenharia sabe pouco.

Como é possível colocar uma plataforma em utilização nacional sem passar por um período adequado de teste, envolvendo várias escolas, professores e alunos? Alguém com um mínimo de experiência pensa que os sistemas, geralmente, funcionam à primeira? Como é possível não testar o acesso num universo alargado durante alguns meses, experimentando todas as funcionalidades e recolhendo informação sobre problemas e melhorias, para depois, atempadamente, fazer alterações, correções e adições?

(Créditos fotográficos: Product School – Unsplash)

É caso para dizer que à plataforma das provas de aferição faltou aplicar o princípio básico das próprias provas de aferição: identificar dificuldades e permitir uma intervenção atempada, para correção de problemas. Como sou otimista, espero que quem de direito use esta experiência como uma verdadeira prova de aferição e tire conclusões. Se não o fez, terá de se aplicar mais no futuro, para não ficar no ar o sabor a falta de profissionalismo.

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22/05/2023

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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