Vitamina W

 Vitamina W

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Wasta é uma palavra árabeque descreve a influência e conexões que ajudam uma pessoa a ter acesso a oportunidades e a serviços de maneira fácil. Embora, originalmente, o termo signifique “mediar ou negociar algo”, ter wasta permite meter cunhas e facilitar a vida de uma maneira que escapa à maioria dos meros mortais. O wasta – também conhecido por “Vitamina W” – é tribal e estende-se à família, mas não é unidirecional. Quem consegue algo em função da influência familiar e falta às responsabilidades (não nos esqueçamos que uma mão tem sempre de lavar a outra) acaba por responder perante o seu patriarca e por ter de salvar a honra, de alguma maneira.

Caricatura que mostra, em exemplo gráfico, a prática informal de wāsṭa: fora do escritório de um administrador, wāsṭa é visto aqui a abrir a porta a um candidato subqualificado, negando a entrada ao candidato com credenciais excelentes. 
(Créditos de imagem: Amro Atef Nasr Al Sharqawi – www.in-formality.com)

Não precisamos de ir até ao Médio Oriente para encontrar “cunhas”, mas pareceu-me interessante que o conceito seja parte normal da vida e da sociedade; algo que, embora mau, se tem (ou não). Conseguir uma mesa num restaurante popular sem reserva? Wasta. Um visto renovado em tempo recorde? Wasta. Trabalho no Governo sem grandes entraves? “Vitamina W”! Falamos de nepotismo? Sim, mas é mais transparente do que fingir que não existe, em particular, quando a opção ocidental foi esconder uma lógica parecida atrás de uma das palavras favoritas do mundo dos negócios: networking.

Outro estrangeirismo, desta vez inglês, networking significa, num sentido literal, “trabalhar as (nossas) redes (sociais)”. É uma habilidade cada vez mais recomendada no contexto profissional e uma das obsessões do mundo moderno. Ser “alguém” vai muito além das nossas capacidades e resultados, é também resultado das conexões que podemos fazer. Por isso, em teoria, quantas mais pessoas conhecemos, melhor. No fundo, equivale a ter na nossa rede quem nos possa ajudar com o que for preciso. Apesar de ser tão parecido na sua execução, network soa muito mais limpo e higiénico que wasta. Uma vez que o conceito se vende de maneira muito mais inocente, ninguém diria abertamente que, ao fazer networking, pretende conhecer pessoas que podem facilitar alguma situação.

Wasta faz parte, por exemplo, da cultura do Catar. (Créditos fotográficos: Alexey Sergeev – www.qatarliving.com)

Enquanto o wasta está embrenhado na cultura, resultado da evolução de contratos sociais que datam de tempos tribais, o networking vende-se como algo novo. Tão novo que até precisamos de cursos para aprender a fazê-lo. Isto é engraçado porque as pessoas sempre tiveram de fazer networking, algo que o mundo globalizado e online parece ter esquecido. Quando alguém ia à feira ou ao mercado, falando com este e com aquele, transmitir que “fulano tal, se calhar, pode ajudar… Diz-lhe que vais da minha parte”, já estava a trabalhar o seu wasta, muito antes de se pensar em fazer networking.

Wasta é nepotismo, mas, ao menos, é reconhecido como tal. O seu lado negro é o mesmo em qualquer parte: pessoas que perdem oportunidades apesar de serem mais qualificadas, acordos de negócios que vão numa direção, determinando em detrimento da melhor oferta. O filho do tal que passa à frente da fila ou, como dizem os Espanhóis, que é enchufado (verbo, normalmente, utilizado com o significado de “ligar alguma coisa à ficha”) e tem a vida facilitada em função dos demais.

Networking (Créditos fotográficos: Product School – Unsplash)

Pessoalmente, sou avesso tanto ao networking como ao wasta. O “toma lá, dá cá” é demasiado complexo para manter na minha cabeça. Por isso, às vezes, esqueço-me de que é uma parte da vida. Contudo, a maneira como ouvi falar da “Vitamina W” lembra-me que as voltas que a nossa vida dá e as oportunidades que temos vão sempre depender de quem conhecemos. É pena que, na vida, nem tudo dependa das nossas capacidades. Mas, pelo menos, devíamos assumir as coisas como são e entender o seu impacto, nem que seja para melhor combater influências nefastas.

07/11/2022

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Marco Dias Roque

Jornalista convertido em “product manager”. Formado em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra, com uma passagem fugaz pelo jornalismo, seguida de uma experiência no mundo dos videojogos, acabou por aterrar no mundo da gestão de risco e “compliance”, onde gere produtos que ajudam a prevenir a lavagem de dinheiro e a evasão de sanções. Atualmente, vive em Londres, depois de passar por Madrid e Barcelona. Escreve sobre tudo o que passe pela cabeça de um emigrante, com um gosto especial pela política e as observações do dia a dia.

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