O retratista da Costa da Morte: Ramón Caamaño (1908-2007)
Ramón Caamaño retratou gente feliz com lágrimas e registou a fúria do mar da Costa da Morte (na Galiza). A exposição pemanente na sua casa-museu, na Rua do Matadoiro, em Muxía (na província da Corunha), disso dá testemunho. Caamaño morreu em 2007, aos 99 anos.
A obra de Caamaño é constituída por milhares de “negativos”. Neles há faróis, castelos, praias, festas, equipas de futebol, personagens da História da Costa da Morte e do reino de Espanha; mariscadores de percebes e pescadores de congro; famílias de Muxía, de Corcubión e da Cee – pequenas vilas às portas do Cabo Finisterra. E do alemão Paul Müller, que arribou a Muxía, em 1928, sozinho e num pequeno barco que o levaria até Nova Iorque.
A obra de Ramón Caamaño é feita de um singular e minucioso realismo. Por isso, tem um inestimável valor etnográfico. A sua lente captou ambientes rurais e citadinos; e assinalou a pobreza e o sofrimento a que foram votadas as gentes da mátria de (Alfonso Rodríguez) Castelao (1886-1950) e de Rosalía de Castro (1837-1885). Condenando-as ao exílio e à emigração. Sobretudo, durante o regime e a ditadura franquista (de 1936 a 1975).
Há fotos de Caamaño que gritam essa realidade. Aquelas que mostram crianças vestidas de branco, com os olhos abertos, em pequenas urnas. Caamaño fotografou-as a pedido de mães desesperadas pelas suas mortes. As fotos viajavam, depois, até aos confins do mundo, para que os pais pudessem ver os rostos dos filhos que não chegaram a mimar.
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Um autodidacta singular
Ramon Caamaño Bentín nasceu em Muxía, em 1908. Não aprendeu com nenhum professor a arte de fotografar. Com apenas 16 anos, adquiriu a sua primeira câmara. Seguiu-se a aquisição de um projector Pathé-Baby, para filmes de 9,5 milímetros. Com ele realizou sessões de filmagem em locais improvisados e ao ar livre.
No ano de 1937, enquanto decorria a Guerra Civil Espanhola, Caamanõ mudou-se para Cee, onde permaneceu quase vinte anos. Deslocou-se, seguidamente, para a vizinha Corcubión, mas durante esse longo exílio nunca deixou de visitar a sua aldeia natal. Mais tarde, Ramón Pose, seu genro, colaborou com ele e tornou-se guardião da sua imensa obra, bem como das máquinas que manuseou ao longo da vida.
Manuel Sendón e Xosé Luis Suárez Canal, animadores do Centro de Estudos Fotográficos (CEF) – na Casa das Artes, em Vigo –, entidade que coordenou a Sala dos Peiraos (de 1985 a 1991) e dirigiu a Vigo Fotobienal (de 1984 a 2000). Ambos, foram os curadores da exposição que mostrou a obra de Caamaño no Centro Cultural Novacaixagalicia (Caixanova). Sendón e Canal destacaram, então, a “força expressiva e [a] qualidade formal deste artista objectivo, de indubitável potencial antropológico”.
Assim é, de facto. Testemunhámo-lo, durante a nossa visita à casa-museu do fotógrafo, em Julho deste ano. Uma visita guiada pelo seu neto Denis Pose Caamaño, guardador e cuidador de um espaço recheado de histórias de vida das gentes de Muxía e da Costa da Morte.
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“Cantar de emigração”
Adriano Correia de Oliveira (1942-1982) deu voz ao poema “Cantar de Emigração”, de Rosalía de Castro.
Recorde a interpretação do trovador: