Somos todos cibernautas!
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Na apresentação do livro “A Civilização do Espectáculo”, do escritor peruano Mário Vargas Llosa (Prémio Nobel da Literatura, em 2010), as editoras que lançaram esta obra enquadraram-na sempre num Mundo bem caracterizado pela “banalização das artes e da literatura, pelo triunfo do jornalismo sensacionalista e pela frivolidade da política”.
Para muitos, Llosa incluído, o mal maior da sociedade contemporânea é, cito, “a ideia temerária de converter em bem supremo a nossa natural propensão a nos divertirmos”. A cultura terá deixado de ser uma espécie de consciência que nos impedia de virar as costas à realidade, para começar a ser um mecanismo de distração e de entretenimento.
A figura do intelectual transformador, que reconhecidamente marcou todo o século XX, desapareceu do debate público. A civilização do espectáculo é a marca dos nossos dias, no olhar insuspeito de Vargas Llosa, escritor, jornalista, ensaísta e político peruano. Digo insuspeito, lembrando-me de que, à data da publicação de “A Civilização do Espectáculo”, Llosa já não se assumia como sendo um militante de esquerda, para se apresentar como um liberal do centro-direita.
E é já na pele de um intelectual conservador que Vargas Llosa denuncia aquilo a que chama “civilização do espectáculo”, o cenário propício ao aparecimento da desinformação instalada, pano de fundo para o crescimento das guerras cibernéticas, a visar não apenas grandes empresas multinacionais, mas os cibernautas, em geral.
Na verdade, somos todos cibernautas. Na mesma escala em que somos consumidores, pelo menos, desde que o presidente dos Estados Unidos da América John Fitzgerald Kennedy assim nos classificou a todos, no célebre discurso de 15 de Março de 1962, proferido no Congresso norte-americano, em defesa dos direitos dos consumidores.
Num Mundo que equaciona os perigos da globalização e que tenta ser multipolar, ao contrário do que acontecia nos anos 60 do século passado, será preciso conjugar múltiplas vontades para defender a crescente e também perigosa cidadania dos cibernautas.
Uma das frentes desta batalha é, precisamente, a cultura bibliográfica em que um texto como este quer e deve sonhar atingir.
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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
24/10/2022