Torradas com toucinho

 Torradas com toucinho

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Provavelmente, já havia torradeiras eléctricas, mas nós ainda as não conhecíamos. E a manteiga de vaca era um dos muitos produtos tornados raros e caros com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. O pão, felizmente, nunca nos faltou. Quando o não havia no padeiro, íamos buscá-lo à Manutenção Militar, recurso a que tínhamos acesso, uma vez que o nosso pai era um reformado da Marinha, de onde tinha saído em 1917, por motivo de doença, no posto de 2.º grumete.

Uma ou duas vezes por semana, a mãe fazia cozido. Geralmente, com sopas de pão perfumadas de hortelã. Nos meses mais frios, esta confecção, além do repolho, dos nabos e das batatas, privilegiava a carne de porco fresca, comprada no talho do Patinhas, o toucinho da salgadeira e os enchidos. Nos meses mais quentes, o cozido era de abóbora, vagens (feijão verde), grão e batata, com carne de vaca, sempre do mesmo talho, os mesmos enchidos e o mesmo toucinho. Num tempo em que ninguém falava de colesterol, o toucinho do porco alentejano, branco e alto de uma mão-travessa, bem conservado no sal, era uma constante na nossa casa e na da generalidade das famílias. Metido na panela em quantidade para ir ficando de uns dias para os outros, era o nosso conduto para barrar o pão.

(sorumbatico.blogspot.com)

Na casa da minha avó Isabel, no Inverno, em que as pessoas se aqueciam no borralho da chaminé, faziam-se torradas. As fatias de pão eram dispostas sobre uma grelha de ferro ou de arame a que se dava o nome de torradeira, e esta colocada sobre o brasido. Na nossa casa, era à braseira que as fazíamos. Uma vez no ponto desejado, as torradas eram barradas com toucinho que, bem cozido, se desfazia como manteiga, exalando um perfume inesquecível. As mesmas torradas eram depois esfregadas com os restos da linguiça ou do chouriço dos ditos cozidos, o que lhes dava um outro perfume e um sabor deliciosos.

As recomendações médicas, acentuando os malefícios desta gordura na nossa saúde, em geral, e na das artérias, em particular, veio pôr um travão nesta delícia da gastronomia das minhas infância e adolescência.

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29/02/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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