Um conto de Natal

 Um conto de Natal

Cena do filme “A Christmas Carol”. (Créditos de imagem: AP Photo/Disney, ImageMovers Digital LLC – maemequer.sapo.pt)

(Direitos reservados)

Não há melhor oferta neste Natal do que um conto. Por isso mesmo, deixo aqui as minhas ofertas livrescas para quem as quiser recolher. São contos que me acompanham, alguns mais antigos do que outros, mas todos eles com uma mensagem comum. 

O primeiro é “Um Conto de Natal” (“A Christmas Carol”), do escritor inglês Charles Dickens (1812-1870). Esta é, certamente, a história mais difundida da literatura natalícia ocidental. Sempre me perguntei porque traduzimos “carol” por “conto”. Encontro no trabalho, de Alyne Silva, “A Christmas Carol: análise da tradução Um Hino de Natal, de Cecília Meireles”, uma interessante e completa informação, que cito: “[…] pode-se notar que carol é um termo específico para definir canções religiosas de Natal. No entanto, em português, não há essa mesma especificidade, fato que gera diferentes possibilidades de tradução: canção, cântico ou hino…”  

Charles Dickens (Créditos fotográficos:
Bettman Archive via Biography –
blogdoscaloiros.blogs.sapo.pt)

E transcrevo também que “há uma relação entre o nome do livro e a forma como os capítulos são apresentados”. Pois, trata-se, como consta no título, de um “cântico de Natal em prosa”. “Dickens nomeou os capítulos como stave para traçar uma ligação com o título da obra, demonstrando que cada capítulo corresponderia a uma estrofe da canção natalina”, registo ainda, sabendo que, de acordo com o “Collins Dictionary”, “stave” pode ser definido como “a stanza or verse of a poem” ou “na individual group of five lines and four spaces used in staff notation”. 

Benzer Scrooge (medium.com)

A história de Dickens retrata o enfrentamento do rabugento e sovina Ebenezer Scrooge, homem de negócios de Londres com o fantasma do seu sócio Marley, recentemente falecido, e com três espíritos que o perseguem na quadra natalícia, mostrando-lhe o seu passado e o seu futuro. A mudança de personalidade de Scrooge será um verdadeiro milagre de Natal. O conto de Dickens tem sido, muitas vezes, adaptado ao cinema e ao teatro. E não há dúvida de que o Tio Patinhas, criado pelo ilustrador Carl Barks, dos estúdios Disney, e desenhador de histórias em quadrinhos, se inspirou nesta personagem. 

(Direitos reservados)

Já, em mais de uma ocasião e noutros contextos, me referi a “O Presente dos Magos”, conto escrito por O. Henry1, como um dos meus favoritos. A narração conta-nos sobre um jovem casal recém-casado e de como lida com o desafio de comprar um presente de Natal, de um para o outro, com pouco dinheiro. Ele possui um belo relógio de bolso e ela uma bela cabeleira que a torna formosa na sua juventude. Ambos decidem sacrificar os seus tesouros para concretizarem os seus desejos.

O conto acaba assim2: “Os Reis Magos, como sabem, eram homens sábios – maravilhosamente sábios – que trouxeram presentes para o bebê que estava em uma manjedoura. Eles inventaram a arte de dar presentes de Natal. Sendo sábios, seus presentes eram, sem dúvida, inteligentes, possivelmente tendo o privilégio de troca em caso de repetição. E, aqui, relatei a crônica de duas crianças bobas que moravam em um apartamento e que, de forma imprudente, sacrificaram os maiores tesouros da casa, um pelo outro. Mas uma última palavra para os sábios dos dias de hoje, é de que de todos os que dão presentes, esses dois foram os mais sábios. De todos os que dão e recebem presentes, os que fazem como eles são os mais sábios. Em todo lugar são os mais sábios. Eles são os Reis Magos.”

Livro “A História de Natal de Auggie Wren”. (archive.org)

Um conto de Natal moderno é o escrito pelo autor norte-americano Paul Auster (nascido em 1947), “A História de Natal de Auggie Wren”que foi belamente levado ao cinema no filme “Smoke” (“Fumo”), de 1995. No ecrã, a personagem Auggie Wren foi interpretada pelo actor Harvey Keitel, na realização de Wayne Wang e com argumento do próprio Paul Auster. 

Bailado “O Quebra-Nozes”. (espacovita.pt)

Claro que há mais. Haverá quem tenha a sorte de assistir ao bailado “Quebra-nozes”, baseado no conto do autor alemão E. T. Hoffmann (1776-1822). O brinquedo de Marie, de sete anos, que o seu irmão Fritz estragou, será a figura central desta bela história que, adaptada por Alexandre Dumas, inspirou um dos mais famosos bailados do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840-1893). 

(Créditos de imagem: Divulgação – diariodonordeste.verdesmares.com.br)

E também haverá ópera nalgumas cidades alemãs, a exemplo da reposição do belo espectáculo “Hänsel e Gretel”, que é um delicioso presente operático para saborear na altura do Natal. Composta por um discí­pulo de Wagner, o maestro e compositor Engelbert Humperdink (1854-1921), a partir de uma ideia da sua irmã, que pretendia fazer canções de Natal para os seus alunos, inspiradas nos contos dos irmãos Grimm e terminou num projecto grandioso, com uma orquestra wagneriana e no primeiro grande êxito alemão operático para os mais pequenos. 

Irmãos (Jacob e Wilhelm) Grimm. (joseduardotaveira.blogspot.com)

Finalmente, um belíssimo conto, da autora portuguesa Luísa Dacosta (1927-2015), que começa assim: “Há sempre os que conseguem e os outros. Os que ficam pelo caminho. Com os magos aconteceu o mesmo. Só três – os reis Baltasar, Melchior e Gaspar – chegaram a Belém e deixaram os seus presentes, de ouro, incenso e mirra, aos pés do Menino. Mas os magos, sacerdotes que estudavam o céu e os seus astros, eram muitos. E outros se puseram a caminho, seguindo aquela estrela, súbito, nascida no firmamento e mais brilhante do que todas as outras que aqueciam a noite. Desses, três sacerdotes da Caldeia, adoradores do sol e da natureza…” 

“A Viagem dos três Reis Magos”, do pintor austríaco Leopold Kuppelwieser. (enquiridio.org)

Luísa Dacosta conta-nos que, durante a viagem, encontram uma criança abandonada numa gruta e decidem cuidar da criança e, por isso, não chegaram a Belém4

(Direitos reservados)

Na versão cinematográfica da ópera-rock, dos anos 70 do século XX (do compositor Andrew Lloyd Webber, com libreto e letras de Tim Rice), “Jesus Christ Superstar”, dirigida pelo realizador canadiano Norman Jewison, a Judeia estava ocupada pelos soldados romanos, agora ocupada por tanques e por soldados modernos. Hoje, o cenário cinematográfico fictício é real. Assim sendo, actualmente, seria impossível que os magos, adoradores ou reis – na tradição popular – pudessem entrar. Primeiro, porque o território está ocupado. Mas também porque os magos são estrangeiros e, mais, um deles é negro.

Apesar das más notícias que nos acompanham neste momento, em Portugal e internacionalmente, desejo, a todos/as Boas Festas!

.

Notas:

O. Henry(americanliterature.com)

1 – O. Henry (1862- 1910), pseudônimo de William Sydney Porter, foi um dos maiores contistas americanos do século XIX e um dos autores mais populares do seu tempo. 

2 – Tradução de Cristiane Bezerra do Nascimento e de Natália Elisa Lorensetti Pastore, ambas da Universidade Federal de Santa Catarina, no Brasil.

3 – Maria Luísa Saraiva Pinto dos Santos (1927-2015), mais conhecida pelo nome literário de Luísa Dacosta, foi uma escritora portuguesa. 

Henry van Dyke
(americanliterature.com)

4 – Há uma outra história da qual faço referência e que fala de um quarto sábio ou de um quarto rei, Artaban. É um médico persa que, certo de ter visto a estrela que anunciava o nascimento de Jesús, se desfaz dos seus bens e viaja em direcção da cidade de Belém, na Judeia, ao encontro dos Três Reis Magos. A sua viagem será atribulada e demorará, exactamente, 33 anos, pelo que irá assistir à crucificação de Cristo. O romance de Henry van Dyke foi levado ao cinema, sob o título “O Quarto Sábio”, realizado em 1985, por Michael Ray Rhodes. 

.

28/12/2023

Siga-nos:
fb-share-icon

Roberto Merino

Roberto Merino Mercado nasceu no ano de 1952, em Concepción, província do Chile. Estudou Matemática na universidade local, mas tem-se dedicado ao teatro, desde a infância. Depois do Golpe Militar no Chile, exilou-se no estrangeiro. Inicialmente, na então República Federal Alemã (RFA) e, a partir de 1975, na cidade do Porto (Portugal). Dirigiu artisticamente o Teatro Experimental do Porto (TEP) até 1978, voltando em mais duas ocasiões a essa companhia profissional. Posteriormente, trabalhou nos Serviços Culturais da Câmara Municipal do Funchal e com o Grupo de Teatro Experimental do Funchal. Desde 1982, dirige o Curso Superior de Teatro da Escola Superior Artística do Porto. Colabora também como docente na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, desde 1991. E foi professor da Balleteatro Escola Profissional durante três décadas. Como dramaturgo e encenador profissional, trabalhou no TEP, no Seiva Trupe, no Teatro Art´Imagem, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (UP) e na Faculdade de Direito da UP, entre outros palcos.

Outros artigos

Share
Instagram