Riscos e incertezas do SNS condicionam a sua sustentabilidade

 Riscos e incertezas do SNS condicionam a sua sustentabilidade

(comumonline.com)

O relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) sobre o desempenho do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 2022, publicado a 28 de junho, identificando, na área assistencial, os constrangimentos da atividade dos cuidados primários como fator de pressão nos serviços de urgência e no internamento hospitalar, conclui que o SNS enfrenta “riscos e incertezas” que lhe condicionam a prestação de cuidados aos utentes e a sustentabilidade no futuro.

O número de utentes sem médico de família apresenta um crescimento superior a 30%, nos últimos dois anos, persistindo a trajetória ascendente iniciada em 2019. 

(Créditos fotográficos: Sasin Tipchai – Pixabay)

Assim, no final de 2022, cerca de 1,5 milhões de utentes não tinha médico de família atribuído (um aumento de mais de 355 mil utentes, em relação a 2021), correspondendo a 14,1% do total de inscritos no SNS, o que “torna menos exequível a cobertura plena da população” por estes especialistas em Medicina Geral e Familiar. Por conseguinte, o aumento do recurso aos serviços de urgência, que daí resulta, segundo o CFP, “pressiona os hospitais e obriga-os a redirecionar recursos da atividade programada para acudir aos episódios de urgência”.

Por outro lado, o relatório avança que as consultas realizadas, em 2022, nos cuidados primários diminuíram, face a 2021, observando-se uma redução de 1,5 milhões no número de consultas médicas, bem como uma redução no volume de consultas de enfermagem, contrariando as subidas registadas nos dois anos anteriores.

O número de utentes sem médico de família apresenta um crescimento superior a 30%, nos últimos dois anos, persistindo a trajetória ascendente iniciada em 2019

O documento do órgão que avalia o cumprimento da política orçamental salienta que, no respeitante à atividade hospitalar, em 2022, se observou “um aumento contínuo da produção nas diversas áreas assistenciais”, tendo o número de consultas médicas hospitalares e de intervenções cirúrgicas programadas ultrapassado, nesse ano, os valores de 2019 e de 2021. Não obstante, esse aumento, segundo o relatório, “não foi suficiente para evitar a diminuição da capacidade de resposta do SNS nestas áreas”, pois o número de utentes em lista de espera para a primeira consulta e o de utentes em lista de inscritos para cirurgia voltaram a aumentar.

(Créditos fotográficos: Marcelo Leal – Unsplash)

Em concreto, o número de 12,8 milhões de consultas médicas hospitalares realizadas em 2022 aumentou 2,9%, em relação a 2021. Também em 2022, foram realizadas 758 mil intervenções cirúrgicas programadas, face às 709 mil de 2021. Porém, quanto às urgências, o cumprimento dos tempos de triagem continuou a cumprir-se em “61% dos casos”, à semelhança de 2021. E, no internamento, verificou-se a taxa média de ocupação de 84%, ligeiramente superior à de 2021, que foi de 81%.

Todavia, segundo o documento, esta taxa de ocupação engloba situações discrepantes nas várias regiões do país, sendo superior a 100% no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, no Hospital de Magalhães Lemos, no Centro Hospitalar do Oeste e no Hospital de Vila Franca de Xira.

Após a retoma da atividade, em 2021, a generalidade das áreas assistenciais do SNS, 2022 caraterizou-se pela agudização de constrangimentos já patentes no período pré-pandemia.

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Em termos de contas, ressalta que o SNS registou um défice superior a 1.066 milhões de euros (1.066 ME), em 2022, ano em que a despesa atingiu 13.168 milhões de euros, o que representa um aumento de 4,6%, face a 2021, determinado pelo crescimento de 5,2% da despesa corrente, sobretudo, devido às despesas com pessoal, com fornecimentos e serviços externos e com compra de inventários. Por conseguinte, a despesa do SNS representou 5,5% do PIB e 12,3% da despesa pública total. Ora, este resultado representa uma melhoria de 214 milhões, face a 2021, bem como um défice menor do que esperado no orçamento inicial (1.260,6 ME).

(Créditos fotográficos: Hush Naidoo Jade Photography – Unsplash)

O documento do CFP, salientando que, entre 2014 e 2022, o saldo orçamental do SNS foi sempre negativo, registando um valor acumulado de menos 5.231 milhões de euros, observa: “Para este resultado contribuiu um valor da despesa do SNS sistematicamente superior ao valor da receita para todos os anos, analisados.” Ao mesmo tempo, alerta que a despesa de capital correspondeu, em 2022, a apenas 1,8% da despesa total do SNS – “valor que se encontra em linha com a reduzida expressão que o investimento tem tido, nos últimos anos, na despesa do SNS” –, e frisa que esta despesa “ficou 323,6 milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento do Estado para 2022”.

O CFP vinca a necessidade de garantir a comportabilidade orçamental do crescimento das despesas com pessoal e com medicamentos, áreas que têm registado maiores crescimentos

Tudo isto leva o CFP a concluir que há vários “riscos e incertezas”, a nível orçamental no SNS, sobressaindo, entre eles, a reduzida diversificação das suas fontes de financiamento.

(Créditos fotográficos: Roberto Sorin – Unsplash)

Isto ocorre “num quadro em que o ritmo de crescimento da despesa pública em saúde tem sido superior ao da economia e em que as necessidades, em saúde, da população são crescentes”. Por isso, o CFP vinca a necessidade de garantir a comportabilidade orçamental do crescimento das despesas com pessoal e com medicamentos, áreas que têm registado maiores crescimentos, e julga necessário “garantir a utilização integral dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], com concretização atempada das reformas e dos investimentos nele previstos, de forma a modernizar o SNS e a reformar a organização, a gestão e o funcionamento deste serviço público”.

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Nestas contas, insere-se uma contabilidade que deveria ser inadmissível num serviço público. Não há dinheiro para remunerar convenientemente os profissionais de saúde, que se esquivam para o privado ou para o estrangeiro, nem para equipamento; muito menos para construir uma carreira sólida e atrativa no SNS. Porém, há dinheiro para pagar a prestadores de serviços.

Neste âmbito, o CFP revela que, no último ano, o SNS contratou “5,7 milhões de horas a prestadores de serviços médicos, o que implicou o gasto de 170 milhões de euros”, mais 19,4% do que em 2021 e mais 22,4% do que em 2020.

No entanto, o relatório refere que tal despesa não se reflete nas despesas com pessoal, por integrar a rubrica dos fornecimentos e serviços externos (Baralha-se este pessoal com mercadorias e com atos – consultas, exames, cirurgias – externos!). De qualquer modo, o volume de horas contratadas, referido, e a despesa considerada visam colmatar a falta de médicos e as falhas de equipamento.

(Créditos fotográficos: National Cancer Institute – Unsplash)

No atinente ao pessoal, o CFP avança que, em 2022, a despesa com pessoal registou um aumento de 5,1% face ao ano anterior, explicada pelo aumento do número de trabalhadores e pela evolução das remunerações. As entidades do SNS tinham 147.190 trabalhadores, em 2022, mais 0,8% que em 2021. “Este valor tem aumentado ao longo dos últimos anos, em particular entre 2020 e 2022, dadas as exigências causadas pela pandemia de covid-19, tendo-se observado um crescimento de 14.165 trabalhadores desde 2019”, indica o relatório.

Não há dinheiro para remunerar convenientemente os profissionais de saúde, que se esquivam para o privado ou para o estrangeiro, nem para equipamento; muito menos para construir uma carreira sólida e atrativa no SNS. Porém, há dinheiro para pagar a prestadores de serviços

Todavia, em 2022, o número de trabalhadores é “influenciado pela alteração do perímetro das entidades englobadas na conta do SNS”, com a inclusão do Hospital de Loures na esfera da gestão pública, que operava com um contrato de parceria público-privada (PPP). Ora, “expurgando este efeito”, houve uma diminuição de 628 trabalhadores, em 2022, refere o CFP.

Seja como for, no final de 2022, o SNS representava aproximadamente 20% do emprego total das administrações públicas, constituindo-se como o segundo maior setor empregador na administração pública, atrás da Educação.

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Consideradas as despesas e o défice do SNS, é de ter em conta a sua dívida. E a conclusão de frontispício é a de que “sucessivas injeções de capital têm “sido incapazes” de reduzir a dívida.

Segundo o relatório, o desequilíbrio económico do SNS continua a “refletir-se na dívida a fornecedores externos”, que se mantinha acima dos 1,5 mil milhões de euros, no final de 2022. “De facto, estas injeções de capital têm-se repercutido apenas na melhoria dos pagamentos em atraso, que correspondem à dívida vencida há mais de 90 dias, os quais se encontram numa trajetória descendente desde 2018”, adianta o CFP.

(Créditos fotográficos: moerschy – Pixabay)

Desde 2017, o SNS recebeu 4,5 mil milhões de euros de injeções de capital, montante que tem sido “incapaz de contribuir” para a redução estrutural da sua dívida, que “apenas recuou 252 milhões de euros, neste período”. Nestes seis anos, as injeções de capital no SNS foram iguais ou superiores a 500 milhões de euros anuais, destacando-se 2021 e 2022, com reforços superiores a mil milhões de euros. “Tal como 2021, o ano de 2022 evidencia bem esta incapacidade, uma vez que os reforços de capital, superiores a mil milhões de euros, se destinaram essencialmente a cobertura de prejuízos, enquanto a dívida a fornecedores externos sofreu até um aumento de 69 milhões de euros.”

O prazo médio de pagamento do SNS ascendia a 109 dias, em dezembro de 2022, e só 21% das entidades do SNS apresentavam um prazo médio de pagamento inferior a 60 dias.

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No dia em que o CFP dá à luz o relatório do SNS, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) vem a terreiro lamentar a falta de transparência e de diálogo da direção executiva do DNS (DE-SNS), falando de grande dispersão, de algumas dúvidas de como as coisas são coordenadas.

Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos. (rtp.pt)

Carlos Cortes acusa a “falta de transparência e de diálogo” da DE-SNS, considerando que há “grande confusão e dispersão” na tomada de decisões, “em termos de regras e de linhas de intervenção técnicas” que têm de ser implementadas no sistema de saúde. A Direção-Geral da Saúde (DGS) faz o seu trabalho, mas o Ministério da Saúde (MS), através da secretária de Estado, também tem competências que podem colidir com a DGS e, depois temos a DE-SNS.

Em declarações à Lusa, o bastonário da OM disse compreender que há decisões que têm de ser políticas do MS e da DE-SNS, mas frisou que há decisões técnicas, do âmbito da DGS e da OM. E, questionado se, ao falar da “muita confusão”, da “pouca clareza” e da “pouca transparência”, visava algum tema específico, como as orientações sobre partos ou maternidades, disse sentir esta “confusão na generalidade”.

Mais: referiu que ele próprio tem expressado a crítica da falta de transparência e de diálogo da DE-SNS, tendo pedido, publicamente, que esta seja mais dialogante e que tenha “a humildade de ir ao terreno e falar com os profissionais de saúde e com as organizações que têm competências na área da saúde”, nomeadamente com a OM, “inteiramente disponível”.

Criticando a estrutura liderada por Fernando Araújo, lamentou que a OM tenha conhecimento das novidades pela comunicação social. E exemplificou: “Ontem vi uma notícia sobre a intenção da Direção Executiva, aliás uma boa proposta, de criar centros onde as pessoas possam ir pedir atestados médicos, para descongestionar os centros de saúde e os hospitais.”

Fernando Araújo, primeiro diretor-executivo do SNS.
(portugal.gov.pt)

Recordando que a ideia chegou a ser desenvolvida pelo ex-ministro Adalberto Campos Fernandes, o qual, na altura, chamou a OM para participar na discussão, o bastonário acusou a DE-SNS de estar “a recuperar a mesma ideia”, excluindo os parceiros tradicionais do Ministério da Saúde, nomeadamente a OM: “A ordem podia dar contributos sobre as dificuldades em passar esses atestados, nas perspetivas de melhoria para a organização destes centros. Ouvimos falar muito de propostas, mas em termos de execução ainda temos muito pouco, a não ser uma organização que não compreendemos ainda das urgências, da rotatividade das urgências.”

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Penso que o SNS não pode ser concebido em função de um superavit. Todavia, considero um erro ter-se-lhe retirado a contratação com a ADSE (Instituto de Proteção e Assistência na Doença) e com as seguradoras, o que limitou, drasticamente, a diversidade de financiamento, ora tão propalada. Criar um ente como a DE-SNS, em vez de reformar os existentes, dará resultado até adquirir os vícios existentes nos demais departamentos do Estado. Nada vejo que não pudesse ter sido feito sem a DE-SNS.

Por último, a criação dos centros de avaliação médica e psicológica (CAMP) é outro elemento de distração, face à urgente reforma do SNS, para ser robusto e eficaz. Além disso, parte da suposta índole oficinal dos hospitais (a ideia não é minha), funcionando como o IPO para o automóvel.

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06/07/2023

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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