Visita “relâmpago” a Massangano
– Masa, ngana[1]!
Assim terão respondido às súbditas de Ngola[2] ao serem abordados por homens brancos que acabavam de desembarcar numa canoa movida a remo e que se fez da foz do rio Kwanza, em Luanda, à região intermédia entre a Kisama[3] e Ndondo[4].
– Que terra é essa? – Terão questionado os emissários de Sua Majestade, Rei de Portugal, capitaneados por Paulo Dias de Novais que travaria, anos adiante, pesadas lutas contra as forças do Soberano Ngola Kilwaji kya Samba, titular dos povos do Ndongo.
– Masa, ngana! – Responderam as akwandongo[5] que se encontravam a moer milho numa pedra, à beira do caudaloso Kwanza. Terão percebido “o que é isso que estais a moer?”, emitindo a resposta que se tornou topónimo.
Os livros de História sobre as epopeias do legatário Paulo Dias de Novais e os que narram a resistência dos africanos à presença europeia estão prenhes de cenas sobre os avanços, recuos e até captura e prisão do Português. As confrontações entre lusitanos e holandeses pelo domínio de Luanda também estão retratados em livros.
Até que o brasileiro Salvador de Sá e Benevides apareceu em socorro da “soberania portuguesa”, os holandeses se tinham assenhorado de Luanda. Massangano, contam os livros e as lápides, foi o baluarte onde se travaram e se defendeu o brasão das quinas.
Até aqui, bastar-nos-ia a Biblioteca Nacional, o Arquivo Histórico Nacional ou, para os mais afortunados, a Torre do Tombo ou o Arquivo Ultramarino. Mas estaria, mesmo assim, em falta o contacto físico. Pois é, a “cidade” (à época) de Massangano, erguida no Séc. XVI, conserva até hoje as suas planas ruas “arquitectónica desenhadas sobre a parede alta do Rio”, a Igreja Católica (religião de Estado naquele tempo), Fortaleza com seu longo mastro (sem bandeira alguma), a Primeira Câmara Municipal, a residência oficial do chefe da câmara, o Tribunal e casa de Reclusão, entre outros edifícios em ruínas, todos eles autênticos fortes paleolíticos e já sem a cobertura.
É essa a preciosidade, com valor histórico-cultural e turístico, que o Kwanza abraça no seu descendente leito para o Atlântico e que a inexistência de uma estrada em condições esconde aos curiosos e aos putativos turistas.
Aos aventureiros que se lançam ao desafio de “descoberta”, num bom jeep, são “apenas 33 minutos de sacrilégio até encontrar o “tesouro histórico – turístico” que, normalmente, transforma o desconforto e cansaço da viagem em agradáveis momentos de contemplação.
No tempo doutra “divindade”, o asfalto fazia-se da rodovia principal, EN 130, ao conglomerado de Massangano. Hoje, porém, são apenas buracos, lamentos e, às vezes, alguns milímetros da antiga negrura do asfalto a contar outra história do valor que já teve Massangano para seus fundadores e moradores.
Entre desventuras, há também aplausos: a fortaleza é monumento classificado pelo Estado português, Portaria de 24 Abril de 1923, e devidamente reconhecido Ministério da Cultura de Angola.
É pena que sejam hoje os cabritos que mais o frequentam as ruínas de Massangano, ao contrário dos homens desse tempo.
Por lá já chegou a energia eléctrica, saída da barragem hidro-eléctrica de Kambambi[6]. Os candeeiros de azeite e torcida de algodão, que ao tempo se achavam colocados em postes de pedra e cal, cederem lugar às lâmpadas eléctricas.
O kakusu[7] e o bagre, abundantes no rio Kwanza e lagoas próximas, já podem ser congelados. A vida ganha(ria) vida com asfalto que propiciaria o acesso facilitado e a promoção mediática do que o denso matagal esconde aos olhos dos homens distantes.
É imperioso contar e mostrar mais a História e as estórias da “primeira capital” da autoridade portuguesa em terras Ngola, que se acha encravada entre a Muxima e Ndondo, pelo corredor do Kwanza.
[1] É milho, senhor (do Kimbundu, língua local angolana)
[2] Título real no antigo reino de Ndongo e Matamba (Angola)
[3] Lê-se Quiçama. A grafia Kimbundu não admite o dígrafo “Qu”.
[4] Dondo em Português (cidade angolana na margem do rio Kwanza).
[5] Naturais de Ndongo.
[6] Cambambe em literatura portuguesa.
[7] Tilápia