Uniformes do dia a dia
Quando olhamos para alguém, criamos uma imagem sobre quem é apenas pelo que tem vestido. Na minha adolescência, um boné virado para trás era um símbolo de rebeldia. Alguém com umas botas de biqueira de aço tenta transmitir uma imagem de perigo. Não abriríamos a porta de casa a alguém com um ar esfarrapado, mas, se a pessoa estiver bem vestida, a barreira é mais fácil de ultrapassar. E, claro, se vemos alguém com a camisola do nosso clube de futebol, é um amigo em potência.
Contudo, embora definir alguém pelo que traz vestido seja um hábito que existe desde a pré-história, estamos a assumir uma ideia de forma demasiado superficial. Por exemplo, com a impressão de que alguém vestido de forma “séria” é uma pessoa séria. Por conseguinte, para ir ao trabalho devemos usar gravata; como se isso estivesse relacionado com as nossas capacidades.
Tanto em Portugal como em Espanha, vivi ambientes laborais mais relaxados e, por isso, a roupa de trabalho não era assim tão diferente do resto da que estava no armário. Em Londres, a história é outra. Os trabalhadores de escritório têm armários de roupa laboral, o que significa, no caso dos homens, a necessidade de calças escuras e de camisas brancas ou com tons azuis-claros, com sapatos e blazers ou casacos de fatos. Ou seja, o uniforme do trabalhador da “City”.
Contudo, o impacto da roupa não se limita a como vemos os outros. O que vestimos muda a maneira como pensamos e, por extensão, codifica os nossos comportamos e o que esperamos do mundo à nossa volta. Um exemplo disso é quando, na universidade, usamos o “traje”, indumentária que ajuda a criar duas classes de pessoas a partir de um mesmo grupo de estudantes. Quando vesti o traje académico, não tinha a perspetiva para pensar nisso, mas, ao ver agora uns miúdos de 20 anos no escritório, no centro financeiro de Londres, começo a pensar no que os seus fatos lhes estarão a transmitir ou a representar.
Desde logo, são induzidos a pensar que são adultos. Nada como um fato para nos fazer sentir crescidos. E quem não precisa disso de vez em quando? Além disso, perante a insegurança associada a essa época da sua vida, tal vestuário leva-os a crer que pertencem e merecem estar no mundo dos “importantes”. Nada como um uniforme ou vestuário padronizado – mesmo que seja composto por, apenas, umas calças escuras e uma camisa – para nos fazer sentir parte de algo ou de uma organização.
Claro que, com o tempo, é fácil esquecer que o fato é só uma “ferramenta” social, podendo levar-nos a criar caminhos mentais duvidosos. Abre portas, por exemplo, para se pensar que quem não tem o “uniforme” é de outra tribo, como as pessoas que nos servem nos pubs, depois do nosso trabalho. Outro paralelismo é (ou era) observado com o traje na universidade que, tradicionalmente, separa(va) os “doutores” do resto da população (tricanas incluídas, figuras míticas e emblemáticas de Coimbra).
E penso que esta linha de pensamento acaba por se estender a tudo na vida: “Se vou para uma discoteca, visto-me assim e comporto-me de tal maneira”. “Estou de férias, este é o meu uniforme e isso significa que faço o que quiser.” Não será a única explicação, mas, provavelmente, contribuirá para alguns comportamentos menos corretos que vamos vendo por aí, sobretudo, em pessoas que assumem estar acima do resto do mundo.
Apesar disso, Londres não é apenas um mar de camisas azuis. Também tem muito espaço para se usar roupa como modo de expressão, o que é sempre interessante observar, particularmente numa época em que, felizmente, ser sério não depende da roupa que se veste. Aprecio a evolução dos costumes, nem que seja para salvar o esforço dos pobres coitados que vejo a trocar as sapatilhas por sapatos, antes de entrarem no escritório.
05/09/2022