Sangue escravo mancha “Qatar 2022”

 Sangue escravo mancha “Qatar 2022”

(www.goal.com)

O “Qatar 2022” começa daqui a quinze dias, em estádios cobertos de sangue escravo. Foram mais de 6.750 os vivos ignorados e os mortos assinalados, segundo o The Guardian. A Amnistia Internacional e a organização internacional não-governamental Human Rights Watch admitem que o número pode ser bem mais elevado.

Latha Bollapally com o seu filho Rajesh Goud, segura uma foto do marido, Madhu Bollapally, de 43 anos, um trabalhador migrante que morreu no Catar. (Créditos fotográficos: Kailash Nirmal – The Guardian)

A esmagadora maioria das vítimas é oriunda da Índia, do Bangladesh, do Nepal, do Sri Lanka, do Paquistão, das Filipinas e do Quénia. Os escravos ganhavam 275 euros por mês, sendo que muitos deles só tarde e a más horas recebiam os seus salários. Alguns dos quedenunciaram tal infâmia foram deportados.

Os escravocratas foram ainda mais longe:  apreenderam os seus passaportes, agrediram-nos e sujeitaram-nos a condições de higiene e de segurança profundamente desumanas.

Hamad bin Khalifa Al Thani (es.wikipedia.org)

O Catar (ou Qatar), um dos países mais ricos do mundo, é dominado pela família Al Thani. Graças a um golpe de Estado que tornou emir o xeque Hamad bin Khalifa Al Thani. Foi em 1995. Khalifa depôs o seu pai e fez do emirado do Médio Oriente um território profundamente reaccionário. Tanto que, por exemplo, não quer membros da comunidade LGBT a assistir aos jogos do Mundial (World Cup Qatar 2022).

Sem qualquer cadastro na indústria da bola, a escolha do Qatar levantou suspeitas de corrupção. Joseph Blater foi investigado e outro remédio não teve do que abandonar o cargo que ocupou entre 1998 e 2015. Durante esse período, o 8.º presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA) logrou uma fortuna avaliada em 80 milhões de euros.

(lance.com.br)

A atribuição do Mundial 2022 ao Catar inscreve-se na matriz moral mais do que duvidosa dos chefes executivos ou CEOs da indústria da bola. A sua conduta está recheada de decisões polémicas e histórias de alegados subornos e corrupção. E sempre com um único objectivo: agradar aos poderosos, mesmo que estes não respeitem os direitos humanos.

Mães da Praça de Maio durante uma das Marchas da Resistência. (Créditos fotográficos: Arquivo/AFP – www.brasildefato.com.br)

Quem ainda se recorda da escolha da Argentina para palco do Campeonato do Mundo de 1978? Apesar de aquele país da América Latina ter, nessa altura, como presidente o ditador Rafael Videla (1925-2013). João Havelange (1916-2016)*, então presidente da FIFA, não hesitou. O Mundial decorreria ali, pese embora os gritos das “Mães da Praça de Maio” que, em frente da Casa Rosada, sede da presidência argentina, não deixavam calar as torturas nem as mortes a que Videla sujeitava todos aqueles que lutavam pela democracia e pela liberdade.

Eric Cantona considera o “Qatar 2022” um erro humano.
(Créditos fotográficos: Pedro Fiuza – Imago Images)

Agora, 44 anos depois, a FIFA reafirma-se como uma multinacional com um só objectivo: ter o máximo lucro com a indústria que dirige a nível global. Independemente do altíssimo preço que outros tenham de pagar. Tal qual aconteceu com os trabalhadores migrantes que construíram os oito estádios e várias outras infraestruturas no Catar, entre as quais, uma cidade e um aeroporto.

O silêncio do Mundo perante esta canalhice esclavagista é ensurdecedor. Um horror humano! Como denunciou, há dias, Eric Cantona, o antigo internacional francês, que logo acrescentou: “Quantos milhares de mortos durante a construção desses estádios, apenas para divertir o público por dois meses… e ninguém se importa.”

O “Qatar 2022” é uma “aberração”. Um “horror humano”, que ditou a morte de milhares de seres humanos feitos escravos, pelos donos da bola e do Mundo.

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Denúncia de mortes é “batalha política” para presidente da FIFA

“Sabemos que o futebol não vive num mundo próprio e também estamos cientes de que existem muitos desafios e dificuldades de natureza política em todo o mundo. Mas, por favor, não deixem o futebol ser arrastado para todas as batalhas ideológicas ou políticas que existem”, observa o presidente da FIFA, Gianni Infantino.

Gianni Infantino, actual presidente da Federação Internacional de Futebol. (pt.besoccer.com)

Tal declaração está plasmada numa carta que escreveu às selecções apuradas para o Mundial do Catar. Infantino, que nunca refere as mortes dos trabalhadores migrantes, garante: “Na FIFA, tentamos respeitar todas as opiniões e crenças, sem dar lições de moral ao resto do mundo.”

Infantino conclui a missiva com a seguinte afirmação: “Nenhum povo, cultura ou nação é ‘melhor’ que outra. Este princípio é a pedra angular do respeito mútuo e da não discriminação. E é também um dos valores fundamentais do futebol. Então, por favor, vamos todos lembrar-nos disso e deixar o futebol ser o centro das atenções.”

Para Gianni Infantino, os 6.750 migrantes que morreram na guerra promovida por este país islâmico ou emirado do Médio Oriente são mera “batalha política”, que não deve impedir que o futebol seja “o centro das atenções”. As sua palavras agradam, seguramente, ao xeque ou líder árabe Al Thani e garantem a entrada de muitos milhões nos cofres da FIFA. A indústria da bola não quer “dar lições de moral ao resto do mundo”. Tão-pouco perde tempo com vivos ignorados e mortos assinalados.

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(*) O patrão da FIFA, por 24 longos anos, simpatizou com a ditadura militar brasileira (1964-1985) e foi acusado de traficar armas para o ditador boliviano Hugo Banzer (1936-2002).

Fontes consultadas: Wikipedia, The Guardian e mensagem publicada nas redes sociais por Eric Cantona.

07/11/2022

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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