Saura e Goya
“La imaginación es más rápida que la velocidad de la luz.” (Saura)
“El sueño de la razón produce monstruos.” (Goya)
Ao galardão que premia o cinema espanhol chamam “El Cabezón” (“O Cabeçudo”), pela pesada cabeça da figura que representa, o pintor espanhol Francisco José de Goya y Lucientes (Fuendetodos/Saragoça, 30 de março de 1746 – Bordeaux, 16 de abril de 1828).
Não sei qual o motivo pelo qual o nome de Goya foi escolhido para dar nome a este prémio, mas podemos pensar na grandiosa obra de um pintor, de uma obra que muito bem o justifica. Pintor e gravador, considerado o mais importante artista espanhol do final do século XVIII e começo do século XIX. As suas pinturas, desenhos e gravuras reflectiram transformações históricas contemporâneas e influenciaram importantes pintores dos séculos XIX e XX. É marcante a luminosidade das suas pinturas, das paisagens e também muito impressivas as obscuras gravuras/gravados, como “Os disparates (Los disparates ou Los provérbios)”, que constituem uma série (com toda probabilidade incompleta) de vinte e duas gravuras realizadas a água-tinta e a água-forte, com retoques de ponta seca e brunidor, entre 1815 e 1823, constituem as últimas obras gravadas pelo autor.
Os caminhos de Goya e de Saura já se haviam cruzado quando o realizador realizou o filme “Goya em Bordéus”, uma, uma coprodução ítalo-espanhola de 1999, do género drama biográfico/ficção histórica e guerra, escrito sobre a vida do pintor. Francisco de Goya foi uma testemunha viva das invasões napoleónicas e muitas das suas obras retratam esse momento histórico, a exemplo do famoso quadro, a óleo sobre tela, “Três de Maio de 1808 em Madrid” (também conhecido por “Os fuzilamentos da montanha do Príncipe Pío” ou por “Os fuzilamentos de três de Maio”), datado de 1814.
A 12 de Fevereiro (ainda recente domingo), na 37.a cerimónia dos prémios Goya da Academia Espanhola de Cinema, estava agendada a entrega de um prémio de carreira àquele que foi um dos mais criativos e críticos realizadores do cinema espanhol na época franquista.
São inesquecíveis os seus filmes como “La caza”, “Cría cuervos”, “Ana y los lobos”, “Mamá cumple cien años” ou “La prima Angélica”. As suas últimas realizações foram marcadas por uma grande paixão que o realizador tinha pela música e pela dança. Assim, filmou “Bodas de sangre” (em 1981, a partir de Lorca), com coreografia de António Gades, bem como “Carmen” (em 1983), “El amor brujo” (em 1986), “Sevillanas” (em 1991), “Tango” (em 1997) e, finalmente, em 2007, a que seria a sua última realização “Fados”, que mereceu o Prémio Goya para a melhor canção original, de Carlos do Carmo.
Muitos são os testemunhos que, na imprensa espanhola, destacaram a obra do realizador. A 14 de Fevereiro (de 2023), Julián Casanova publica, no diário El Pais, o artigo de opinião “Memoria de guerra y dictadura en el cine de Saura”, a propósito da morte de Carlos Saura, destacando que “El cineasta desafió a la censura y a la miseria intelectual durante el franquismo”.
Traduzindo para Português, lemos, no mesmo artigo de Julián Casanova: “A ditadura de Franco apoiou a abordagem distorcida e tendenciosa dos vencedores da guerra e, durante essas décadas, foi muito difícil desenvolver interpretações alternativas. Nesses anos de silêncio historiográfico, a literatura e o cinema acenderam, de vez em quando, a chama da memória. Entre os cineastas, quem mais o fez, desafiando a censura e a miséria intelectual, foi Carlos Saura.”
Por sua vez, o historiador de cinema e director da Filmoteca de Catalunya, Esteve Riambau, já tinha escrito, também no El Pais (na edição de 11 de Fevereiro), no dia seguinte à morte de Saura, o artigo de opinião intitulado “Carlos Saura, un cineasta injustamente eclipsado entre Buñuel y Almodóvar”. No seu texto jornalístico de homenagem ao aragonês Carlos Saura, Esteve Riambau ressalta: “Entre la B de Buñuel y la A de Almodóvar, la S de Saura ha quedado eclipsada. Injustamente eclipsada, a pesar de los esfuerzos de su hija Anna para devolverle, en los últimos años, al lugar que le correspondia”.
E, numa versão traduzida, o mesmo articulista prossegue: “Houve um tempo, em meados do século passado, em que o cinema espanhol se escrevia com BB de Bardem, Berlanga e sobretudo Buñuel, aquele ateu ordenado pela graça de Deus que, apesar de passar a maior parte da sua carreira na França e no México, nunca renunciou às suas raízes hispânicas. Dos anos 1930 aos anos 1970, foi, especialmente para a crítica francesa, o cinema espanhol. Como o Almodóvar estaria nos anos 80, com A e já com a aprovação geral. Entre um e outro, aquela escassa cota que os cânones internacionais concedem à nossa cinematografia escrevia-se S, de Saura.”
Igualmente, na sua edição de 11 de Fevereiro de 2023, o jornal El Pais avançava com o agradecimento dos jovens cineastas espanhóis a Carlos Saura: “Gracias por esta herencia”
Tenho a certeza de que se Carlos Saura tivesse vivido as Invasões Francesas, teria sido um artista que, de uma ou outra forma, nos haveria deixado o seu testemunho de uma época de dor e de sangue… Também julgo que, se Goya vivesse nos nossos dias, ele pegaria numa câmara fotográfica ou numa câmara de filmar para plasmar os cruéis momentos que vivemos.
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Uma outra figura marcante: Agustí Villaronga (1953-2023)
A morte de Carlos Saura e a respectiva homenagem ao cineasta araganês, tão próxima uma de outra, ofuscou a notícia do falecimento de um outro grande cineasta espanhol Agustí Villaronga (1953-2023).
No dia 22 de Janeiro do corrente ano, em Barcelona, morreu o realizador Agustí Villaronga, que (aos 69 anos) não resistiu a um cancro. O seu filme “Pão Negro” (”Pa negre”, no original), que tinha como fundo a Guerra Civil Espanhola e as suas consequências, venceu nove categorias dos Goya de 2011 e 13 estatuetas dos prémios Gaudí do mesmo ano.
Um outro filme de Villaronga, “Tras el cristal” (de 1986) foi nomeado para “melhor filme” no Festival Internacional de Cinema Fantástico do Porto (Fantasporto), em 1987.
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02/03/2023