Quando (nos) dói, ainda pertence(mos)

 Quando (nos) dói, ainda pertence(mos)

Créditos: Sara Correia Gonçalves

Tentar quase frustradamente perceber o que significa, ou quando, “voltar a casa” resume-se a nada mais do que uma estupidez quando a Natureza nos mostra a realidade. Que vai tão além da nossa.

O meu pai costumava contar que, era eu criança e estava com ele em Coimbra, uma vez lhe disse, do alto das Monumentais, apesar de olhar sorumbaticamente para a descida: “Pai, é isto que eu quero para mim”.

Ora, para mim, os sinais já estavam todos lá quando, ainda mais pequena, calava as minhas lágrimas, ao colo, e me cantava ao ouvido… “O meu menino é d’oiro”…

Apaixonada pelo “Cântico Negro” desde que me foi dito pelo João Villaret, nunca fui por onde me estenderam os braços e, mais como que numa missão predestinada do que se tivesse feito qualquer promessa, saí de casa para nunca mais voltar.

Para Coimbra, para a minha casa, voltei sempre. E só mais de dez anos depois, isto se tornou a verdade.

Até agora, foi – estúpida, talvez, mas – sinceramente difícil perceber quando estou realmente a “voltar a casa”. Quando vou ver a minha família? Na realidade, também tenho família onde vivo. As pessoas que me acompanham, que estão presentes quando rio e quando choro e que encontram companhia quando batem à minha porta.

“Voltar a casa” é regressar onde moro? Então o que é o abraço da minha mãe? O colo do meu pai? As conversas “surdas” com o meu irmão? As brincadeiras com os avós?

E mais. Na “minha casa” não estão os meus projetos da faculdade, a minha capa e batina e todas as recordações de anos felizes. Tudo está em Mirandela.

“Não sei por onde vou” e “não sei para onde vou”. Mas sei de onde sou. Nunca escondi onde me fizeram gente e onde sonhei com o meu destino. Não trocava a minha vida e formação como pessoa “em casa” por nada.

Lembro-me, na faculdade, de revermos o “Pare, Escute e Olhe” e a sessão estava animadíssima. Tanto quanto eu estava consternada. Em jeito de provocação, passaram-me a palavra. Não sei se porque estranharam o meu silêncio ou apenas porque supostamente eu teria uma espécie de “visão interna” do assunto.

Ainda hoje não discordo dos meus colegas quanto à mestria do trabalho do Jorge Pelicano. Aprecio a sua inteligência técnica e não discuto que o silêncio nos grita, às vezes mais do que tantas palavas escritas ou simplesmente ditas.

Mas mesmo que Trás-os-Montes ou as suas pessoas fossem simples – que são bem mais do que uma palavra humilde pode dizer -, não são simplistas.

(E qualquer outro comentário mais me aborrece, sobre a perspetiva do Pelicano ou outra qualquer – desde essa aula, em que nada ficou por dizer.)

Este debate interior resulta hoje na assunção da pequenez humana. A minha, neste caso.

Pois que a minha casa seja em Coimbra, doeu-me como se nunca tivesse saído “de casa”, chegar lá e acompanhar o incêndio próximo da EN15, à entrada de Mirandela, junto ao nó de acesso à A4.

Foi um dia, acima de tudo, muito real.

E sem mais questões emocionais: era a minha casa a arder.

Talvez, um dia – outro dia –, esta casa possa ter um pouco mais de mim.

Pois naquele dia fui protegida, como se nunca a tivesse abandonado.

Só que, na minha casa, também é como se aqui tivesse nascido.

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Patrícia Troca

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