Publicada lei no quadro da Agenda do Trabalho Digno
Foi publicado, em Diário da República, o diploma que enquadra a revisão da lei laboral, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, entrando em vigor no dia 1 de maio, simbolicamente, no Dia do Trabalhador. Não obstante, as normas sobre serviço doméstico só se tornam efetivas a partir de 3 de junho.
A Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia (UE), e a Diretiva (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, também de 20 de junho de 2019, relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e dos cuidadores.
Ao mesmo tempo, altera o Código do Trabalho (CT), o Regime Geral das Infrações Tributárias, a lei que regulamenta o CT, o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, o regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, o Código de Processo do Trabalho, o Estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho, o regime de execução do acolhimento familiar, o regime jurídico do exercício e do licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas de trabalho temporário, o diploma que define as regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e na manutenção das prestações do subsistema de proteção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos; e procede às alterações na atribuição do rendimento social de inserção, tomando medidas para aumentar a possibilidade de inserção dos seus beneficiários. Além disso, regulamenta também o diploma que estabelece as regras dos estágios profissionais, assim como o diploma que estabelece o regime de execução do acolhimento familiar, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em perigo.
Por outro lado, o Governo fica autorizado a alterar a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, para “aplicar ao vínculo de emprego público o disposto na presente lei quanto às condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia e à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores”. A presente autorização legislativa caduca a 31 de dezembro de 2023. E o artigo que procede a esta autorização legislativa está em vigor a partir de 4 de abril, o dia seguinte ao da publicação da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.
A publicação da lei em causa culmina um longo processo de adiamentos: primeiro, entre os parceiros sociais, onde não houve entendimento; mais tarde, no Parlamento, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, onde a votação final foi adiada por várias vezes; depois, os patrões protestaram junto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que os remeteu para o Governo; e o chefe de Estado, promulgou o diploma, mas com reservas e com muitos alertas. Assim, uma das grandes bandeiras do Executivo, que chegou a estar previsto entrar em vigor em janeiro deste ano, acabou por ser adiada para abril. E António Costa ainda queria que a nova lei entrasse em vigor a 3 de abril, mas a falta de publicação do diploma, em Diário da República, levou a novo adiamento.
O Governo define a nova lei como “compromisso para o futuro”. Ao invés, os patrões dizem que põe em causa o cumprimento do Acordo de Médio Prazo para a Competitividade e Rendimentos. As plataformas digitais não explicam se a vão cumprir ou não. Os sindicatos defendem que ela deveria ter ido mais além e reverter, por completo, os cortes impostos pela troika. Os advogados temem o aumento da litigância, visto que várias normas exigem a intervenção dos tribunais. E o Presidente da República avisa o Governo de que, em algumas matérias, o diploma arrisca produzir o efeito contrário ao objetivo para que foi criado como, por exemplo, a redução ou a eliminação do período experimental.
O certo é que a lei já tem datas para entrar em vigor, fechando um ciclo de mais de dois anos de negociações e de debates.
São mais de 150 as normas que a lei introduz no CT e que incluem a criação de um amplo leque de indícios da existência de relação laboral nas plataformas digitais, e regras mais restritivas para os contratos a termo ou temporários.
Uma das normas mais polémicas é a que impede os patrões de recorrer à externalização de serviços (outsourcing) quando, nos 12 meses anteriores, tenham feito despedimentos coletivos ou por extinção de posto de trabalho. A esta medida acrescem as limitações ao recurso ao teletrabalho e ao trabalho independente
Por outro lado, ficam reforçados os direitos dos trabalhadores independentes e os dos cuidadores informais, tal como se clarifica a comparticipação de despesas de teletrabalho e se estabelece a criminalização do trabalho não declarado.
Entre as várias alterações plasmadas na lei, uma das que está a criar maior expectativa, sobretudo entre os advogados, é a relativa ao novo enquadramento das relações laborais na economia das plataformas. A partir de maio, passa a existir um conjunto de “indícios de laboralidade” para determinar a existência, ou não, da relação laboral entre os motoristas e os estafetas de plataformas como a Uber, a Bolt ou a Glovo, bem como noutras plataformas digitais de prestação de serviços.
Atualmente, estes profissionais trabalham sem vínculo com as plataformas e, no caso dos motoristas, a lei TVDE em Portugal (modelo único na Europa) impõe a obrigatoriedade de existência de uma terceira parte, o operador de TVDE, a mediar a relação entre o motorista e a plataforma – figura que, apesar de não prevista inicialmente, consta na versão final, viabilizando que o reconhecimento do vínculo possa também ser estabelecido com o operador. Todavia, a redação da norma clarifica que a presunção de laboralidade é feita, em primeira instância, com a plataforma, cabendo a esta contestar, se o entender, e provar que não é o empregador. Nesse caso, e não havendo acordo entre os trabalhadores e a plataforma, caberá ao tribunal determinar quem é o empregador.
A expectativa é saber se as plataformas vão, efetivamente, aplicar a lei. Nuno Inácio, responsável pela Bolt em Portugal, em entrevista ao Jornal de Negócios, a 19 de fevereiro, desmontou a nova lei laboral criada para as plataformas, mostrando que é simples contorná-la, para admitir que a Bolt não tem intenção de a cumprir e de firmar contrato de trabalho a 20 mil motoristas e com cerca de 20 mil estafetas ativos na plataforma. A opção será “adaptar a operação”. E, como garantiu, o risco de a plataforma ser considerada empregador “não será substancial”.
As outras plataformas fazem prudente silêncio sobre a matéria.
Sobre o impedimento de os patrões recorrerem à externalização de serviços, após despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho, nos 12 meses anteriores, bem como sobre as limitações ao recurso ao teletrabalho e ao trabalho independente, o Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNPC) tinha enviado carta ao Presidente da República a pedir que ponderasse a não promulgação da lei, já que, a serem implementadas, tais alterações ao CT “terão consequências danosas e da maior gravidade na vida das empresas e dos próprios trabalhadores”.
E acrescentavam que, não tendo tais normas sido discutidas, as confederações iriam propor a abertura de discussão na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) sobre “temas centrais para as empresas, designadamente a matéria relativa à organização do tempo de trabalho”.
Também preocupa os patrões a redução ou mesmo a extinção do período inicial do contrato – em que o trabalhador e o empregador podem avaliar a sua manutenção – nos casos em que o contrato de trabalho a termo, mesmo que celebrado com outro empregador, tenha sido igual ou superior a 90 dias, estando também prevista a sua redução no caso de estágios profissionais com duração igual ou superior a 90 dias e realizados nos 12 meses anteriores.
O Governo apresentou esta medida como um dos grandes trunfos do combate à precariedade, sobretudo entre os jovens, mas os patrões e os advogados admitem que o efeito prático pode ser “exatamente o contrário” e que a norma pode desincentivar a contratação de perfis a que a extinção do período experimental possa ser aplicada.
Já para os trabalhadores, a lei traz melhorias em várias matérias, desde as compensações por despedimento – de 12 dias de retribuição base mais diuturnidades para 14 dias –, até ao alargamento do teletrabalho (sem precisar de acordo com o empregador) para pais com dependentes com doença crónica ou com deficiência, independentemente da idade, à fixação de um valor para comparticipação de despesas de teletrabalho, à alteração das férias de 22 dias para 25 dias, à limitação da contratação temporária ou a termo, ao alargamento da licença por falecimento do cônjuge ou de enteados de cinco para 20 dias ou à criminalização do trabalho não declarado.
Esta última alteração tem impacto em vários setores de atividade, mas há um em especial: os serviços domésticos. Quem recorresse a este tipo de serviços já era obrigado a fazer contrato de trabalho e a pagar as contribuições sociais, mas a criminalização muda o peso da consequência. Quem recorre a serviços de limpeza doméstica, mesmo que de forma pontual, arrisca pena de prisão ou multa que pode chegar aos 180 mil euros, se não legalizar o vínculo contratual do trabalhador. O trabalho a tempo parcial não isenta da obrigatoriedade de declarar o trabalhador à Segurança Social e assegurar o pagamento das respetivas comparticipações.
Há várias modalidades de cumprimento destas obrigações. Cabe a cada família fazer contas.
Se o trabalhador estiver registado na Segurança Social, basta comunicar aos serviços que, a partir de determinada data, está a trabalhar para si; se não estiver registado, terá de formalizar o registo e, quando tiver o número de identificação da segurança social atribuído, notificará os serviços de que aquela pessoa trabalha para si. Em qualquer um dos casos, tem de indicar o regime em que o faz, o qual ditará o valor das contribuições a pagar mensalmente.
Na prática, há três regimes: o Regime Convencional Mensal, o Regime Convencional Horário e o Regime de Contribuição pela Remuneração Real, que é o único, dos três, que garante ao trabalhador proteção no desemprego, em caso de cessação de contrato. A Segurança Social tem publicado, desde 10 de fevereiro, o manual que define os diversos regimes e estabelece as respetivas tabelas de contribuições mensais, por parte do empregador e por parte do trabalhador.
Contudo, apesar de também ter sido publicado a 3 de abril, o novo enquadramento jurídico para as relações laborais no serviço doméstico só entra em vigor daqui a 60 dias, em junho. A partir daí, haverá mais seis meses para se proceder ao registo do trabalhador na Segurança Social, caso contrário, incorre-se em crime punível com pena de prisão ou multa.
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E aí está a lei, que alguns dizem que não vão cumprir.
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17/04/2023