UE chega a acordo sobre teto para o preço do gás
Após meses de difíceis negociações, os ministros da Energia da União Europeia (UE) chegaram a acordo sobre um teto para o preço do gás importado para o mercado europeu, criando um mecanismo de correção dos preços a acionar quando se ultrapassarem os 180 euros por megawatt/hora, mediante certas condições. Atualmente, o índice está nos 115 euros por megawatt/hora (€115 MWh), mas, em agosto, atingiu picos de 350 por megawatt/hora.
O mecanismo só será ativado mediante duas condições: sempre que a cotação no índice na plataforma holandesa Title Transfer Facility (TTF), a referência nos mercados europeus de gás natural, fique acima dos €180 MWh durante mais de três dias úteis consecutivos e se a diferença entre o teto e o preço médio do gás natural liquefeito global for superior a 35 euros.
Jozef Síkela, ministro da Indústria da Chéquia disse que foi acordado “um mecanismo temporário, eficaz e realista que protegerá os cidadãos e as empresas dos preços excessivos do gás” que se verificaram no verão.
Apesar de todos os esforços, o acordo não foi apoiado por todos os Estados-membros. A Hungria votou contra. Os Países Baixos e a Áustria abstiveram-se. O vice-chanceler alemão Robert Habeck mostrou-se “um pouco cético de que o mecanismo de correção do mercado seja o caminho certo”, mas realçou que “há muitas salvaguardas e mecanismos para monitorar e optar por sair, se algum tipo de dano ameaçar o abastecimento da Europa”. Por isso, a Alemanha, que sempre se opôs à proposta, acabou por mudar de posição e votou a favor.
O mecanismo entrará em vigor no dia 15 de fevereiro de 2023 e será desativado automaticamente, caso esteja em risco o abastecimento ou aumente o consumo de gás.
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A decisão, formalizada a 19 de dezembro, após o Conselho de Transportes, Telecomunicações e Energia, em Bruxelas, aconteceu depois de os governantes dos 27 Estados-membros terem falhado o acordo, na semana anterior, devido à falta de consenso em relação à medida. Agora, só a Hungria votou contra, ao passo que a Áustria e os Países Baixos se abstiveram.
“Hoje os ministros deram um passo ambicioso, em menos de um mês chegámos a acordo”, referiu Kadri Simson, comissária europeia para a Energia. “Com este mecanismo, a Europa vai ficar melhor preparada para o próximo inverno”, garantiu.
Em causa está a proposta apresentada pela Comissão Europeia, que visa ativar um limite temporário nos contratos de gás no mercado europeu, se se verificarem, em simultâneo, as duas condições referidas. Por um lado, o limite é ativado, se o preço nos contratos de gás natural para o mês seguinte for, durante três dias úteis consecutivos, superior a €180 MWh na TTF; por outro lado, para se efetivar o limite, terá de se verificar que o preço de referência no TTF é 35 euros mais elevado que o preço de referência para o gás natural liquefeito (LNG), também durante três dias úteis consecutivos.
Na rede social Twitter, o já referido ministro da Indústria da Chéquia (país que ocupa este semestre a presidência rotativa do Conselho da União Europeia), fez o anúncio, frisando que a UE “terá assim um pacote de medidas que ajudará a preparar-se para o próximo inverno e a proteger os cidadãos e as empresas das oscilações extremas de preços”.
No comunicado de imprensa da Comissão Europeia, lê-se que, acionado o teto, este vigora durante 20 dias úteis, a não ser que o preço se mantenha abaixo de €180 MWh durante este período. Nesse caso, é desativado antes do fim dos 20 dias. Numa conferência de imprensa, na tarde do dia 19 de dezembro, Síkela acrescentou outras condições que resultariam na suspensão do mecanismo, entre elas o aumento nos consumos de gás; a diminuição nas compras de gás no TTF ou entre Estados-membros ou numa diminuição trimestral na importação de LNG na UE. Como garantiu, “este mecanismo não compromete a estabilidade financeira, nem o abastecimento”.
Além disso, serão tidos em conta os alertas da Agência de Cooperação dos Reguladores de Energia (ACER), que ficará responsável por elaborar um estudo de impacto do teto aos preços do gás e de fazer a monitorização do mecanismo, juntamente com a Comissão Europeia e a Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (ESMA).
A proposta aprovada difere do documento original apresentado pelo executivo comunitário, em novembro, no qual se previa que o limite fosse acionado se o preço fosse superior a 275 euros por MWh, ao mesmo tempo que o preço de referência no TTF fossem 58 euros mais elevados que o preço de referência para o LNG, durante 10 dias consecutivos de negociação. Esses limites não reuniam consenso entre os 27 Estados-membros que julgavam o teto “demasiado alto” ficando, assim, impossibilitado de agir efetivamente como um limite. Para melhor noção do caso, é de referir que, em agosto, o preço do gás no TTF atingiu um valor recorde de 345 euros e, a 19 de dezembro, os valores do holandês TTF estão a cair 3%, ou seja de 115 para 112 euros.
Além do teto aos preços do gás, os ministros da Energia aprovaram outras medidas que visam minorar os impactos da crise energética e garantir segurança no abastecimento nos próximos meses, entre elas, as compras conjuntas de gás, tal como aconteceu com as vacinas anticovid na pandemia; a simplificação de licenças para projetos de energia renovável; e acordos bilaterais de solidariedade que têm como objetivo partilhar gás com os países mais vulneráveis, em caso de escassez ou de disrupção total no abastecimento.
Na verdade, a 18 de outubro, a Comissão Europeia, pela voz da sua presidente Ursula von der Leyen, propôs essa medida numa conferência de imprensa que ocorreu depois de uma reunião do colégio de comissários, à margem da sessão plenária do Parlamento Europeu (PE), na cidade de Estrasburgo.
Dessa reunião do PE saiu um documento em que é apresentado um conjunto de medidas para enfrentar a crise energética e a informação de Bruxelas permite que os Estados-membros recorram à utilização de até 10% da dotação nacional total do Fundo de Coesão para 2014-2020, no valor total de cerca de 40 mil milhões de euros, para fazer frente à crise energética.
Segundo a presidente da Comissão, foi proposta aos Estados-membros a “participação obrigatória das empresas europeias na agregação da procura europeia para cumprir, pelo menos, 15% das respetivas metas de enchimento de armazenamento de gás”. As empresas seriam autorizadas a formar um consórcio europeu de compra de gás, em conformidade com as regras de concorrência da UE, porque “somos mais fortes quando agimos juntos”.
Como refere Kadri Simson, comissária da Energia, presente na conferência de imprensa, os 15% são equivalentes ao consumo de gás de Portugal, da Irlanda e da Finlândia, cerca de 13 milhões de metros cúbicos de gás: “uma quantidade considerável”.
A decisão veio quando a UE reforçou o fornecimento de gás oriundo de outros destinos, como a Noruega, e reduziu o consumo de gás russo para menos de 9%. As reservas de gás do bloco europeu para o inverno já ultrapassaram a margem de segurança de 90% relativamente às reservas de gás necessárias para este inverno, encontrando-se atualmente nos 92%.
Além das compras conjuntas de gás, é reforçada a cooperação entre os 27 Estados-membros, que ainda está longe do ideal. “Devíamos ter 40 acordos de solidariedade entre Estados-membros, e temos apenas seis”, observa a líder do executivo comunitário. Dessa forma, em caso de escassez ou de “disrupção total no abastecimento de gás e eletricidade”, praticar-se-ão novos acordos de solidariedade, com objetivos comuns a todos os Estados-membros e às respetivas regiões, isto é, “desde de que não existam já acordos bilaterais de solidariedade” e que têm como objetivo “partilhar gás com os países mais vulneráveis”.
Ainda para garantir reservas suficientes de gás, a Comissão Europeia propôs aos 27 Estados-membros a elaboração de um “Alerta UE”, caso as reservas de gás se revelem insuficientes. Assim e para reforçar a preparação para possíveis emergências, o executivo comunitário propõe medidas que permitam aos Estados-Membros reduzir ainda mais o consumo não essencial para garantir o fornecimento de gás a serviços e indústrias essenciais.
Também foi proposta a criação de um índice alternativo ao holandês TTF, “por já não ser um reflexo do mercado europeu”. E Ursula von der Leyen explicou que o TTF foi criado para a transação de gás distribuído por gasoduto, mas o mercado mudou, drasticamente, do gasoduto para GNL, tipicamente transportado por navios. Este índice será apresentado pela ACER, em março de 2023.
Entretanto, a Comissão propôs a criação de um corredor dinâmico e temporário no TTF, isto é, um intervalo abaixo do valor de mercado dentro do qual oscilariam os preços do gás a serem negociados naquele dia. Este mecanismo temporário seria acionado “quando necessário” e não permitiria “transações com preço superior ao limite dinâmico”. O limite deve ser tão alto que leve o mercado a funcionar e tão abrangente que possa cobrir os restantes índices a nível europeu.
Às propostas seguiu-se o debate, nos dias 20 e 21 de outubro, na reunião do Conselho Europeu. E, a 25 de outubro, os ministros da Energia da UE reuniram-se para a discussão técnica das decisões.
Além disso, para mitigar os preços da eletricidade, que se contagiam pelo preço do gás, a Comissão propôs a adoção do mecanismo ibérico, que foi avaliado, para o resto do bloco europeu.
“É um mecanismo que está em vigor em Espanha e Portugal e acreditamos que deve ser considerado ao nível europeu”, afirmou Ursula von der Leyen, dizendo que a estratégia merece “mérito”.
Para já, ainda não era líquido que a medida fosse adotada pelos restantes Estados-membros, dado que “estão por responder duas questões” essenciais para tornar o mecanismo operacional. A primeira é que é preciso compensar entre o preço real e o preço máximo e esta compensação tem lugar através dos consumidores que utilizam o gás, o que funciona no ambiente nacional, mas, colocada num ambiente europeu, dispõe de apoio pouco equilibrado por parte dos consumidores do gás. A segunda é que estamos bem interligados com os amigos e vizinhos – Reino Unido, Noruega, Suíça e Balcãs Ocidentais, por exemplo – e esta eletricidade barata fluiria para lá e temos de ver como se resolvem as questões que ocorrem no seguimento disso.
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Parece que a Comissão Europeia está mesmo determinada a mitigar ao máximo os efeitos da crise energética. Assim o Conselho Europeu decida sempre em conformidade. Todavia, isto não anula o efeito perverso das sanções reiteradamente decretadas contra a Rússia sobre a economia da UE.
22/12/2022