The Chair – o que o mercado académico não conta sobre ser professor universitário
Agora em setembro, a Netflix lançou uma nova comédia dramática chamada The Chair sobre as relações entre professores, a universidade e os alunos dentro de um departamento de Letras, ensino de Inglês, nos EUA. Leve, divertido e com inúmeras questões relativas a atividade de um professor universitário. A trama passa-se na universidade fictícia Ivy League chamada Pembroke, em um departamento nada popular, em que a nova Diretora, protagonizada por Sandra Oh, busca movimentar as bases tradicionalistas com o intuito de ascender os professores que se encontram por lá e o próprio departamento. Em apenas seis episódios de 30 minutos, The Chair apresenta questões pertinentes e relevantes sobre a atividade de ser professor universitário que extrapolam o universo estadunidense. O seriado focaliza nas questões de professores, tanto no ambiente de trabalho académico quanto na vida pessoal.
Em 2016, a Plataforma Lattes, considerada a maior plataforma de currículos académicos do Brasil, apresentou 218.562 pessoas com pós-graduação, a ser 61,5% com actuação na área de ensino e investigação, versus 38,5% na área técnico-administrativa. São mais de 30 mil doutores em Humanas, mais de 20 mil doutores em ciências sociais aplicadas, mais de 30 mil doutores nas áreas relacionadas à saúde e quase 30 mil nas áreas relacionadas às ciências exatas e da Terra. De acordo com o IBGE, CAPES, Plataforma Lattes e a Plataforma Sucupira, entre os anos de 2009 e 2014, o país vivenciou um aumento de aproximadamente 53% de doutores intitulados em solo, com aproximadamente 44% de doutores intitulados no estrangeiro. Além de aproximadamente 45% de mestres intitulados em solo brasileiro.
Um aumento considerável de mestres e doutores ao longo dos anos. Entretanto, já em 2013 a OCDE apontou o Brasil com 7,6 doutores por 100 mil habitantes. Um ponto que diversifica para inúmeras outras questões quando se percebe a pouca valorização do ensino e da investigação dentro do próprio país. Em 2015, a verba do governo destinada à investigações científicas era de 13,97 bilhões. Em 2020, encontrou-se em 5 bilhões. De acordo com a UNESCO, a queda vertiginosa de dinheiro investido em investigações coloca o Brasil com apenas 1.3% de seu PIB destinado ao campo. Enquanto, a Coreia do Sul lidera com 4,3% do seu PIB investido em pesquisas científicas, versos Japão com 3,4%, Alemanha com 2,9 %e EUA com 2,7%.
Para tornar-se um professor académico e investigador são necessários longos anos de treinamento, noites mal dormidas e finais de semana ocupados em livros e artigos. Ao levar-se em consideração os tempos de cada etapa, necessários para assegurar uma vaga de pós-graduação no Brasil. São de 3 à 5 anos de graduação, bacharelado ou licenciatura, 2 anos de mestrado, 4 anos de doutoramento e, possivelmente um ano e meio para dois anos de alguma especialização. Acrescidos dos períodos a trabalhar como monitor, investigador assistente, em estágios de docência até conseguir, efectivamente, ministrar aulas. O treinamento para tornar-se um professor académico leva, em média, 10 à 12 anos de intenso trabalho. Após defendida a tese de doutoramento, o investigador ainda poderá seguir para um pós-doutoramento a depender dos seus interesses e, também, da cena em que se encontra.
Ao retornar ao seriado The Chair percebemos personagens que são descartados em suas profissões pela idade mais avançada, pelo género e, também, pela inovação que propõe ao campo de actuação. As barreiras para pertencer ao universo académico são as mais diversas. Assim como as exigências. Ser professor é ser detentor de um conhecimento especializado, de um privilégio. Ao passo que também é ser consciente de sua missão profissional: disseminar o conhecimento crítico pelo ensino universitário.
Criado por Amanda Peet e Annie Wyman, The Chair trabalha o feminismo e os diversos estereótipos dentro universo académico. As atrizes foram selecionadas à dedo para expor algumas das questões que competem às mulheres dentro da academia. Sandra Oh protagoniza a diretoria do departamento, chamada de Ji-Yoon como a única mulher a ocupar o cargo na direção. Além de ser a única asiática do departamento. Conseguiu tornar-se professora titular após um termino de relacionamento em que focalizou todas as suas forças na publicação desenfreada de artigos e livros para adquirir a posição de professora titular, abrindo espaço para debater o quanto é demandado das mulheres para conquistar a mesma posição de trabalho ao comparar com um homem. Abdicou de constituir uma família para depois adotar a sua filha, Ju-Hee protagonizada por Everly Carganilla, uma menina de ascendência mexicana sendo criada na cultura coreana. Nana Mensah como Yasmin McKay, assume o papel da única professora universitária negra no departamento de Letras. É a mais nova em termos de idade, aos 32 anos conquistou um currículo excepcional com uma produção original. Mas sofre preconceitos de um colega mais velho e com dificuldades em se conectar com os alunos mais jovens. Por fim, Joan Hambling é representada por Holland Taylor. Supostamente a face mais tradicional do departamento como mulher branca, professora e detentora de conhecimento. Entretanto, ao longo do seriado ela expõe as diversas agressões sofridas com os comentários e os comportamentos sexualizados de homens e alunos. Sem contar a desvalorização que sofre a ameaçar que aposente-se antes do desejado. Se ainda há energia para produzir e ensinar, por que aposentar-se? A questão da idade é abordada de diferentes formas dentro do seriado, principalmente as diferentes cobranças quando mulher.
As exigências com o trabalho no ensino universitário não terminam. No Brasil, o Ministério da Educação exige uma produção mínima por ano para que possa atribuir subsídios financeiros aos investigadores. São inúmeros artigos nacionais e internacionais publicados, livros, palestras apresentadas em congressos e seminários tanto nacionais quanto internacionais. É a contínua sistematização do conhecimento acrescido de análises críticas avançadas feitas em consonância com o saber técnico. O saber da indústria do mercado de trabalho fora da academia.
É fácil ser professor? Não. Um professor terá um obrigação para com o aluno, mas, principalmente, terá uma obrigação para com a sociedade. Como aquele que disposto a preparar os jovens para os diversos cenários, saberes e mercados de trabalho. É necessário desenvolver inteligência emocional para lidar com as inúmeras personalidades e os diversos egos que emergem dentro de uma universidade. É necessário diplomacia para gerir a política interdepartamental. É necessária parceria para que consigam crescer juntos e assim fazer crescer o próprio curso. Além de uma disciplina para elaboração e manutenção de projetos de investigação. Ser professor é lidar com frustrações, é saber postergar a chegada do prémio para conseguir fazer valer um planejamento e, também, a jornada.
Mas a realidade apresenta dificuldades não conhecidas fora da esfera académica. E são essas questões que tornam o seriado interessante. Não é mais um conteúdo sobre estudantes universitários, ou sobre a vida romantizada de professores. É sobre as dificuldades e as questões vividas por inúmeros professoras ao longo da sua trajetória académica. Ao longo da sua jornada profissional. Um universo bastante distinto do mercado de trabalho convencional.