Um outro mundo

 Um outro mundo

(Créditos fotográficos: Joshua Sortino – Unsplash)

Atualmente, a tecnologia permite-nos monitorizar e controlar tudo: ambiente, processos industriais, pessoas e sociedade. No entanto, a verdade é que, em maior ou menor grau, com mais ou menos tecnologia, esse controlo sempre fez parte da forma como nos organizamos como espécie. Se há algo que caracteriza a História da Humanidade é o desejo de tudo controlar. Apesar disso, há, agora, algo de substancialmente diferente: pela primeira vez, o tão desejado controlo pode sair das nossas mãos e passar para entidades não humanas. Falo, como já se percebeu, da inteligência artificial (IA).

Neste ponto, alguns dirão que lá estou eu com os meus exageros. O facto é que não sou eu – não especialista nesta matéria – quem o diz, mas sim um pioneiro da IA, Geoffrey Hinton. Este destacado cientista, vencedor do Turing Award (o mais alto galardão mundial em ciências da computação) em 2018, deixou recentemente a Google devido a preocupações com o futuro da inteligência artificial, para, sem quaisquer condicionalismos, poder contribuir para um desenvolvimento ético e seguro deste tipo de tecnologias.

Mas, afinal, a IA é assim tão má, a ponto de ter que ser combatida por não trazer qualquer tipo de vantagens? É claro que não. Como qualquer ferramenta, pode ser utilizada para fazer bem ou para fazer mal. De facto, a inteligência artificial, se bem utilizada, pode ser essencial para acelerar o desenvolvimento e criar uma sociedade muito melhor. Pode, por exemplo, ser extremamente útil na medicina, na economia, na prevenção de alterações climáticas, ou em qualquer área onde seja necessário resolver tarefas de elevada complexidade ou envolvendo grandes volumes de dados. Infelizmente, também pode ser muito prejudicial como, por exemplo, na política ou em áreas militares. É por isto que temos de arranjar formas de controlo que impeçam a utilização da IA para fins, moral e eticamente, inaceitáveis.

(Créditos fotográficos: Fernando Boavida Fernandes)

Para melhor entendermos o potencial da IA, vejamos quais são as características que a distinguem da inteligência humana. Em primeiro lugar, tratando-se de operações realizadas por máquinas que poderão ter grande poder computacional, a IA pode analisar quantidades gigantescas de informação, disponíveis na Internet, em livros e/ou em todo o tipo de estudos, o que vai muito para além da capacidade humana. Para além disso, pode aprender muitíssimo mais e muitíssimo mais rápido do que qualquer pessoa. A somar a tudo isto, a IA pode, tal como nós, explorar todo o tipo de raciocínios complexos e definir sub-objetivos de forma totalmente autónoma.

Repare-se que, porque pode aprender e porque pode definir objetivos e sub-objetivos, não existem obstáculos a que a IA se torne ainda mais inteligente e aprenda a manipular, para mais rapidamente atingir objetivos por si traçados. Ou seja, nada impede a IA de gerar fake news, nem de explorar a polarização das pessoas e opiniões, bem como de desinformar, de discriminar ou de cometer fraudes para atingir objetivos. Num mundo controlado pela IA, ninguém poderá saber o que é verdade e o que é falso, o que é justo ou injusto, o que é legítimo ou ilegítimo. Num mundo controlado pela IA, não podemos esperar que a IA seja “bem-comportada”.

(Créditos fotográficos: Jordan Harrison – Unsplash)

A inteligência artificial está a avançar muito mais rapidamente do que as poucas e tímidas iniciativas de legislação e de controlo por parte de governos, da sociedade ou da comunidade internacional. Os primeiros a acordarem para o problema foram, no entanto, os próprios cientistas de computação, dos quais Geoffrey Hinton é um exemplo, entre muitos outros. São eles que dizem que a possibilidade de máquinas tomarem controlo de áreas chave da sociedade e do Mundo é uma ameaça real. É, também, Geoffrey Hinton quem alerta para a possibilidade de a IA se tornar em verdadeiros extraterrestres, integrados na sociedade e controlando o Mundo. Esta é uma perspetiva aterradora, que nos avisa que, mais uma vez na nossa História, o engenho humano poderá atingir um tão elevado grau de loucura que ponha em causa o mundo em que vivemos, substituindo-o por um outro no qual seremos, simplesmente, subjugados pela tecnologia que nós próprios criámos.

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12/06/2023

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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