Sonetos…

 Sonetos…

Luís de Camões (comunidadeculturaearte.com)

Luís Vaz de Camões (Direitos reservados)

Um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) avança com a hipótese de o poeta Luís de Camões ter nascido a 23 de Janeiro de 1524, precisamente um ano antes de um eclipse solar visível em Portugal. Esta tese, relacionada com o soneto de Camões “O dia em que eu nasci, morra e pereça”, baseia-se no estudo da Astronomia e da ocorrência de eclipses e foi discutida publicamente no dia 23, num debate promovido pela Biblioteca Geral (BGUC) e pela Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC), segundo divulgou o Diário de Notícias (edição de 12.01.2024).

A notícia que encabeça este breve artigo motiva-me a escrever sobre os sonetos camonianos, a exemplo do poema que, agora, reproduzimos:

Frederico II (à esquerda) dialoga com al
Kamil Muhammad al-Malik, Liber
adhonorem Augusti, 1196.
(pt.wikipedia.org)

Seduz-me a forma do soneto, pela sua métrica e ordenamento em quatro estrofes, dois quartetos e dois tercetos… Parece tão fácil escrever um soneto, mas não é. E, no entanto, são muitos os autores que se aventuraram nesta forma lírica e muitos são os belos sonetos que nos legaram.

Pela História da Literatura, aprendemos que o soneto teria nascido no começo do século XIII, possivelmente na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II de Hohenstaufen da mesma forma que as tradicionais baladas provençais.

Detalhe da miniatura representando Jacopo da Lentini
(1210-1260 aproximadamente), notário de Frederico II
e criador do soneto. (wikipedia.org)

A invenção do soneto é atribuída inicialmente a Giacomo da Lentini, conhecido como Jacopo (il) Notaro, poeta siciliano e imperial, tendo surgido como uma espécie de canção ou de letra escrita para música, possuindo uma oitava e dois tercetos, para melodias diferentes.

Mas foi Francesco Petrarca (1304-1374), poeta italiano, que aperfeiçoou a estrutura poética iniciada na Sicília, difundindo-a por toda a Europa nas suas viagens. A sua obra engloba 317 sonetos contidos no “Il Canzoniere”, colectânea de poesia que exerceu influência sobre toda a literatura ocidental. Os melhores poemas desse livro são dedicados a Laura de Novaes. Petrarca popularizou os esquemas de rimas abba abba cdc dcd e abba abba cde cde

Miniatura de “Il Canzoniere”, de Petrarca. (studenti.it)
Francisco de Sá de Miranda (deusmelivro.com)

O poeta português Sá de Miranda (1481-1558), depois de uma viagem que fez a Itália, entre os anos de 1521 e de 1526, regressou a Portugal com uma nova estética poética, introduzindo pela primeira vez o soneto.  Luís Vaz de Camões adoptou esta estética, compondo diversos sonetos com o amor como tema principal e imortalizando o soneto, como nos informa a Wikipédia.

Poderia fazer, aqui, uma breve antologia sobre o assunto, na qual não deixaria de recordar “Os Sonetos da Morte” (Los Sonetos de la Muerte), de Gabriela Mistral, transcrevendo, brevemente, a primeira estrofe:

Traduzindo:

E do grande poeta peruano Cesar Vallejo, “Soneto Ausente”:

Na versão traduzida:

Sophia de Mello Breyner Andresen (Créditos
fotográficos: Fernando Lemos –
fasciniodafotografia.com)

E Sophia de Mello Breyner Andresen dedica à paixão de Orpheu um soneto de perda e de ausência:

.

.

.

.

.

.

.

Pablo Neruda, na sua obra poética, inclui um livro de cem sonetos nos quais rompe a métrica em versos livres:

Lendo-se, em tradução livre:

Vasco Graça Moura, “o poeta do presente”. (comunidadeculturaearte.com)

Vasco Graça Moura, a quem devemos belíssimas traduções de Dante e de Shakespeare, também não pode ser esquecido.

Como observou Vasco Graça Moura e anotou a Bertrand Editora na sua página electrónica: “[…] nos Sonetos [de Shakespeare], o tempo trai a beleza e as pompas, a velhice trai a juventude, o amigo trai o amigo, o homem trai a mulher, a mulher trai o homem, a tristeza e o desânimo traem a alegria, a decadência trai a pujança, a escassez trai a abundância, os sentimentos são traídos…”

Acabarei, ainda, por citar o autor Vasco Graça Moura que, no seu “Soneto do Soneto”, nos descreve a anatomia do poema, não podendo deixar de o comparar com o “Soneto a Violante”, do grande autor espanhol, poeta e dramaturgo Félix Lope de Vega, chamado “El Fénix de los Ingenios”:

Lope de Veja é fundador da comédia espanhola e um dos mais prolíficos autores da literatura universal. (muyinteresante.es)

E na bela versão de José Bento:

Notas:

Gabriela Mistral (pt.wikipedia.org)

1 – Consultando a Wikipédia, somos informados de que Gabriela Mistral é o pseudónimo escolhido por Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, que foi uma poetisa, educadora, diplomata e feminista chilena, premiada com o Nobel da Literatura, em 1945. Os temas centrais nos seus poemas são o amor, o amor de mãe, memórias pessoais dolorosas, mágoa e recuperação.

César Vallejo (pt.wikipedia.org)

2 – Sobre César Abraham Vallejo Mendoza a Wikipédia regista que “foi um poeta de tendência vanguardista, unanimemente considerado pela crítica especializada como um dos maiores poetas hispano-americanos do século XX e o maior poeta peruano, tendo sido também contista, romancista, dramaturgo e ensaísta”.

3 – Como menciona a livraria on-line Wook, Vasco Graça Moura é “personagem polifacetada da vida cultural portuguesa” (Foz do Douro, 3 de Janeiro de 1942 – Lisboa, 27 de Abril 2014). Adiantando, na breve nota biográfica do autor: “Poeta, romancista, ensaísta, tradutor, foi secretário de Estado de dois Governos provisórios.  Autor de uma vastíssima obra poética, ensaística e ficcional, e um nobilíssimo tradutor e divulgador das literaturas clássicas. Prémio Pessoa (1995), o Prémio de Poesia do Pen Club (1997), o Grande Prémio de Poesia da APE (1997) e o Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB (2004). Foi galardoado em 2007 com o Prémio Vergílio Ferreira e com o prémio de poesia Max Jacob Étranger.”

.

29/01/2024 

Siga-nos:
fb-share-icon

Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

Outros artigos

Share
Instagram