Um, dois, três… Vacinei-me outra vez!

 Um, dois, três… Vacinei-me outra vez!

Quem diria que um dos pontos altos dos últimos anos seria uma vacina!? Aliás, não uma, nem duas, mas sim três doses de um medicamento que nem existia antes disto tudo. Este é o pensamento que me passava pela cabeça após ir à pica no mês passado, sentado numa sala de espera improvisada à sombra de um dos meus edifícios favoritos de Barcelona, o Hospital de Sant Pau.
Este hospital é uma obra-prima do modernismo catalão: um complexo de edifícios de tijolos vermelhos e telhados com azulejos amarelos que é, na minha (profana) opinião, mais bonito que a Sagrada Família. Claro que a parte antiga – os edifícios são do início do século XX – já não é utilizada como hospital, que opera num edifício mais recente, mas a necessidade fez com que parte do espaço fosse aproveitado para colocar uma linha de contentores para um dos centros de vacinação contra a covid-19, em Barcelona.
Se os muros e os edifícios do Sant Pau eram familiares, a visão que me recebeu quando cheguei para levar a primeira dose da vacina, numa tarde quente de julho, foi totalmente nova. Duas bandeiras azuis indicavam o centro de vacinação, iniciando uma fila que saía do parque de estacionamento do hospital, onde estavam os tais contentores, e que continuava até ao fundo da rua, subindo o quarteirão. As pessoas chegavam e não acreditavam que houvesse tanta gente. Precavido, juntei-me à fila e tirei um livro da mochila. Aposto que o quiosque da esquina nunca fez tanto dinheiro como nessa primeira fase da vacinação.
Para meu espanto, a espera foi curta. A máquina de vacinar já estava bem afinada e a fila moveu-se rapidamente. Quando dei por mim, já estava a mostrar o meu cartão de saúde, sentado numa cadeira, manga levantada, distraído com as instruções da enfermeira para pôr gelo e tomar um paracetamol, vacina posta, e, logo, sentado à espera de alguma reação adversa. Ao meu lado, um senhor estava no chão com dificuldades em respirar, imagino que mais pelo calor do que por outra coisa. Depois de mais de um ano de preocupações, a minha reação ao início da solução foi a de choque. “A sério que já passou?” Abri a app do serviço de saúde da Catalunha, e já lá estava marcada: “Comirnaty”, primeira dose.
Todos os medicamentos têm nomes estranhos, mas eu acho que o bom gosto de quem definiu os das vacinas é duvidoso. Analisemos a lista: Spikevax (bom nome para um criminoso violento), Vaxzevria (possivelmente, um Pokémon), Janssen (nome da empresa, por isso não conta), Comirnaty (cidade na República Checa), Nuvaxovid (outro Pokémon). Se já não temos vontade de levar com uma seringa, não vai ser um encontro marcado com a Spikevax que nos vai facilitar a vida. Após quinze minutos, voltei para casa.
Um mês depois, lá estava eu de novo, no Sant Pau, para a segunda dose. Mesmo processo, mas com uma fila muito mais pequena, nem chegava ao quiosque. O calor continuava; porém, com o choque da primeira vez ultrapassado, a sequência de eventos já era familiar. Novamente, num abrir e fechar de olhos, lá estava eu sentado à espera de alguma reação adversa. Não chegou nenhuma.

O que, sim, chegou – ou chegaria 14 dias depois – foi um código QR que surgiu para facilitar o regresso à normalidade: o certificado de vacinação da União Europeia. Se no primeiro ano de covid as coisas abriram sem grandes extras, o segundo foi dominado pela necessidade de ver este código aparecer para poder viajar. Discutiu-se muito a validade deste passaporte mas, pelo menos, serviu para que as pessoas sentissem que recuperavam algum do controlo perdido durante a pandemia.
Quase seis meses depois, lá estava eu para a terceira dose. A última? Quem sabe. O inverno substituíra o verão (é muito mais fácil levar uma vacina com uma t-shirt vestida que com um casaco) e, desta vez, havia ainda menos gente. Aliás, nem fila havia, só uns quatro gatos-pingados (e vacinados). Nesta fase, a enfermeira já nem se deu ao trabalho de dar conselhos para o pós-vacina. Imagino que ou ela estava farta de dizer a mesma ladainha ou as pessoas de a ouvir. De novo, nenhuma reação adversa, por isso voltei a casa.
Com as duas primeiras doses, senti poucos efeitos secundários. Cansaço, dor na zona da injeção, passou rápido. Estava a guardar-me para a terceira. Calafrios, febre, uma noite impossível e um par de dias debilitado. Fiquei a pensar que, se isto foi um gosto do que a covid podia ter sido, valeram bem a pena as três visitas ao Sant Pau. Só espero que estas três sejam a conta que Deus fez e que a coisa fique por aqui.

03/03/2022

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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