Só se fala de Coimbra no passado
Existe um fascínio por Coimbra muito próprio de quem lá nasceu, viveu ou passou durante uns tempos. É uma cidade que, sem que nos apercebamos, ganha novas caras e abraça diferentes vidas, sem nunca perder a sua profundidade. Dos testemunhos que fui recolhendo, percebo que é impossível ficar indiferente à história deste lugar, mas, ainda assim, são poucos os jovens que reconhecem as condições necessárias em Coimbra para prolongar a sua estadia.
A Universidade de Coimbra (UC) apropria-se da imagem da cidade e os estudantes tornam-se personagens principais de uma história sobre cultura e tradição. Assim, torna-se pertinente perceber de que forma os jovens olham para um lugar que tantos consideram anacrónico. Ocupada pelos jovens, mas envelhecida: casa de antigos, lugar de reencontro, egéria ou inspiradora de fados esquecidos. Só se fala de Coimbra no passado. Será Coimbra apenas uma cidade de passagem? Qual o futuro dos advogados, engenheiros e professores que aqui estudam? E como é que estes se encaixam numa cidade onde “nada acontece”?
A atratividade que Coimbra uma vez teve é agora posta em causa pelos estudantes que, carregados de sonhos e de ambições, não colocam a hipótese de construir um futuro nesta cidade. Luísa Mendonça é natural de Estarreja, está no segundo ano da licenciatura em Direito e veio estudar para Coimbra fascinada com a ideia de que “a cidade vive para os estudantes”. A jovem confessa “adorar o ambiente académico e não se ver a estudar em mais lado nenhum”, no entanto, não tenciona ficar depois de acabar os estudos. “Coimbra localiza-se numa fase da vida por ser fechada nesta bolha de cidade estudantil”, explica, mas no futuro ambiciona algo “maior”.
A ideia de oportunidade, motivo de tanta sede pelos jovens portugueses, está absolutamente centralizada nas metrópoles de Lisboa e do Porto. “Os jovens tentam pensar em grande e, infelizmente, em Portugal, o pensar em grande passa pela presença no Porto ou em Lisboa”, aponta Luísa Mendonça.
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“Universidade de Coimbra tem uma cidade só para si”
Por sua vez, Simão Moura, mestrando em Jornalismo e Comunicação, reconhece que “ficar só em Coimbra não o vai levar longe”. Não obstante, confessa ter-se “habituado à cidade”, pelo que a ideia de se mudar é “estranha”.
Os dois estudantes partilham da ideia de que a cidade “recebe muito bem os estudantes e permite criar uma conexão extremamente forte”, sublinha Simão Moura. “A maior parte das cidades têm uma universidade, mas a Universidade de Coimbra tem uma cidade só para si”, brinca.
Um outro jovem, Eduardo Neves, aluno de mestrado em Engenharia e Ciência de Dados, sempre viveu em Coimbra, mas admite que “viver como universitário lhe mostrou novos sítios e lhe proporcionou vivências totalmente diferentes”. A este respeito, Luísa Mendonça realça que “se tem vindo a apostar mais em atividades extra-universidade”, mas considera que o que torna a cidade única é a “aura estudantil, exclusiva deste lugar”.
A estudante de direito ressalta o facto de a cidade “pecar por não oferecer serviços de qualidade e de relevância, que atraiam recém-licenciados”. Exemplo disso é o caso da Associação Empresarial da Região de Coimbra (NERC) que, no início do mês de fevereiro, mudou o seu nome para NERC-ACIC, numa tentativa de recuperar e de promover a Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC), declarada insolvente em 2013.
É inquestionável o facto de projetos como este continuarem a ser desenvolvidos na cidade, mas, como se vê na fotografia de capa da notícia publicada pelo jornal diário As Beiras, não se veem caras jovens nestes grupos de trabalho. Apesar de concordar com o facto de “cada vez mais pessoas tentarem mudar e modernizar a cidade”, Eduardo Neves mostra-se entediado e com vontade de “experimentar novos sítios”. Ainda que não considerem um sítio de repulsa, ambos creem que Coimbra não responde às exigências da atualidade.
Em entrevista ao Observador, em setembro do ano passado, Carlos Santos, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), ressente “as dificuldades na estabilização dos recursos humanos”. Já no Jornal de Notícias, numa notícia de 10 de janeiro deste ano, lê-se que o, até agora, bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, ficou “”completamente surpreendido” com o reduzido número de vagas hospitalares abertas para os recém-especialistas”. Um dos centros hospitalares mais completos do país deixa de ser a primeira escolha de jovens médicos que desejam fazer a especialidade. Em contrapartida, é em Coimbra, no Instituto Pedro Nunes (IPN), que se encontra uma das dez melhores incubadoras do Mundo.
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A terceira cidade com maior número de espetáculos ao vivo
Num artigo publicado no jornal Público, em 2021, Fernando Teixeira, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, diz que o mesmo acontece na sua área. O advogado estagiário conta que estudantes de Direito pagam preços “pornográficos” para se inscreverem no curso de acesso à Ordem dos Advogados e trabalham em condições precárias durante os estágios. Não obstante, Coimbra tem a faculdade de Direito com mais prestígio no país, protagonista da academia coimbrã. Contudo, em 2021, o Parlamento reprova a mudança do Tribunal Constitucional para Coimbra e, no ano seguinte, a candidatura de Coimbra a Capital Europeia da Cultura não é aceite ou não passa a fase de pré-seleção. Estes são alguns exemplos de situações que afastam os jovens de Coimbra, que fecham as portas de possibilidades e que limitam a cidade ao arcaico.
No entanto, há sinais que nos permitem ter esperança no futuro. Considerando os dados apresentados pela Pordata, Coimbra é a terceira cidade com maior número de espetáculos ao vivo, tendo-se vindo a desenvolver culturalmente de forma significativa. A requalificação do Convento São Francisco: Coimbra Cultura Congressos e a instalação do Centro de Arte Contemporânea têm motivado esse crescimento. É uma cidade que vai abrindo espaço para novas empresas “unicórnio” como a Feedzai, destacada, em 2018 pela Forbes, como uma das 50 startups de tecnologia financeira com maior potencial na Europa; e como também a Talkdesk, com escritório no IPN.
Existe ainda a Critical Software, com sede em Coimbra e implantação internacional. Na medicina, o CHUC é considerado a maior instituição de saúde em Portugal, sendo referência europeia nas áreas da inovação e da investigação.
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Novos espaços de acolhimento de diferentes vetores sociais
São vários os projetos que se têm desenvolvido na cidade e criado espaços de acolhimento de diferentes vetores sociais – os safe places. São exemplo o atelier A Fábrica, o Salão Frida Kahlo, a Casa do Cinema Português, o Salão Brasil, a Casa da Esquina, entre muitos outros. Nos próximos anos, está prevista ainda a construção do Complexo Desportivo Integrado e Centro Olímpico de Ginástica de Coimbra. Tem existido um trabalho de construção extenso e frutífero, que procura devolver vida à cidade e provar que, de facto, muito acontece em Coimbra. Estas iniciativas chamam pessoas de outras cidades ao centro do país e tornam Coimbra mais atrativa.
A Agência para a Promoção da Baixa promoveu, no último sábado de fevereiro (dia 25), uma conversa entre docentes de diferentes faculdades da UC, no âmbito do ciclo “Transcontinentalidade”. Os participantes propuseram uma reflexão sobre diferentes vertentes da cidade, referindo tópicos de relevância: a necessidade de haver mais espaços verdes, de a via pública ser mais inclusiva e, ainda, a preocupação em envolver o cidadão nas matérias públicas. Segundo a Rádio Universidade de Coimbra (RUC), a par das soluções apresentadas, ouviram-se vários comentários proferidos pelo público relativos ao estado atual da cidade que não tão positivos. Lamentou-se a “existência de várias Coimbras que não dialogam entre si”, bem como o facto de “não [haver] emprego”, de ser “uma cidade de passagem” – recuperando, assim, a crítica desenvolvida neste texto.
Falamos, portanto, de uma cidade com vontade de crescer e de resolver os problemas contestados pela população. A mudança não se deve deixar esmorecer pela crítica, deve, aliás, usá-la como motivação. Os estudantes anseiam por ver Coimbra evoluir, por poderem permanecer no sítio que os recebeu tão bem. Falar de Coimbra no passado não pressupõe deixar de pensar no futuro. A partir de reflexões como esta, que incluem o testemunho de jovens e que têm em consideração as preocupações da população, celebremos o que se viveu e construamos a vida que queremos para Coimbra.
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13/03/2023