Viagens pelas terras de Espanha (I)
Há uma literatura de viagens e o vasto território espanhol, com as suas muitas mudanças de paisagens, tem servido de inspiração a muitos autores hispânicos. A grande obra de Miguel Cervantes pode ser considerada uma delas.
Julio Llamazares1, escritor e cronista espanhol já realizou viagens de milhares de quilómetros durante os últimos dezasseis anos. No ano de 2001, iniciou um périplo pelas terras de Espanha para conhecer as setenta e cinco catedrais do país. Uma aventura da qual surgiram dois livros: “Las rosas de piedra”, em 2008;e, mais tarde, “Las rosas del sur”.
O escritor assinala as aventuras de “Don Quijote de la Mancha”, como “el gran viaje de la literatura española, lectura fundamental para conocer el país”. Llamazares cita também, entre outros, Camilo José Cela, com “Viaje a la Alcarria”, e Miguel de Unamuno, que dedicou muitas horas a percorrer a Península Ibérica, na sua obra “Por tierras de Portugal y España”.
Há quase 12 anos que eu não visitava Madrid e, numa breve viagem, neste mês de Agosto, volto a uma cidade que sempre me apaixonou pela sua arquitectura e geografia urbana, assim como pelos seus museus, pelos seus teatros e cinemas. E, claro, pela sua gastronomia.
Hoje, Madrid é, cada vez mais, uma cidade cosmopolita, como Barcelona, que visitei ainda neste ano. Ambas as cidades permitem uma convivência de muitas comunidades, nas quais se destacam as latino-americanas, as paquistanesas, indianas e de outras origens asiáticas. A restauração original ou tradicional é, hoje, mais difícil de encontrar, enquanto a oferta cresce com pizzarias, trattorias, taquerias mexicanas e os estabelecimentos de kebab turcos. A fast food converte-se numa alternativa mais económica e rápida para o turista que, em poucos dias, quer tirar o máximo partido da sua viagem.
Mesmo assim, Madrid não perde o seu encanto!
Nesta viagem, tive a oportunidade de voltar a Alcalá de Henares, a terra de Cervantes e de visitar novamente um dos teatros mais antigos de Europa, o Corral de Comedias, na companhia de uma excelente e histriónica guia que nos relata a História e as histórias que caracterizam este teatro ainda em funcionamento, graças à gestão e direcção artística do Teatro de la Abadia de Madrid – companhia teatral madrilena que tivemos a oportunidade de ver no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, em 2005.
Entre as muitas histórias deste corral, recordo que era um espaço que, originalmente, podia abrigar mais de 750 espectadores, incluindo muitas viúvas e mulheres que tinham de entrar duas horas antes do início da representação, sendo obrigadas a estar de pé numa espécie de camarote central ao qual chamavam “cazuela”, pois, literalmente, ferviam num espaço exíguo e quente.
Percorrer Madrid e constatar que a substituição de uma série de teatros e cinemas já desaparecidos deu vida a novas construções, a espaços comerciais, a novos hotéis ou estabelecimentos de alojamento local. Visitando um site na Internet, damos conta de quase cinquenta teatros e cinemas desaparecidos, envolvendo alguns dos mais belos da capital.
No entanto, o teatro é uma das actividades de grande atracção na Gran Via (artéria principal), na qual se representam os grandes êxitos do teatro musical mundial, de realçar também o Teatro Espanhol/Teatro Nacional, o Teatro Maria Guerrero, o Teatro Real/Opera, com uma belíssima programação musical.
Naturalmente, não podia faltar uma visita ao Museu do Prado (Museo Nacional del Prado)3, um dos mais belos da Europa, e ter o prazer de rever o quadro “As Meninas”, de Velázquez, lamentando que a cidade do Porto tenha perdido, toponimicamente, a praça que homenageava o pintor, lembrando as suas raízes portuguesas. Importa não esquecer Velasquez da Silva, originalmente!
Ainda tive oportunidade de visitar a Catedral e o Alcazar de Segóvia, duas obras arquitectónicas notáveis. E, por último, o Palácio Real de Aranjuez, que é uma das residências do rei de Espanha. Aranjuez não é só a obra musical de Joaquín Rodrigo, composta em 1939, é muito mais!
E como já se vaticinava, aqui ficam, também para vosso conhecimento, duas menções sobre a censura ao teatro, na recente Espanha, saída das eleições do 23 de Junho.
A primeira, em tradução livre, segundo um artigo assinado por Carmen Bachiller e por Felix Manjavacas, em 1 de Agosto de 2023, no jornal elDiario.es: “Toledo e a sua programação cultural estão, hoje, no olho do furacão nacional e internacional. A denúncia de ‘censura’ da jornalista mexicana Lydia Cacho colocou em evidência o recém-constituído governo local do PP e do Vox. ‘Esta é a primeira vez que nos censuram na Espanha’, disse ele ao La Ventana na Cadena Ser quando soube que a sua peça ‘La infamia’ havia caído do poster do Teatro Rojas de Toledo.”
A segunda notícia, na edição de 28 de Junho de 2023 do diário El Salto, diz que “Vox censura a apresentação teatral de ‘Orlando’ de Virginia Woolf em Valdemorillo”: “O novo conselheiro de cultura de Valdemorillo, do Vox, cancela a apresentação teatral de ‘Orlando’ prevista para novembro porque “o protagonista passa de homem a mulher e denuncia as diferenças que isso significa”, segundo a companhia Teatro Defondo.”
.
Notas:
1 – Julio Alonso Llamazares é um escritor e jornalista espanhol que nasceu, a 28 de Março de 1955, no desaparecido povoado leonês de Vegamián, onde o seu pai, Nemesio Alonso, trabalhava como maestro nacional, pouco antes de a localidade ficar inundada pela barragem de Porma.
O Teatro de La Abadia esteve presente no TNSJ, em 2005, com uma exposição sobre a remodelação e a recuperação do edifício que deu origem a essa sala de espectáculos, sob o título, “Nada es como es, sino como se recuerda: Teatro de La Abadia”.
Também nessa oportunidade foram apresentados dois seus espectáculos: “Azaña una pasión española”, a partir de textos de Manuel Azaña (de 1940). De acordo com informação disponibilizada pelo TNSJ, lemos: “Una figura clave en el devenir histórico y política de nuestro país. La palabra de Azaña se organiza, en este espectáculo, según tres grandes ejes temáticos: el autorretrato y su propia figura pública, la reflexión sobre la historia de España – el régimen republicano, laicismo y Guerra Civil –, y la meditación sobre el arte y el paisaje españoles.”
E o espectáculo “Sobre Horacios e Curiacios”, a partir de Bertolt Brecht.
Refira-se que Manuel Azaña Díaz foi um político espanhol, segundo e último presidente efectivo da Segunda República Espanhola.
2 – Recordo que a visita ao Museu de El Prado, é gratuita, todos os dias, a partir das 18h30.
.
21/08/2023