Um país aos pés da Igreja

 Um país aos pés da Igreja

A instalação de Bordalo II, no altar-palco da JMJ, vale mais do que mil palavras. (Imagem da sua página no Instagram: instagram.com/b0rdalo_ii)

“Num estado laico, num momento em que muitas pessoas lutam para manter as suas casas, o seu trabalho e a sua dignidade, decide investir-se milhões do dinheiro público para patrocinar a tour da multinacional italiana. Habemus Pasta”.

As palavras, certeiras, são de Bordalo II (Artur Bordalo) e estão plasmadas nas redes sociais do artista plástico, que as faz acompanhar de imagens da intervenção que fez no altar-palco da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Parque Tejo.

Recorde-se que Bordalo II é autor de uma passadeira composta por imagens de notas de 500 euros que estendeu até ao altar-palco que recebe o Papa Francisco. Ou seja, o artista pretendeu representar uma “walk of shame” (“caminhada ou passadeira da vergonha”), criticando os milhões de euros gastos na JMJ, que inicia amanhã (terça-feira, 1 de Agosto), em Lisboa.

A JMJ custa aos cofres do Estado 38 milhões de euros e às câmaras municipais de Loures e de Lisboa “cinquenta milhões”. Uma pipa de massa que deveria fazer corar de vergonha governantes e edis de um Estado que a Constituição da República declara ser “laico, não confessional, onde vigora a liberdade de religião e de crença” e em que “as igrejas e outras comunidades religiosas encontram-se separadas do Estado”.

Tal não acontece, porém… E isso faz com que tal declaração constitucional não passe de uma treta. Prova-o o histórico da relação promíscua entre o Estado e a Igreja Católica; prova-o os “milhões” que agora são gastos na JMJ. Assim, a modos como que um festival de Verão que a generalidade dos cidadãos paga com os seus impostos, sabendo-se que a sua organização tem sido envolvida em várias polémicas além das que se relacionam com as despesas do evento, a exemplo do perdão de penas e das supostas tentativas de “ocultar situações de pobreza”.

(Direitos reservados)

A que acresce o contributo forçado dos munícipes de Loures e de Lisboa. E um milhão e meio euros que o edil de Cascais sacou do cofre autárquico para subsidiar a festança, sendo que “500 mil” se destinam à compra dos paramentos e estolas que serão usados pelos distintos padres.

Portugal continua aos pés da Virgem e de uma Igreja-Estado (Vaticano) prenhe de escândalos sexuais e financeiros. Por obra e graça de um presidente febrilmente beato e de deslumbrados patetas. Como Carlos Moedas, que respondeu à provocação artística com um tapetezito comprado numa loja chinesa.

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Notas:

Ainda sobre a JMJ, sugerimos a visualização de dois vídeos. O primeiro diz respeito à deslocação do Presidente da República Portuguesa à Cidade do Panamá, quando, em 26 de Janeiro de 2019, se mostrou emocionado após ter-se encontrado com o Papa Francisco naquele país caribenho, projectando, então, uma eventual realização da Jornada Mundial da Juventude, na capital lusa, para 2022, a qual veio a ser realizada um ano depois.

O segundo vídeo, foi divulgado pelo autarca lisboeta Carlos Moedas (www.instagram.com/c_moedas), manifestando: “Agora sim, o tapete está posto. Aqui, são todos bem-vindos.”

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31/07/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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