Quem não paga imposto no Brasil?
Li esse pequeno texto no perfil do jornalista Gustavo Gindre: “Os quatro irmãos Salles são os principais acionistas do Itaú (cujo lucro líquido em 2021 foi de R$ 26,9 bilhões) e da CBMM (maior mineradora de nióbio do mundo). Calcula-se por alto que juntos eles possuam quase R$ 60 bilhões em patrimônio. Pois bem, quanto esses quatro senhores pagam de imposto de renda sobre os dividendos que recebem do Itaú e da CBMM? A resposta é zero. No Brasil, dividendos são isentos de imposto de renda. Além do Brasil, apenas Estônia, Letônia e [S]ingapura adotam a mesma política” (sic).
Fiquei a matutar. Como isso pode ser possível, se os trabalhadores têm o imposto descontado na folha de pagamento sobre seu salário, que, em tese, nem deveria ser considerado renda, já que ele serve única e exclusivamente para manter minimamente vivo o trabalhador. Mas, ainda assim, de acordo com o artigo 43, do Código Tributário Nacional, “renda” seria tanto o produto do capital como do trabalho ou da combinação de ambos.
Então, se a renda é também o produto do capital, por que as empresas não pagam imposto sobre os dividendos que distribuem a partir do lucro?
Conforme o advogado e doutor em Direito Tributário, Marcos Palmeira, essas vantagens para os empresários aprofundaram, desde 1995, quando – no governo de Fernando Henrique Cardoso – foi aprovada a lei 9.249, que tirou a tributação das empresas sobre os dividendos distribuídos. “Essa lei permaneceu incólume, nunca foi discutida, e segue sem alteração. É incrível porque isso é insustentável até mesmo para o sistema capitalista. É um mecanismo que configura uma exceção nos sistemas internacionais”. Esse tipo de isenção só existe no Brasil, na Estônia, na Letônia e em Singapura.
Ainda conforme Palmeira, havia, na época da discussão da lei, a tese de que se fosse taxado o lucro haveria uma dupla tributação, porque, além de a empresa ter que pagar sobre ele, o sócio que recebesse os dividendos também teria de prestar contas ao imposto de renda do valor que recebesse. Mas, a verdade é que, ao fim, nem a empresa nem aquele que recebe acabam tributados. “E esse é um mecanismo poderosíssimo de acumulação de capital”. O argumento para a aprovação da lei foi o mesmo de sempre: há que dar vantagens ao empresariado para que ele possa investir na geração de empregos. E assim, além de liberar os patrões da tributação sobre os lucros, a mesma lei ainda concedeu outras vantagens, como a redução da alíquota do imposto de pessoa jurídica, de 25% para 15%; redução da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido das empresas em geral, de 10% para 8%; a das instituições financeiras (bancos) reduziu de 23% para 18%; e a redução de 25% para 15% do imposto sobre as remessas ao exterior, entre outras benesses. Vejam que são reduções muito generosas.
Ou seja, é sempre muito mais tranquilo ser patrão do que ser empregado, já que o último não tem escapatória. O imposto é deduzido direto da fonte. Apenas os que ganham até 1.903,98 estão isentos do pagamento. Os demais pagam e existem apenas quatro possibilidades de alíquotas: descontam 7,5% os que ganham de 1.903,99 até 2.826,65; descontam 15% os que ganham de 2.826,66 até 3.751,05; descontam 22,5% os que ganham de 3.751,06 até 4.664,68; e descontam 27% os que ganham a partir de 4.664,69. Observem que as vantagens para os empresários são enormes, enquanto os trabalhadores estão submetidos a tributações muito severas em salários que nem sequer conseguem suprir as necessidades básicas. “Está claro que inexiste qualquer sintoma de efetiva progressividade”, aponta Marcos Palmeira.
Esse é um tema que não encontra espaço no debate público. Não se vê a mídia discutindo, nem os partidos políticos, nem os movimentos sociais. Mesmo nas campanhas eleitorais, o assunto não é abordado. E deveria.
Dentro do atual sistema, a solução para esse caso aberrante – no qual um empresário que tem um lucro de 26 bilhões não paga nada ao IR, enquanto um trabalhador que ganha quatro mil reais tem de desembolsar 27% do salário para o imposto – seria mudar a legislação e é extraordinário saber que, desde 1995, nenhuma proposta para taxar os lucros tenha sido discutida e aprovada. “É claro que uma legislação assim não vai agradar nem aos da Faria Lima, nem aos grandes capitais, mas ela é urgente e necessária”, diz Palmeira. Ele aponta que o número de contribuintes que têm esse caráter, aparecendo como sócios de empresas e recebedores de dividendos, está aumentando muito no Brasil e essa gente não paga Imposto de Renda, ou paga muito pouco.
Um tema como esse tem de estar na plataforma dos candidatos à eleição presidencial. Mesmo dentro do capitalismo, como já afirmou Marcos Palmeira, a questão da tributação no Brasil é insustentável.
16/05/2022