Recortes de jornais e outras coisas mais

 Recortes de jornais e outras coisas mais

(Direitos reservados)

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Quando iniciei a minha actividade profissional como jornalista, nos idos de 1977, julgava-me capaz de recortar e de guardar todos os textos que viesse a publicar nos jornais. Cheguei mesmo a comprar um álbum, semelhante aos velhos álbuns de fotografias, que ostentava na capa a expressão “Recortes de Jornais”.

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Desisti rapidamente desse objectivo, mas fiquei com o gosto pelos recortes  e, anos mais tarde, quando descobri o prazer das artes plásticas, dei uma segunda vida a alguns desses papéis, integrando-os, pela colagem, em alguns trabalhos de amador tardiamente seduzido pela Arte.

Num desses recortes, que julgo ser do falecido jornal “República”, nos anos 70, mas de uma edição saída já depois do 25 de Abril de 1974, Maria Emília Correia escreve, com direito a primeira página, que a luta dos “media” substituirá a luta de classes, citando a opinião do então já famoso Marshall McLuhan (1911-1980), estudioso da comunicação a quem se atribui o conceito de “aldeia global”.

Marshall McLuhan é um filósofo e teórico da comunicação canadiano, que vislumbrou a Internet quase trinta anos antes de ser inventada, sendo reconhecido pelas concepções de “aldeia global” e de que “o meio é a mensagem”. (© Fordham News – Fordham University)

Maria Emília Correia destaca a opinião de McLuhan quando este defende as então novas tecnologias da informação como instrumentos capazes de derrubar as fronteiras entre os homens, conduzindo-os ao entendimento de todas as suas emoções, não hesitando mesmo em classificar McLuhan como um “humanista da era audiovisual”. O tema despertou, há quase meio século, a minha curiosidade e o recorte que, por impulso, fiz do artigo de Maria Emília Correia forra, hoje, as costas de um manequim, de meio corpo, que trabalho plasticamente.

(www.institutodeengenharia.org.br)

Estariam McLuhan e Maria Emília Correia enganados quanto à evolução de um outro “admirável mundo novo” que, então, começava a desenhar-se e que hoje alberga ondas pandémicas de desinformação, provocadas por algoritmos contaminados? Está, talvez, na altura de tentar encontrar os erros originais de uma revolução tecnológica que parecia libertadora, mas que, claramente, não está a ser.

Quase meio século depois, nas costas de um manequim de meio corpo tatuado com recortes de jornais e de outras coisas mais, releio as ilusões vividas em sucessivas promessas de admiráveis mundos novos. Ilusões que ajudam a compreender o flagelo da desinformação que sofremos. A compreender e a combater, espero.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

12/09/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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