Quão difícil é ser jornalista
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Não é fácil ser jornalista. Para perceber a dimensão desta dificuldade basta ler e ouvir o que os jornalistas já divulgaram sobre o caso do jovem estudante universitário português que, em 11 de Fevereiro deste ano, foi presente à juíza de instrução como suspeito de planear um ataque terrorista à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ou, até, ler e ouvir o que já se escreveu e disse sobre o jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Sporting que, na 22.ª jornada da I Liga portuguesa de futebol, também em Fevereiro de 2022, degenerou em múltiplos actos de violência.
Um jovem adulto de 18 anos, a sair da adolescência, tímido e medroso nas palavras do avô paterno, recém-ingressado numa Universidade em Lisboa, cidade para onde se mudou, ido de uma aldeia do Centro do país, é detectado pelo FBI nos corredores mais escuros da Internet e, numa semana, identificado e detido pela Polícia Judiciária portuguesa na posse de facas, dardos incendiários, materiais combustíveis, um martelo (instrumento que uma televisão incluiu no rol das armas proibidas) e um plano de ataque à faculdade onde estuda.
Na sequência desta notícia bombástica, quase no verdadeiro sentido da palavra, soube-se que o candidato a primeiro terrorista português na categoria das chacinas indiscriminadas era viciado em vídeos de assassínios em escolas e teria sido, na adolescência, “bombo da festa” dos colegas, ou seja, vítima de “bullying”, um fenómeno de intimidação sistemática vexatória.
Uma notícia com este impacto social e esta complexidade de aspectos potencialmente relevantes exige que os jornalistas a abordem com distanciamento e profundidade, sem descurar qualquer dos ângulos que podem e devem ser tidos em conta, o que torna particularmente difícil o exercício desta profissão. Isto é válido, igualmente, para a abordagem jornalística à violência que marcou o final desse jogo de futebol entre o Porto e o Sporting.
Neste caso, importará não esquecer os condicionamentos que marcaram o regresso das multidões aos estádios de futebol, após os confinamentos pandémicos, e o facto de Portugal continuar a ser um país com uma elevada percentagem da população cuja principal e, às vezes, única alegria só ocorre quando o clube que apoiam ganha um jogo, um campeonato ou uma taça. Também aqui se realça a dificuldade em ser jornalista.
Em sociedades assim, a desinformação cresce com mais facilidade.
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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
31/10/2022