Vitamina: um nome centenário

Créditos: Apostolos Vamvouras (Unsplash)
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O instinto de sobrevivência deve ter sido apresentado cedo aos nossos antepassados hominídeos, bem como a outros mamíferos e anteriores ancestrais, ao aperceberem-se de que alimentos diferentes causam efeitos diversificados sobre o estado de saúde; e também de que alguns são mais necessários do que outros, para não ficarmos doentes – ou, pelo contrário, para ficarmos mais vistosos e cativantes para a selecção sexual.

De facto, não ingerimos alimentos só para crescermos e termos energia. Porém, a razão desta relação entre o estado de saúde (ou de doença) e a presença ou ausência de determinados alimentos na dieta manteve-se desconhecida para os humanos durante milénios.
Uma primeira relação entre uma doença, o escorbuto, e falta ou ausência de frutos, principalmente citrinos e vegetais na alimentação, foi repetidamente relatada nos diários das longas viagens marítimas. No século XVIII, a Marinha Real Britânica passou a incluir citrinos e vegetais frescos (os quais reabastecia nos diferentes portos marítimos) nas rações dos seus marinheiros para evitar que adoecessem com escorbuto.
Nos finais do século XIX, mais precisamente em 1897, o médico e patologista holandês Christiaan Eijkman (1858-1930) demonstrou uma relação causal entre outra doença, o beribéri, e a casca dos grãos de arroz.

A descoberta de Eijkman foi acidental, como tantas vezes acontece em ciência, apesar de se ter deslocado até à Indonésia, exactamente, para estudar aquela doença, que provoca perturbações graves nos sistemas nervoso e cardiovascular. Christiaan Eijkman teve a perspicácia de relacionar sintomas detectados em alguns frangos usados no seu laboratório, aquando da alteração temporária da alimentação destes. Assim que a alimentação dos frangos doentes foi enriquecida com arroz integral estes melhoravam, e os sãos não adoeciam. Eijkman não identificou nenhum ingrediente responsável por esta relação causal, apesar de ter verificado que o mesmo efeito se verificava em humanos.
Através da privação de fracções e de compostos isolados de determinados alimentos, na dieta de cobaias animais, os cientistas apertaram o cerco à natureza bioquímica do que, na realidade, evitava aquela e outras doenças.

Em 1906, o bioquímico inglês Frederick Gowland Hopkins (1861-1947) sugeriu que os alimentos, para além de proteínas, de hidratos de carbono, de gorduras, de minerais e de água, deveriam conter aquilo que denominou por “factores alimentares acessórios”, cuja presença era necessária para manter o estado de saúde.
Eijkman e Hopkins foram galardoados, em 1929, com o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina, pelos seus trabalhos, os quais conduziram outros cientistas à descoberta das vitaminas.

A identificação bioquímica do “factor alimentar acessório” presente na casca do arroz chegaria mais tarde, quando, em 1911, o bioquímico Kazimierz (ou Casimir) Funk (1884-1967), polaco de nascimento, descobriu que o factor responsável pelo não desenvolvimento da doença beribéri era uma substância que apresentava uma função amina. Isto é, uma molécula que possuía um grupo bioquímico funcional amina (–NH2), composto por um átomo de azoto (N) e dois átomos de hidrogénio (H), ligado a um outro determinado átomo de uma dada molécula presente na casca do arroz. Funk baptizou, em 1912, há cento e dez anos, este composto por vitamina (a partir da palavra latina vita – que se refere à vida ou à existência – e do sufixo amina, do grupo bioquímico). Ou seja, o “factor acessório alimentar” de Hopkins era uma amina vital! Hoje, sabemos que Funk descobriu a tiamima ou vitamina B1.

Em 1912, Hopkins e Funk postularam a “hipótese da deficiência vitamínica”, propondo que a ausência, num dado sistema orgânico, de quantidades suficientes de uma certa vitamina, poderia levar ao desenvolvimento de uma determinada doença.
O termo “vitamina” foi rapidamente generalizado a todos os “factores alimentares acessórios”. Actualmente, sabemos que a maior parte das vitaminas – entretanto identificadas, caracterizadas quimicamente e com o respectivo mecanismo de acção bioquímico esclarecido – não possui o grupo funcional “amina” na sua composição. Contudo, devido à generalização inicial do termo e por metonímia (isto é, empregando uma palavra fora do seu contexto semântico normal, numa relação de contiguidade), ainda hoje nos referimos a essas substâncias por vitaminas.
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(*) Artigo publicado no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
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09/06/2022