Venezuela e o petróleo
Quando Hugo Chávez assumiu a presidência da Venezuela, em 1998, ele tinha bem claro que seria difícil tirar o país da sua lógica histórica de viver do rentismo petroleiro. Naqueles dias, o país praticamente importava tudo o que consumia.
Por isso, um dos pilares da economia chavista foi a proposta de crescimento endógeno, buscando ampliar a indústria, bem como a produção de alimentos. Mas, sua opção pelo socialismo fez da Venezuela mais um inimigo perfeito para os Estados Unidos da América (EUA) e o governo de Chávez passou a ser atacado de todas as formas. Até mesmo um golpe de estado foi armado para tirar o inoportuno do caminho da velha elite petroleira, porque Chávez estava invertendo as prioridades, usando a renda petroleira em benefício da população.
Para os Estados Unidos, Hugo Chávez e o bolivarianismo(1) eram pedras muito inconvenientes. Quando Chávez morreu, em 2012, deixando Nicolás Maduro como seu vice-presidente, mais uma onda de ataques partiu dos EUA. Maduro não poderia assumir, era ilegal e outros que tais… Foi realizada nova eleição. Maduro venceu. Era preciso lidar com ele. Mas os EUA não queriam lidar com Nicolás Maduro e definiram duras sanções contra o país. Incentivaram a criação de um presidente fictício – Juan Guaidó – e iniciaram uma guerra econômica contra a Venezuela, buscando estrangular a economia e, assim, o governo.
Foram anos duros para a população, que viu o preço do petróleo cair, os recursos do país serem roubados pelos bancos estrangeiros e os produtos necessários para a vida deixarem de chegar às prateleiras. Milhares de pessoas buscaram o caminho da migração e outras tantas, que ficaram, enfrentaram o pão que o diabo amassou por conta das sanções e do roubo das divisas. Nem mesmo quando chegou a pandemia do coronavírus, em 2020, o império estadunidense aliviou. Sem o dinheiro que havia sido surripiado pelos bancos, a mando dos Estados Unidos, não havia recursos para comprar material hospitalar, nem remédio nem vacina. Foi um drama. Ainda assim, a população enfrentou com valentia e o governo acabou conseguindo ajuda da China e da Rússia para o combate à doença.
Os Estados Unidos seguiam dispostos a derrubar Maduro de qualquer maneira, a ponto de até tramarem o seu assassinato, chegando a oferecer um preço pela sua cabeça, num ato criminoso e terrorista, que jamais foi questionado pela mídia internacional ou pelos movimentos de direitos humanos. Uma tentativa levada a cabo por um grupo de mercenários foi desarticulada, mas a recompensa prometida seguiu colocando em risco o presidente Nicolás Maduro.
Só que o tempo passou e a economia mundial teve uma viragem de timão. A guerra fomentada pelos Estados Unidos na Ucrânia levou a Rússia a atacar o país vizinho e, logo em seguida, sofrer sanções por parte dos EUA. O resultado disso foi a fragilização da Europa que depende, e muito, da Rússia para garantir a energia que movimenta a vida. Além disso, novos conflitos na região do Oriente Médio obrigaram os Estados Unidos a voltar novamente os olhos para a Venezuela. Afinal, ali, no norte da América do Sul, está concentrada a maior reserva de petróleo bruto do Mundo. Não é à toa, portanto, que cause tanto alvoroço um governo não alinhado com os EUA.
O fato é que a guerra na Ucrânia obrigou tanto os Estados Unidos quanto a Europa a buscar novas alternativas e os governos, de repente, voltaram a querer normalizar as relações com a Venezuela, de olho no seu petróleo. Foi paradigmático o encontro entre Maduro e o presidente francês na COP27. Emmanuel Macron todo simpático com aquele a quem toda a mídia chama de “ditador”, apesar de ter sido eleito democraticamente nas duas eleições que disputou.
Maduro, que não é bobo, imediatamente abriu caminho para negociações. Enfim, quer recuperar o dinheiro que estes países – através dos seus bancos – roubaram do povo venezuelano. Telefonemas “pra lá”, telefonemas “pra cá”… E os “velhos inimigos” agora se apresentam cheios de salamaleques. Maduro está disposto a vender o petróleo, mas diz que não vai abrir mão da soberania da Venezuela. Isso ainda vamos ver.
Recentemente, Nicolás Maduro fechou acordo com uma das grandes do chamado grupo das Big Oil, a estadunidense Chevron. “Nós temos o petróleo que os EUA e a Europa precisam”, afirmou Maduro, começando as tratativas (acordos ou ajustes) para tornar a Venezuela a segunda maior provedora de petróleo do Mundo. Com esse acordo, junto da Chevron, Maduro pretende extrair e produzir na Venezuela o petróleo que movimentará o Mundo. Até agora, boa parte das refinadoras de petróleo do país está nos Estados Unidos, por conta de décadas de subserviência. A parceria com a Chevron vai permitir que o setor de petroquímica cresça e, com isso, o governo vai também poder ampliar todo o bloco de produção de gás.
Nicolás Maduro está aproveitando o momento, buscando fazer acordos que favoreçam a Venezuela e permitam que a população saia do aperto provocado pela guerra econômica imposta pelos Estados Unidos. Segundo ele, isso não vai parar o projeto de ampliação da produção local que quer garantir uma economia livre do rentismo petroleiro. Por isso, quando anunciou o acordo com a Chevron, também conclamou o empresariado local a investir num novo modelo de economia diversificada.
O presidente também informou a população de que, relativamente ao produto interno bruto (PIB) deste ano, a Venezuela vai ter um incremento de dois dígitos. “Isso é maravilhoso para a nossa economia, porque esse incremento se dá a partir de uma riqueza que não é petroleira e nós vamos manter essa linha”, considera Nicolás Maduro, ressaltando que as sanções contra a Venezuela fizeram muito dano ao povo, mas que ele não vai ideologizar as relações comerciais. O que puder lucrar dos governos europeus e até dos Estados Unidos para melhorar a vida dos venezuelanos, o povo vai lucrar.
A mudança na relação dos governantes europeus com a Venezuela, em função de que agora precisam dela, já fez com que o governo venezuelano recuperasse três bilhões de dólares que tinham sido surripiados pelos Estados Unidos e pela Europa, como resultado de um acordo firmado entre o governo e as oposições que dialogam na Plataforma Unitária. Uma vitória importante de uma mesa que se estendeu por meses, tendo o governo do México e da Noruega como mediadores, e que chegou a esse resultado no dia 26 de novembro. “Não temos problema algum de dialogar com adversários e até com inimigos, se for para o bem dos venezuelanos”, observa Maduro.
A mudança na relação dos governantes europeus com a Venezuela, em função de que agora precisam dela, já fez com que o governo venezuelano recuperasse três bilhões de dólares. (Créditos fotográficos: Agência Venezuelana de Notícias – brasildefato.com.br)
Resta saber se essa mudança nas relações conseguirá ser feita sem que a Venezuela perca a soberania. É um complexo e intrincado tabuleiro geopolítico que Maduro parece estar a conseguir manejar muito bem. Lembrem que Macron, o presidente francês, que apoiou e financiou o golpista Juan Guaidó, e que sempre chamou Maduro de ditador – assim como toda a mídia internacional pelega – apertou a mão de Nicolás Maduro no Egito, meigamente o chamando de “presidente”. Pois é! O mundo também capota.
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Nota da Redacção:
1 – O termo “bolivarianismo” advém da referência ao general venezuelano, do século XIX, Simón Bolívar, que liderou a luta pela independência em grande parte da América do Sul, sobretudo nos países historicamente bolivarianos (Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Panamá e Venezuela).
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Nota do Director:
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15/12/2022