Vá queixar-se ao bispo!
Nunca tinha ouvido falar da existência de tal expressão, mas parece que decorre do direito português antigo, quando os bispos eram autoridades com poder para fazer justiça em casos de brigas de vizinhos, entre marido e mulher ou entre irmãos. A expressão “vá queixar-se ao bispo” (ou “vá se queixar ao bispo”) apontava para os queixosos irem procurar quem lhes podia resolver as injustiças de que se julgavam alvo.
Talvez no Brasil, na época colonial, esta expressão fosse mais utilizada, até porque os bispos, nesse tempo e neste território, tinham a função de “ouvidores da coroa”.
Conta-se, a respeito deste dito popular, uma história muito curiosa. Um dos grandes problemas do início da época colonial, no Brasil, era o seu pouco povoamento e daí um requisito, então, considerado fundamental para o casamento ser a fertilidade da mulher. Porque ter filhos era muito importante, tornava-se indispensável que a mulher mostrasse ao homem que era fértil.
Por este facto, a perda da virgindade da mulher até ao casamento deixava de ser considerada pecado. A Igreja permitia que os noivos tivessem relações sexuais antes do casamento, por entender ser a única maneira de o noivo descobrir se a noiva era fértil.
Nas camadas sociais mais baixas, viver junto antes do casamento equivalia, na linguagem da época colonial, aos chamados “desponsórios de futuro”, isto é, uma união que tinha em vista um futuro casamento.
Na realidade, alguns homens, após experimentarem a fertilidade das mulheres, mesmo que elas fossem fecundas – engravidando antes do casamento –, partiam para novas experiências, deixando as noivas desoladas. As noivas frustradas iam-se queixar aos padres das suas igrejas, os quais as mandavam ir queixar-se ao bispo. “Tá achando ruim, vá falar com o bispo!”, recomendavam os párocos. O mesmo é dizer que fossem procurar quem pudesse resolver esses problemas.
O bispo poderia mandar capturar o noivo, mas este, muitas vezes, já tinha zarpado para outras paragens. A conclusão é a de que, com muita frequência, não adiantava reclamar.
No Diário de Pernambuco (edição de 18 de Novembro de 2019), o articulista Meraldo Zisman (autor do artigo “Viver muito passou a ser um crime (vá se queixar ao bispo)” escreve: “Embora pareça um desaforo (e hoje é), o debochado dito ‘vá reclamar com o bispo’ pode ter origem no Livro dos Juízes do Direito Medieval Visigótico e nas regras do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição). Queixar-se ao bispo era/estava na Lei. Em outras palavras: vá procurar quem pode resolver o problema.”
Segundo o advogado e académico brasileiro Renato Moreira de Abrantes, a expressão “Vá queixar-se com o bispo” vem de longe, “lá do século VII, quando saiu a primeira edição do Liber Iudicium (ou “Livro dos Juízes”), depois chamado, na Espanha, de Fuero Juzgo, uma espécie de manual de procedimentos para orientar os que julgavam o povo e que nasceu da nem sempre harmoniosa relação entre a Igreja e o Estado”.
.
10/08/2023