São João, santo bonito

 São João, santo bonito

A cascata das Fontainhas foi a primeira grande cascata. Nela, São João baptiza Jesus Cristo. (Créditos fotográficos: Soares Novais – sinalAberto)

Nossa Senhora da Vandoma1 é a padroeira da cidade do Porto, mas é São João o santo mais celebrado pelas gentes da “Invicta”, que na noite de 23 para 24 Junho enchem a cidade de folia e de arraiais populares. A festança começa cedo e prolonga-se até ao raiar do sol, que muitos saúdam na Foz do Douro.

Hoje poucos trazem consigo ramos de cidreira e alhos-porros, substituídos, há muito, pelos martelinhos. Mantém-se a tradição de comprar o manjerico, de lançar balões e de assar sardinhas em grelhadores colocados nas ruas. Há quem diga que o São João do Porto é a mais democrática das festas populares. Não sei. Mas sei, isso sim, que é um imenso festim que junta novos e velhos. E um, cada vez mais evidente, número de turistas, das mais longínquas geografias.

(portoalities.com)

Muitos dos festeiros organizam-se em rusgas e é assim que deambulam na cidade. Pelos bairros das Fontaínhas, de Miragaia e de Massarelos. Pelo Largo Amor de Perdição, junto da antiga cadeia onde Camilo (Castelo Branco) penou devido à sua paixão por Ana Plácido. Pela Rotunda da Boavista e pelos jardins do Palácio de Cristal, que, neste ano, acolheram os espectáculos oferecidos pela câmara municipal portuense.

O fogo de artifício, lançado do tabuleiro superior da Ponte Luís I, é um dos momentos altos da noite sanjoanina.
(Créditos fotográficos: Rui Moreira – Facebook)

À meia-noite em ponto, o fogo lançado, a partir da Ponte Luís I, subiu aos céus. Como sempre acontece. Para gáudio da multidão que enchia as margens do Douro – o rio que une as cidades do Porto e de Gaia e os seus habitantes.  O São João do Porto é uma festa profundamente popular, que só no século XX passou a ser contemplada com um feriado municipal.

Graças a um decreto republicano e a um referendo promovido pelo Jornal de Notícias (JN). “Estávamos em Janeiro de 1911 e a República dava os primeiros passos. O Governo Provisório redefiniu os dias feriados no país… e anunciou que as “câmaras ou commissões municipaes e entidades que exerçam commissões de administração municipal, propoporão um dia em cada anno para ser considerado feriado, dentro da área dos respectivos concelhos ou circumscripções, escolhendo-os d’entre os que factos tradicionais e característicos do município ou circumscripção [sic]”.

Imagem exposta na Sé Catedral. (Direitos reservados)

Henrique Pereira d’Oliveira, apresentado pelo JN como velho e conceituado republicano”, sugeriu, então, o dia 24 de Junho. Todavia, a proposta não colheu o voto favorável de todos os membros da Comissão Administrativa. E, para solucionar o problema, o sr. Dr. Souza Júnior” sugeriu que caberia ao povo da cidade decidir. Assim aconteceu de facto: o JN organizou um referendo popular e o feriado municipal ficou lavrado em lei.

Nada que espante, se se tiver em linha de conta que as gentes do Porto sempre fizeram do 24 de Junho o dia destinado aos festejos populares. Fernão Lopes, o mais notável cronista do reino, já a eles se referiu no século XIV. Eu que sou “tripeiro” de gema, nado e criado na extinta freguesia da Vitória, sei que O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade2. E, confesso, também não fico nada aborrecido com a veneração popular ao São João, santo bonito, como canta Lenita Gentil.

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Notas:

1 – Nossa Senhora da Vandoma, Nossa Senhora do Porto ou Nossa Senhora do Porto da Eterna Salvação. A devoção à santa católica tem origem no período da Reconquista Cristã da Península Ibérica. Terá surgido por volta do ano 990. Dom Munio Viegas liderou uma armada de cavaleiros originários da Gasconha e combateu os mouros que dominavam a região do Porto. Com Dom Munio estava Dom Nónego, bispo de Vendôme. O bispo deixou a localidade francesa, instalou-se na Invicta e trouxe com ele uma cópia da imagem de Nossa Senhora que havia na Catedral de Vandoma (Vendôme). Dom Munio e os franceses, após a vitória sobre os mouros e a retomada da urbe, reergueram as muralhas da cidade, que tinham como uma das saídas principais a chamada Porta de Vandoma, que passou a acolher a referida imagem de Nossa Senhora de Vandoma. A cidade consagrou Nossa Senhora de Vandoma como sua padroeira. Nossa Senhora da Vandoma ilustra o brasão de armas do Porto e a sua imagem está exposta na Sé Catedral.

2 – Versos de “Grândola, Vila Morena”, cantados por José Afonso.

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Fontes consultadas: “Porto de Encontro”, de Junho de 2001 (portoeditora.pt/portodeencontro) e Wikipédia.

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26/06/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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