Sem dizer água vai
A expressão “sem dizer água vai” significa “sem aviso prévio”, “sem qualquer comunicação”, “inesperadamente”.
São conhecidas interpretações diferentes quanto ao uso do hífen. Como exemplo, vejamos este excerto do Diário, de Miguel Torga: “É espantosa a tendência do português para a promiscuidade! Chega a umas termas, senta-se, volta-se para o vizinho da direita e, sem dizer água-vai, conta-lhe a vida.”
Há quem defenda que a substantivação leva hífen, enquanto a locução não se faz acompanhar de hífen ou do traço de união. Curiosamente, Traço de União é um livro originalmente publicado em Coimbra, no ano de 1955, em que Torga deixa as suas impressões sobre o Brasil, onde passou vários anos, e da sua relação com Portugal.
“Água vai!”, era um aviso obrigatório imposto por edital municipal de 1809, que antecedia o lançamento das águas e dejetos domésticos para a via pública, até ao atual Plano Geral de Drenagem de Lisboa. Nesse edital, o Senado da Câmara de Lisboa relembra as anteriores decisões quanto ao horário para a realização de despejos nas ruas: “É proibido lançar água á rua, de Inverno antes das 9 horas da noite, e de Verão antes das 11: quem assim mesmo o fizer será obrigado a dizer por 3 vezes – água vai – sob pena de 2:000 rs. além do prejuízo de terceiro. [sic]”
Antigamente, quando as casas não tinham um sistema de esgotos, a água suja da casa, incluindo os líquidos humanos, eram pura e simplesmente atirados pela janela. Certamente, os cidadãos/cidadãs conscientes olhavam para a rua para ver se ia alguém a passar e, como aviso, gritavam: “Água vai!”. Mas, como sabemos, nem toda a gente é civilizada nem cumpridora das normas.
A reconstrução de Lisboa, após o terramoto de 1755, veio amenizar, em alguns locais, este problema, já que o Marquês de Pombal muniu a cidade com um sistema de esgotos.
Hoje, este hábito já não existe, mas… esteja alerta. O seguro morreu de velho!
11/08/2022