Teatro neste 25 de Abril: 50 anos de Revolução
Uma data tão significativa não poderia deixar de estar presente nos palcos portugueses. Assim sendo, recordo aqui alguns momentos de teatro e de revolução que marcaram o mês de Abril de 2024.
Passo revista a alguns desses momentos e começo por mencionar a encenação de “Fado Alexandrino”, pelo Teatro Nacional São João (TNSJ), com direcção artística de Nuno Cardoso. O romance de António Lobo Antunes vertido no palco transforma-se num belo tríptico de três actos, nos quais os actores residentes interpretam uma variada galeria de personagens.
Seguindo a sinopse ou nota informativa do próprio TNSJ, lemos: “Estou em Lisboa e em Moçambique, vejo ao mesmo tempo os jardinzitos gotosos e as palhotas devastadas pelas metralhadoras. Em Fado Alexandrino, António Lobo Antunes mergulha-nos num tempo compósito, accionado pelo movimento da rememoração. Cinco personagens, militares que regressaram da guerra em África dez anos antes, juntam-se num jantar, um encontro de reflexões sobre um fim e o seu luto, uma espécie de Última Ceia. Nuno Cardoso leva à cena aquele que é considerado o grande romance sobre o 25 de Abril, na celebração do seu cinquentenário. O palco devém um imenso mural, que confere matéria, pela presença e contracena dos actores, pelo trabalho dos criativos, às vivências das personagens em quatro tempos que se interpenetram: o Estado Novo, a memória da guerra colonial em Moçambique, a Revolução dos Cravos, o pós-Revolução. Mise en abyme da História do Portugal recente, Fado Alexandrino é uma alegoria sobre o fado de ser português.”
“E como seria Portugal, se o 25 de Abril não tivesse acontecido?”, a esta pergunta responde a companhia teatral Palmilha Dentada: “Como seria Portugal[,] se Salgueiro Maia não tivesse parado no semáforo vermelho, tivesse chocado com um camião de entrega de pão e o 25 de Abril não tivesse acontecido?”
E o mesmo apontamento sobre este espectáculo prossegue: “Nos 50 anos da Revolução dos Cravos, o Teatro Nacional São João convidou a Palmilha Dentada a aventurar-se numa ficção distópica. O 25 de Abril Nunca Aconteceu acompanha um dia na vida da família Freitas, numa estética devedora de filmes como O Pai Tirano e O Pátio das Cantigas. O mundo avançou, mas Portugal não. O pai trabalha via Internet num esquema de extorsão de dinheiro a mulheres falantes de Português espalhadas pelo mundo. A empresa, tal como as tipografias anteriores a 1974, é também o local de funcionamento de uma célula clandestina, que põe a circular informação sobre a ditadura portuguesa. A PIDE continua a[c]tiva e cada vez mais ridícula. As Crocs são proibidas. Um espe[c]táculo-homenagem às menores e menos evidentes conquistas de Abril. Um dia, faremos parte do mundo!”
Assisti a este espectáculo numa representação à tarde rodeado de alunos de escolas do ensino secundário. Não há dúvida de que a data que se comemorava era uma referência histórica para toda a plateia. E foi muito aliciante ver como os jovens se identificam com um movimento que não viveram, mas que envolveu os seus pais e avôs, bem como os seus tios e todos os familiares que tiveram a felicidade de ver chegar o Dia da Liberdade.
Recordando a obra “Dias Felizes”, de Samuel Beckett, resgato a frase do actor em cena deste espectáculo da companhia teatral Palmilha Dentada, Mário Moutinho, também meu amigo e colega de profissão, quando disse, mais de uma vez, que o 25 de Abril era o dia mais feliz da sua vida.
Por sua vez, “A Noite”, de José Saramago, cobra força com o Grupo de Teatro de Jornalistas do Norte, mesmo quando sabemos como tem sido castigado o jornalismo em Portugal: “O TMM [Teatro Municipal de Matosinhos]Constantino Nery desafiou uma dúzia de jornalistas profissionais a montar A Noite, peça de José Saramago que decorre na reda[c]ção de um jornal, na madrugada do 25 de Abril, quando os jornalistas são confrontados com o rumor da revolução. Seria uma oportunidade de refletir – em carne e osso – sobre o futuro do jornalismo.” Informa ainda o TMCN: “Nos ensaios, porém, surgiu um novo rumor: o de que o próprio jornalismo teria morrido. É a tentativa de confirmar (ou desmentir) esse rumor que as pessoas verão nesta Noite.”
A partir do texto “A Noite”, de José Saramago, este espectáculo, com dramaturgia de Simão Freitas e de João Gaspar, é encenado por Jorge Louraço Figueira e Leonor Wellenkamp Carretas.
“Quis saber quem sou – um concerto teatral”, em Lisboa, integra o “Ciclo Abril Abriu”, uma iniciativa do Teatro Nacional D. Maria II.
E como não há revolução sem canções, este é um concerto teatral com canções que veremos, já na próxima semana, na nova edição do FITEI 2024 (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica).
Transcrevo uma breve explicação deste espectáculo, a partir de um texto de Frederico Bernardino, na Agenda Cultural – Lisboa: “O verso inicial da primeira canção-senha do 25 de Abril, E depois do Adeus, intitula a mais recente criação de Pedro Penim para o Teatro Nacional D. Maria II, que [estreou no dia 20 de Abril], no São Luiz. Quis saber quem sou ‘não é um musical’ e ‘não é uma peça de teatro’, antes ‘um concerto teatral’ para celebrar Abril revisitando o cancioneiro pré e pós-Revolução (e alguns outros temas), interpretado por um coro de inspiração no teatro grego, composto por 13 jovens cantores/atores entre os 16 e os 25 anos.”
E prossegue Frederico Bernardino: “Como tantos de uma geração que nasceu no dealbar de abril de 1974, Pedro Penim, vindo ao mundo em plena revolução, olha para as canções e para a poesia nelas contida como uma parte de si mesmo. ‘Cresci com elas, fazem parte da forma como me entendo, logo é um cancioneiro muito definidor da minha própria identidade’, explicita. São temas que evocam o anseio de liberdade, de justiça social, de igualdade e de solidariedade. Mas também a premência da luta, da resistência e da mudança.”
E, finalmente, mais uma referência ao espectáculo “Liberdade, Liberdade…”, do Teatro Experimental do Funchal (TEF/ATEF)1, com encenação minha para uma companhia profissional que, em 2025, cumprirá 50 anos de actividade teatral. Parabéns ao ATEF!
A propósito, a Associação Teatro Experimental do Funchal (ATEF) regista: “É um espe[c]táculo de teatro documental, num formato de teatro épico, assinalado com diversas e emblemáticas intervenções musicais, centrado numa abordagem da luta e da história do Homem. Múltiplos personagens[,] interpretados e referenciados pelos a[c]tores, permitirão ao público rever e revalidar este tema, passando por textos clássicos e a[c]tuais, temas musicais e canções que documentam o tema da Liberdade, fruto das lutas do homem… desde a Antiguidade Clássica até à a[c]tualidade, passando por momentos como a luta dos escravos em Roma, a revolução francesa, a revolução mexicana e a guerra civil espanhola, entre outras.
Cada época teve os seus poetas e todos eles nos deixaram um legado que temos por dever revitalizar e transmitir às gerações de hoje.”
.
………………………….
.
Nota da Redacção:
1 – Ver o artigo “Viva la Muerte”, também de Roberto Merino, na nossa edição de 02/05/2024. O espectáculo “Liberdade, Liberdade…” teve a sua primeira apresentação pública no dia 19 de Abril, no Centro Cultural e de Investigação do Funchal (CCIF), na ilha da Madeira.
.
10/05/2024