Vender banha da cobra
Ainda me lembro de, no jardim de Algés, ver vendedores de “banha da cobra”. Um homem, com chapéu e fato muito gasto, discursava em cima de uma caixa ou de um banco para uma pequena multidão.
Falava quase sem parar, apregoando um produto milagroso capaz de curar todos os tipos de doenças. A sua oratória era impressionante e conseguia manter aquela pequena assembleia atenta à sua propaganda e até havia quem comprasse o seu produto.
Duvido de que aquele pseudo-remédio curasse alguma coisa, mas o povo interpretava estes produtos como uma reminiscência de pomadas ou de unguentos que os curandeiros, nas suas aldeias, faziam. Talvez por isso, comprava.
Actualmente, quando dizemos que alguém está a “vender banha da cobra”, queremo-nos referir a uma pessoa que nos quer vender ou impingir alguma coisa que é falsa, que é uma aldrabice.
Esta expressão aplica-se a um elevado leque de situações que vão desde a política a anúncios de produtos comerciais, e mesmo até a ideias que nos querem impingir, atendendo aos inúmeros vendedores de ilusões.
Recordando um artigo jornalístico, no Sol, sobre a pandemia dos medicamentos falsificados, Ricardo Nabais escreve que já nos idos do século XVII, o Padre António Vieira proclamava que “dores certas não se podem curar com remédios duvidosos”. “Mas vender banha da cobra, unguentos milagrosos e bálsamos de Ferrabrás – o remédio ficcional criado por Cervantes para martirizar o seu D. Quixote – é uma tendência muito antiga, que pode remontar aos primórdios da humanidade”, sublinha o articulista.
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, um vendedor de banha da cobra é um aldrabão. Talvez por isso, o ex-eurodeputado José Silva Peneda afirma, num artigo de opinião no Jornal de Notícias (edição de 20 de Janeiro de 2007), que o “vendedor da banha da cobra não é uma personagem de histórias de ficção”. “O vendedor de banha da cobra existe, evoluiu, continua por aí e é muito hábil e astuto”, assegura o mesmo político, adiantando de forma muito expressiva: “Todos sabemos que a banha da cobra não serve para nada[,] mas a convicção que esse vendedor transmite, através [de uma] oratória bem estudada e estruturada, convence muita gente sobre as capacidades infinitas do milagroso medicamento. Impigens, mau-olhado, torcicolos, urticária, febre dos fenos, dentes, nervos, escleroses, artroses, entorses, diarreias, sarampo, escarlatina, espinhela caída, dores das cruzes, doenças do miolo, treçolho, verrugas, cravos e desmanchos são alguns dos males que a banha da cobra afastava a quem a quisesse comprar.”
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09/03/2023