Silva Pais: o pide “fofinho”
A RTP1 está a exibir a série “Cuba Libre”. Annie Silva Pais, filha do último director da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), é a personagem principal da história, que tem como base um trabalho de investigação dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz.
Annie Silva Pais foi a filha rebelde do sanguinário que António de Oliveira Salazar, enquanto presidente do Conselho de Ministros do governo ditatorial do Estado Novo, escolheu para dirigir a PIDE/DGS (Direcção-Geral de Segurança) entre 1962 e 1974, e que o “25 de Abril” despediu com justa causa. Annie foi casada com um diplomata suíço, colocado na embaixada daquele país em Cuba, imediatamente após o triunfo das forças comandadas por Fidel Castro.
Em Havana, Annie separou-se do marido, apaixonou-se pela revolução, por Che Guevara e manteve uma longa relação amorosa com René Vallejo, médico pessoal de Guevara, além de ter pedido asilo político. Para desespero do seu pai, que, perante tal escândalo, apresentou a sua demissão a Salazar, que não a aceitou.
A vida de Annie – que regressou a Portugal após o 25 de Abril, para trabalhar na 5.ª Divisão (criada, em meados de Junho de 1974, por iniciativa de Francisco Costa Gomes, então Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas), tendo morrido em Havana, vítima de cancro – justifica a série que a RTP1 exibe todas as quartas-feiras, logo a seguir ao Telejornal. Mas encerra uma enorme ofensa à nossa memória colectiva: o último director da polícia política do regime fascista é apresentado como um agente da PIDE de bons modos, fofinho.
Nada mais falso. Sob as suas ordens, a PIDE aprisionou, torturou e matou. Silva Pais ordenou o assassinato do general Humberto Delgado e da sua secretária Arajaryr Moreira Campos. E só o seu falecimento, em Janeiro de 1981, extinguiu a sua responsabilidade no crime. Fernando da Silva Pais não foi um pide fofinho, como é apresentado em “Cuba Libre”. Apresentá-lo como tal ofende a nossa memória colectiva.
13/10/2022