Utilização de animais na limpeza e na prevenção de incêndios florestais
A agência Lusa veiculou recentemente a notícia de que o município de Miranda do Douro utiliza ovelhas para limpar espaços verdes por falta de mão-de-obra, tendo sido colocadas, numa primeira fase, 30 ovelhas de raça churra galega mirandesa, uma raça autóctone, a fazer a limpeza da vegetação, numa encosta com oliveiras, de aproximadamente um hectare, no âmbito da preservação dos espaços verdes das áreas envolventes da cidade.
Helena Barril, presidente da Câmara local, assinala que há “espaços verdes com necessidades de limpeza de vegetação”, como aquela encosta à entrada da cidade, e a falta de mão-de-obra induziu a utilização de raças autóctones, neste caso ovelhas, pelo que estes animais começaram a “fazer o seu trabalho de sapadores”.
Admite a autarca que outras espécies autóctones, como o burro mirandês ou cabras, podem fazer parte desta iniciativa que o município considera como “pioneira”. Porém, cada espécie só pode ser utilizada onde a vegetação o permita, para não causar danos na flora local.
No predito espaço, vedado para os animais não saírem para a via pública, foi colocada água e outras forragens próprias da alimentação destes pequenos ruminantes.
Não se utilizam ali cabras por haver oliveiras e estes animais não serem apropriados para esta função, visto que, praticamente, comem todo o tipo de vegetação.
Já outros espaços, como o Parque Urbano do rio Fresno, com cerca de seis hectares, área nobre da cidade, poderá ser alvo desta experiência com a utilização do burro mirandês, dadas as caraterísticas da área a limpar e a desmatar, que é apropriada à dieta destes animais.
Diz a autarca de Miranda do Douro que a iniciativa tem uma dupla função: a limpeza e fertilização das zonas verdes que circundam a cidade; e mostrar, a quem visita a cidade, as raças autóctones, como as ovelhas de raça churra galega mirandesa ou o burro mirandês, importantes elementos do património genético deste território do Nordeste Transmontano.
Por sua vez, Andrea Cortinhas, secretária técnica da Associação de Criadores de Ovinos de Raça Churra Galega Mirandesa, sustenta que a utilização de animais na limpeza das zonas verdes permite o controlo sustentável da vegetação, pois não se utilizam biocombustíveis na mão-de-obra para executar estas operações de limpeza e transforma-se o manto vegetal na melhor proteína, a existente na carne de cordeiro mirandês.
Trata-se de uma louvável iniciativa, mas que, em minha opinião, não envolve pioneirismo, porquanto já é longo o historial das “cabras sapadoras” e do seu papel na prevenção de incêndios florestais. São rebanhos caprinos mantidos a fim de prevenir incêndios florestais a partir de cuidada gestão de pastoreio, com a consequente gestão de combustíveis (vegetação), habitat e paisagem. Assim, na tentativa de viabilizar o controlo dos matos na floresta, diversas empresas oferecem este tipo de serviços de pastoreio dirigido, por exemplo: a 5.ª Lógica, projeto familiar existente no Sistelo (Parque Nacional Peneda-Gerês) de pastoreio planeado para a prevenção de incêndios e gestão da paisagem e biodiversidade; a Caprinus & Companhia, que utiliza cabras no seu modelo de gestão sustentável, defendendo benefícios à escala ambiental, económica e social e fazendo-o a um ritmo que garante a manutenção da biodiversidade e produtividade dos diferentes locais; e a Back to Basic, em articulação com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, comprovando a viabilidade económica da solução na manutenção da limpeza de terrenos, pois, em três meses, 26 cabras consumiram mais de 12 toneladas de mato.
Também em Espanha, um projeto similar de “cabras sapadoras”, Red de Áreas Pasto-Cortafuegos de Andalucía (RAPCA), paga entre 42 euros e 90 euros por hectare de pastoreio em zonas corta-fogo de florestas públicas. O preço varia consoante a dificuldade associada à zona e o cumprimento dos objetivos estabelecidos de redução de biomassa: consumo de 90% do crescimento anual de herbáceas e 75% do crescimento anual de arbustos. E a iniciativa Fire Flocks leva rebanhos a pastar em zonas florestais pré-definidas para controlo da vegetação. Os produtos resultantes desta atividade pastorícia têm selo que certifica os benefícios e o apoio na prevenção de incêndios.
Assim, em 2019, num misto de espanto com insólito, o jornal norte-americano The New York Times noticiava a utilização de “cabras sapadoras”, num programa desenvolvido pelo Governo para cinco anos, prevendo que anualmente seja aumentada “a área de gestão de combustíveis”. A expectativa era que, por via da pastorícia, estivessem a ser geridos 20 mil hectares por rebanhos de cabras sapadoras ou “bombeiros low cost”. E o Governo português, após a notícia do jornal norte-americano, decidiu apoiar os pastores que colocam os seus rebanhos em risco. As ajudas incluem financiamento para a compra de animais e construção de cercas.
Em Vermelho, uma aldeia no interior do Algarve, visitada pelo referido jornal, havia entre 40 a 50 agricultores que disponibilizavam as suas cabras em quase três mil hectares de áreas consideradas mais vulneráveis aos fogos.
As cabras – já eram 10.800 por todo o país – comem a vegetação rasteira que ajuda na combustão e na propagação do incêndio. No entanto, o aludido jornal lembrava que isto não se aplica a mais território devido à falta de trabalhadores no setor.
Já em 2016, a Junta de Freguesia de Serro Ventoso, do concelho de Porto de Mós, em parceria com a associação Vertigem lançou o projeto de “cabras sapadoras” com o objetivo de estender ao turismo e à educação ambiental o projeto de contenção de fogos florestais.
Além de ajudarem a manter os terrenos limpos, criando faixas de contenção de incêndios, os rebanhos permitem “criar postos de trabalho, multiplicar os animais e vender os cabritos para o mercado alimentar e, ainda, vender o estrume”. Por outro lado, os animais têm a alimentação reforçada com os sobrantes hortícolas de um dos supermercados da vila, “desperdícios que iriam para o lixo e que assim são reaproveitados”.
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Quem não gostou da denominação de “cabras sapadoras” foi a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP), considerando-a abusiva e indigna. A sua reação surgiu após o Governo ter anunciado que iria avançar com projetos-piloto de “cabras sapadoras” com rebanhos dedicados à gestão de combustível florestal na rede primária.
Não contestando a importância do projeto, os bombeiros adiantavam que a designação é “infeliz e desrespeitosa” para com a classe que foi tão sacrificada na defesa do país. Com efeito, segundo a ANBP, “nunca na história, nem no tempo em que o rei D. João I criou os bombeiros profissionais, nem no tempo do Salazar, os bombeiros foram alvo de um tratamento tão pouco digno”.
É caso para perguntar se também os CTT e os carteiros levam a mal a designação tradicional de “pombo-correio” dada a determinadas aves que transportam mensagens.
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Mostrando que os animais herbívoros podem ser bons aliados no combate aos incêndios, mas outros menos óbvios, como as térmitas, aves ou elefantes, também são importantes, um estudo de investigadores australianos, publicado na revista científica Trends in Ecology & Evolution, descreve atividades, como fazer ninhos, fazer caminhos ou mastigar erva como tendo influência na propagação e severidade dos incêndios florestais.
Os investigadores anotam que, em relação aos animais que comem erva, é importante perceber que tipo de plantas comem e que plantas deixam para trás, porque podem estar antes a potenciar os incêndios. Na verdade, “muitas das coisas que tornam uma planta boa para comer são as coisas que a tornam resistente às chamas”, disse Claire Foster, bióloga e investigadora da Universidade Nacional Australiana, pois, ao remover essas plantas, ficam as mais secas e inflamáveis.
Por isso, como dizem os investigadores, nem sempre os grandes comedores de plantas são bons para evitar os incêndios. Assim, quando usados estrategicamente e nos ecossistemas corretos, os mamíferos herbívoros (como as cabras) podem ter fortes efeitos supressores de incêndios, mas também há muitos exemplos de animais que fazem o oposto e que aumentam o risco de incêndios graves.
Entretanto, há outros animais, menos óbvios, que podem ter um papel na defesa contra incêndios, como os insetos, que se alimentam de folhas e estimulam a produção de produtos químicos defensivos nas plantas, alterando-lhes a inflamabilidade. Outros insetos têm papel importante na remoção de folhas mortas do solo da floresta. Há animais que podem alterar a propagação do fogo alterando o arranjo das plantas ou materiais mortos dentro do seu habitat, como certos tipos de pássaros. E outros, como os elefantes, pisam as plantas e formam amplos corredores entre a folhagem, que podem servir de corta-fogo, no caso de um incêndio.
Enfim, o consumo direto de plantas é só um dos mecanismos que influenciam o comportamento do incêndio florestal. Há formas mais subtis que os animais usam para alterar o comportamento e a propagação do incêndio. Mas a limpeza e o equilíbrio dos ecossistemas também contam.
26/05/2022