Três dias: a próxima evolução do fim de semana

 Três dias: a próxima evolução do fim de semana

(© Marco Dias Roque)

Quem trabalha num horário “normal” está tão habituado a olhar para a sexta-feira como o dia de salvação da semana laboral que nem se apercebe de que o fim de semana é uma invenção recente, motivada por questões religiosas, movimentos de trabalhadores e… ressacas.

Sabemos, historicamente, que antes do estabelecimento da semana de cinco dias úteis, as segundas-feiras eram o “ponto alto da semana” para muitos trabalhadores britânicos. Já no início do século XVII, a tradição de absentismo dos artesãos especializados, às segundas-feiras, ficou conhecida como a “Segunda-feira Santa”. Quando ainda só existia um dia de descanso, os artesãos no Reino Unido começaram a trabalhar intensivamente de terça-feira a sábado, para poderem descansar dois dias: no domingo, o dia oficial de descanso por razões religiosas, e na segunda-feira, por motivos mais seculares. Isto porque os domingos não se utilizavam apenas para louvar o Senhor, mas também para apanhar valentes bebedeiras. Resultado? Os artesãos começaram a adorar a “Santa Segunda-feira” (ou “Segunda-feira Santa”), de modo a recuperar das intensas noites anteriores. Onde exista vontade, aparecem resultados e a “Santa Segunda-feira” tornou-se um hábito.

(abogadoslaboralalicante.es)

Esta é, apenas, uma curta parte da história do fim de semana, já que o descanso é uma necessidade reconhecida desde sempre – afinal, até Deus teve de descansar ao sétimo dia –, mesmo que nem todos estejamos de acordo com o dia escolhido para o fazer. Os Cristãos descansam ao domingo, Judeus ao sábado e os Muçulmanos à sexta-feira. Ainda hoje, alguns países islâmicos desfrutam do fim de semana à sexta e ao sábado, afastando padrões ocidentais. Com a evolução da Humanidade, um dia deixou de ser suficiente e, no século XIX, movimentos pelos direitos dos trabalhadores (alguns deles inspirados pelos artesãos da “Santa Segunda-feira”) começaram a aplicar pressão para ter dois dias de descanso por semana. Não foi um caminho fácil – um século de lobby –, mas, no início do século XX, o fim de semana tornou-se a instituição que conhecemos.

Cem anos depois, apenas dois dias já sabem a pouco. Já em 1930, o economista John Maynard Keynes previa que as semanas laborais podiam chegar a ser de apenas 15 horas, uma vez que a produção ultrapassava as necessidades reais das pessoas. Essa realidade confirmou-se: cada vez se produziu mais com menos esforço humano, graças a décadas de otimização da produção, mas sem nenhuma melhoria da semana laboral para os trabalhadores. A previsão de Keynes falhou – produzimos mais do que nunca, porém continuamos a trabalhar praticamente as mesmas horas –, mas levanta a questão: porque otimizámos o trabalho e não o lazer?

(Créditos fotográficos: Tobias Tullius – Unsplash)

Um dos problemas é que a atividade laboral continua a quantificar-se por horas trabalhadas e não pelo valor do que se faz nesse período. As empresas pagam para controlar o tempo dos trabalhadores. Se não fosse assim, não haveria necessidade de, por exemplo, obrigar trabalhadores a voltarem ao escritório. A obsessão por controlar o tempo – que é superior à do controlo da qualidade dos processos laborais e dos seus resultados – cria camadas de gestores e de chefias cujo trabalho não acrescenta valor aos clientes, embora tentem justificar a sua própria existência, criando processos que demoram tempo a completar e que, de facto, não trazem nada de útil. Ou seja, são contratadas pessoas que só vigiam os outros e que contribuem pouco ou nada. E há mais orçamento para isto do que para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Que continuemos a trabalhar tanto para produzir pouco mais não é mais do que o reflexo de uma visão antiquada da realidade, em que se valoriza a presença física no escritório, nem que seja “a encher chouriços”, até que cheguem às cinco da tarde de sexta-feira.

Existem vários exemplos das vantagens de uma semana laboral reduzida: a saúde (mental e física) dos trabalhadores melhora, as emissões de carbono são reduzidas e a produtividade até aumenta. Observa-se menos stress, com os mesmos ou com melhores resultados, bem como um trabalho mais focado. Parece simples, não? Não para quem está em posições de poder. Em outubro, um secretário de Estado inglês veio criticar a experiência de semanas laborais de quatro dias no governo local, argumentando que “não é um bom uso do dinheiro dos contribuintes”. Assim, parece que utilizar dinheiro dos contribuintes em iniciativas que ajudaram a colmatar contratações necessárias para o bom funcionamento de organizações locais não é uma boa ideia para o governo central.

(Créditos fotográficos: Viktor Bystrov – Unsplash)

A nível humano, as vantagens são óbvias: menos tempo a trabalhar dá-nos mais oportunidades para recuperarmos do trabalho. Quem não passa o sábado a fazer coisas para as quais não houve tempo durante a semana, reservando o domingo a encontrar amigos? Quantos trabalhadores ficam surpreendidos, na segunda-feira, com a sensação de falta de descanso? Desejaríamos ter mais tempo para recarregar energias e para explorar passatempos e interesses que, frequentemente, são postos de lado, mas que podem contribuir mais para a Humanidade do que oito horas a preenchermos formulários, num cubículo.

Apesar dos seus aspetos positivos, esta nova realidade não pode ser aplicada de maneira uniforme. Existem trabalhos indispensáveis durante toda a semana, desde quem trabalha em supermercados até aos médicos e outros profissionais de saúde. Nas sociedades atuais, nem todos se podem dar ao luxo de terem uma semana laboral “normal”. Mesmo assim, penso que existe uma oportunidade: a de contratar mais pessoas. Reduz-se o desemprego, criam-se outras realidades laborais que podem também ajudar a desenvolver o tecido empresarial e as pessoas, na sua cidadania e bem-estar. E, para quem quer (ou precisa de) “trabalhar mais”, uma semana laboral reduzida cria ocasiões para experimentar novas capacidades e proporcionar outras fontes de rendimento, além de conseguir mais vantagens com o dinheiro que gasta ou que investe.

Na Batalha de George Square, em Glasgow, na Escócia, a 31 de janeiro de 1919, milhares de trabalhadores em greve entraram em confronto sangrento com a polícia, reclamando por uma semana de 40 horas. (jacobin.com.br)

Para trilhar o caminho até ao fim de semana de três dias, teremos de replicar a pressão criada pelos sindicatos e outros lobbies que deram origem à instituição do fim de semana atual. Importa também reproduzir o exemplo dos artesãos e da sua “Santa Segunda-feira”. É saudável não beber tanto, claro, mas convém mostrar que o trabalho concentrado pode atingir os mesmos objetivos ou, até, ultrapassá-los. Nessa intenção, os cidadãos devem pressionar os governos para a criação de incentivos que levem as empresas a mudarem o paradigma e, eventualmente, a convertê-lo em lei. Certamente, as gerações futuras vão agradecer-nos essa condição de liberdade, utilizar esse tempo disponível para serem mais felizes.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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06/11/2023

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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