Viver na cidade do Porto: retrato das condições habitacionais
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“Os devolutos conseguem, ao mesmo tempo, garantir habitação e garantir o direito à cidade”, afirma Bernardo Alves, representante do movimento Habitação Hoje!
A especulação imobiliária e a turistificação da cidade do Porto são dois dos vários fatores responsáveis pelo aumento do preço do arrendamento e da compra de casas na cidade, expulsando parte da sua população residente para a periferia.
Dados sobre a população residente
Segundo o portal de notícias do Porto. Ponto., com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), existe um aumento da população residente nesta cidade, desde 2017, registando-se um acréscimo de 17.241 indivíduos (ao passar de 214.587 para 231.828 habitantes).
No entanto, mesmo com este aumento demográfico, a população residente no Porto, em 2021, continua a ser inferior à de 2011, que era de 237.591 indivíduos. Ou seja, no período de 10 anos, a cidade ficou com menos 5.763 pessoas. Quando comparamos com a população existente no ano de 1981, verificamos uma redução de 95.406 residentes.
Os motivos estão relacionados com a gentrificação da cidade e a transformação da habitação, que deixa de ser um bem social, para se tornar numa mercadoria especulativa do mercado imobiliário.
Condições habitacionais em Portugal
A taxa de esforço (ou seja, a relação entre o rendimento líquido e as despesas da habitação) ideal é de 35%, como refere a especialista em finanças pessoais Bárbara Barroso.
Nesse contexto, de 2015 a 2020, o preço das casas aumentou 54,3%. O que representa mais 27,4% da média da União Europeia (UE). Por sua vez, o valor das rendas aumentou 10%, no mesmo período, correspondendo a mais 4,2% do que a média europeia, de acordo com os dados publicados pelo Eurostat (Serviço de Estatística da UE).
Perante esta subida de preços nos arrendamentos habitacionais, os salários não acompanham as exigências do mercado. Actualmente, o salário mínino nacional é de 705 euros (brutos) mensais. Nesta realidade socioeconómica, os indivíduos que vivam sozinhos e as famílias monoparentais que, por exemplo, recebam o ordenado mínimo nacional vêem dificultado o seu acesso à habitação, se estiverem dependentes dos valores do mercado.
Em Portugal, o preço da renda mensal de um apartamento T1 na periferia da cidade é de 556,26 euros, enquanto no centro urbano é de 711,49 euros. Este valor tem diferentes pesos no orçamento familiar, consoante o salário médio da família e considerando a localidade que habite, como nos diz a consultoria Money.co.uk.
Condições financeiras e gastos na habitação
Seguindo os dados da Pordata, observamos que 19,8% da população se encontra em risco de pobreza ou de exclusão social.
Na população portuguesa empregada, no ano de 2020, 9,5% tem rendimentos inferiores ao limiar do risco de pobreza, uma situação em que Portugal só é ultrapassado, na UE, pela Roménia (14,9%), pela Espanha (11,8%), pela Alemanha (10,6%), pela Estónia (10%), pela Grécia 9,9%), pela Polónia (9,6%) e pela Bulgária (9,6%).
No ano de 2020, 19,7% da população desembolsava 40% ou mais da despesa familiar com os gastos em habitação (renda, consumos de água, de electricidade, entre outros dispêndios), de acordo com a Pordata. Assim, importa conseguir que a taxa de esforço para o arrendamento da habitação (ao preço de mercado) seja de 35%, principalmente nas grandes cidades.
Para além da taxa de esforço elevada com a habitação, como também indica o Eurostat, em 2020, 17,5% da população nacional encontrava-se numa situação de impossibilidade em manter a casa aquecida, considerando ainda que 25,2 % vive em casas com infiltrações e com o tecto a pingar.
O artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa garante que todos os portugueses têm direito a habitação que esteja em condições de habitabilidade, mas os dados registados demonstram o incumprimento deste artigo.
“Quem tem dinheiro compra tudo e mais alguma coisa. E as pessoas que nasceram nas suas freguesias são cada vez menos. Está tudo a ser transformado em alojamentos locais e em hostels, tudo virado para o turismo! Eu acho que a Câmara do Porto está pouco interessada nos portuenses”, declara Alexandre Gonçalves, morador no bairro da Ribeira, junto do rio Douro.
A cidade do Porto
A população residente no município do Porto, tendo em conta os Censos 2011, era de 237.591 pessoas. Entretanto, recorrendo à plataforma de divulgação dos Censos 2021, os resultados provisórios apontam para uma população de 231.828 habitantes, verificando-se um decréscimo de 5.763 indivíduos.
Os valores médios das rendas no Porto são semelhantes à média nacional, o arrendamento de um apartamento T1 no centro da cidade tem um custo mensal de 716,97 euros, enquanto fora da cidade é de 554,06 euros, como vemos na plataforma Numbeo (que disponibiliza uma ferramenta com informação sobre os custos de vida de todo o Mundo).
Um indivíduo que habite sozinho no Porto e que aufira o salário mínimo (705 euros), não tem possibilidade de viver num apartamento T1, localizado no centro da cidade, se o arrendar aos preços do mercado. Porém, se viver fora do centro ou numa zona mais periférica, a taxa de esforço é de, aproximadamente, 79%.
De acordo com os dados recolhidos pela ENIPSSA (Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023), havia 590 pessoas em situação de sem-abrigo no Porto, no ano de 2020, representando 2,72% da população residente. Das pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo, 59% vivia em quartos pagos antes de ficar sem casa. Esta situação aumentou para 730 indivíduos, em 2021.
Segundo o vereador Fernando Paulo Sousa, com os pelouros da Educação e da Coesão Social da Câmara Municipal do Porto, “cerca de 50% das pessoas não é do Porto”. Em declarações recentes, o autarca portuense nota que a pandemia da covid-19 “agravou os problemas sociais”. “Por outro lado, houve a diminuição de penas de pessoas que estavam presas e não foi acautelado o processo de reintegração, pelo que essas pessoas acabam por ir para as grandes cidades”, constata o vereador Fernando Paulo Sousa.
É preocupante o aumento das pessoas sem tecto. Foram, pelo menos, 39 habitantes que se tornaram sem tecto no período pandémico. Neste contexto, o autarca portuense alude à necessidade de procurar soluções a nível metropolitano.
Em conversa com portuenses, quando questionados sobre a sua posição relativamente à habitação no Porto (considerando os valores do mercado de arrendamento, as reabilitações urbanas entretanto feitas, etc.), as respostas são de vária ordem. Enquanto uns mencionam “um aumento de segurança e uma notável reabilitação da cidade” (como responde um estudante residente na cidade do Porto), outros afirmam que “a população está a ser expulsa para a periferia, estando tudo a ficar descaracterizado e feito para inglês ver” (como critica uma comerciante da zona da Ribeira).
Antes de avançarmos com alguns dados que procuram esclarecer a problemática habitacional e a degradação social no Porto, tendo em conta as políticas para as combater e as propostas dadas pelo movimento Habitação Hoje! (movimento que nasce na cidade do Porto para os que defendem o cumprimento radical do direito à habitação), apresentamos uma breve contextualização histórica, a fim de percebermos como se chegou até à actual situação.
Antecedentes da urbe portuense
A população residente no Porto passou de 86.761 indivíduos, em 1864, para 194.009 pessoas, no ano de 1911, o que realça a atracção que a cidade constituía para as comunidades pobres que passavam fome nos campos.
Na óptica de Fátima Loureiro de Matos (professora do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), a expansão da cidade traduz-se por elevadas densidades populacionais no velho burgo central (freguesias da Sé, de S. Nicolau, da Vitória, de Santo Ildefonso e de Miragaia), o que, associado a uma política orientada para os interesses da burguesia, originou um aumento do custo da habitação, devido à especulação inerente aos terremos e aos imóveis, tornando a oferta de alojamentos insuportável para os estratos económicos mais baixos da sociedade.
Como consequência, o parque habitacional degradou-se rapidamente, devido à falta de salubridade e de higiene urbana (inexistência de saneamento, bem como de abastecimento de água e de instalações sanitárias), pelo que os alojamentos eram focos de epidemias, como a tuberculose e a peste bubónica (em 1899).
Relativamente às habitações da cidade destinadas à classe operária, destaca-se os alojamentos do velho burgo medievo (casas tradicionais dos comerciantes, altas e estreitas, da Sé e da Ribeira), sobreocupados e em degradação. As “ilhas” surgem como forma específica de alojamento para o operariado industrial, tendencialmente pequenas, estreitas e de um só piso, que abriam directamente para um corredor, situando-se, geralmente, nas traseiras das habitações da pequena e da média burguesia. Os promotores desta construção eram os pequenos proprietários, comerciantes e artesãos que investiam de forma segura o seu capital, em face da procura assegurada deste tipo de alojamento.
Existiam também outros tipos de habitações para a classe operária e não só, como se observava no Bairro Inglês, situado na Foz do Douro (antiga freguesia do concelho do Porto), onde se localizava uma colónia inglesa, ligada à comercialização do vinho do Porto, que constitui “o único exemplo de segregação residencial”, como informa a investigadora Fátima Loureiro de Matos, na obra “Os bairros sociais no espaço urbano do Porto:1901-1956”.
As intervenções do Governo central, até à Primeira República, incidiam em programas de higienização e neutralidade de conflitos, para reduzir a possibilidade de propagação das doenças, dando-se importância à limpeza das ruas. Em 1904, são iniciados no Porto os primeiros trabalhos nesse âmbito, com a construção de canalizações de água e de esgotos. Contudo, em 1925, apenas 25 prédios particulares estavam ligados à rede existente. Refira-se que, até 1909, pouco foi feito relativamente à habitação social.
Existiram algumas iniciativas filantrópicas como as que estiveram na origem dos bairros do Monte Pedral, do Lordelo e do Bonfim, mas, em vez darem alojamento aos operários (que constituíam o propósito da construção), os seus destinatários foram pessoas das classes bem remuneradas, como recorda a académica Fátima Loureiro de Matos.
Na Primeira República
Foi durante a Primeira República que surgiram os primeiros bairros sociais, na sequência da legislação então aprovada. Sobretudo, o Decreto n.º 4415, de 28 de Junho de 1918, cujo objectivo era incitar a construção, por parte dos privados, de habitações de boa qualidade para os trabalhadores. Todavia, neste contexto, a construção do antigo Bairro Sidónio Pais (actualmente, Bairro da Arrábida) acabou por ser promovida pela Câmara Municipal, dado o desinteresse dos investidores privados.
Avançadas pelo município portuense surgiram, no âmbito de um seu programa habitacional iniciado em 1914 e que se prolongou até ao final da década de 1920, quatro colónias operárias, recorrendo ao orçamento camarário: a Colónia Operária Antero de Quental (1914-1917), a Colónia Operária Estêvão de Vasconcelos (1914-1917), a Colónia Operária Manuel Laranjeira (1916-1917) e a Colónia Operária de Viterbo Campos (1946-1917).
Apesar de tais iniciativas, os estratos insolventes da população continuam a ocupar as ilhas e os velhos edifícios dos centros.
O êxodo rural provocado pela Primeira Guerra Mundial leva novamente a uma inflação de preços, consequentemente à sobrelotação de habitações, gerando uma nova crise habitacional, como lembra a académica Fátima Loureiro de Matos.
Mesmo com iniciativas promotoras das habitações sociais, algumas das construções mudaram o sentido da distribuição das casas. Se, em 1918 e 1919, a preocupação era definir tectos máximos para as rendas, em função da dimensão dos fogos – sem detalhar o perfil socioprofissional dos destinatários –, no Estado Novo “determinavam que as casas se destinassem prioritariamente a funcionários dos quadros permanentes dos Estado e [a] trabalhadores filiados nos sindicatos nacionais, como aconteceu com o bairro da Arrábida”, regista Ricardo Costa Agarez, no livro “A Habitação Apoiada em Portugal”.
Sobre este assunto, David Madden e Peter Marcuse – no artigo “A crise permanente da habitação”, publicado na revista Jacobin (publicação trimestral socialista norte-americana, com sede em Nova Iorque, que ab range perspectivas sobre política, economia e cultura) –, advogam que a expressão “crise habitacional” (a qual se aplica à habitação inadequada e inacessível durante um curto espaço de tempo, até que a norma regresse) não corresponde à condição real da classe trabalhadora, uma vez que, “para as classes trabalhadoras e para as comunidades pobres, a crise habitacional é a norma”.
Habitação durante o Estado Novo
Até meados de 1936, a política social do Estado Novo caracterizou-se por manutenção de um habitat social de moradia individual, para a conservação da ordem social e moral, com a família nuclear como instituição basilar do regime e pela hierarquização social das categorias das classes económicas.
As casas económicas são promovidas pelo Estado, através da concessão de facilidades na aquisição dos terrenos, da isenção de impostos e de empréstimos com taxas de juro baixas, amortizáveis a longo prazo. Com o Decreto-Lei n.º 28.912, de 1938, o Estado limita a sua intervenção, ao introduzir medidas para cativar capital estrangeiro.
O Bairro Duque de Saldanha foi construído em 1940 e requalificado em 2005, sendo constituído por 117 habitações (ou fogos). Foi o primeiro imóvel de habitação social plurifamiliar, o qual se situava próximo das “ilhas” a demolir, permitindo o realojamento da população proveniente das ilhas na área de São Victor. Esclareça-se que as ilhas do Porto são uma morfotipologia que apareceu, nos finais do século XIX, com o objectivo de alojar a abundante mão-de-obra (operariado) que não encontrava outro tipo de alojamento na cidade.
Seguiu-se a construção do bairro municipal de habitações populares de Rebordões (em 1940), do Bairro de São Vicente de Paulo, (na freguesia de Campanhã, em 1951 e requalificado em 2015), do Bairro da Rainha Dona Leonor, popularmente conhecido por Bairro de Sobreiras (em 1955); do Bairro de São João de Deus (1956) e do Bairro das Condominhas (em 1955). Intensificava-se a progressiva ocupação das freguesias periféricas, num processo iniciado com as casas económicas.
De 1940 a 1956, o município portuense construiu 1094 habitações e melhorou 285 casas nas “ilhas”, enquanto 360 casas foram demolidas. Os bairros, construídos na periferia, no Bonfim e na freguesia de Campanhã, prosseguiam as políticas de segregação espacial da habitação social.
Os planos de fomento, nos anos 50 do século XX, tiveram repercussões na expansão industrial, comercial e agrícola, resultando num surto demográfico que caracterizou o País, provocando uma procura habitacional acrescida. Nesta década, com o Estado central a transferir a responsabilidade da habitação acessível, coincide com a manutenção e o agravamento das condições de vida dos grupos com menores recursos no Porto (e em Lisboa), como indica Ricardo Agarez.
Tal contexto socioeconómico, levou à adopção do “Plano de Melhoramentos para a cidade do Porto” (ao abrigo do Decreto-Lei n.º 40616, de 28 de Maio de 1956), o qual decorreu entre 1956 e 1966. Procurava-se, então, extinguir as ilhas e criar bairros com melhores condições de salubridade, que se localizavam na periferia, resultando na deslocação da população do centro para as zonas periféricas, propondo-se e cumprindo a construção de seis mil fogos, como verifica o arquitecto e historiador da arquitetura e das cidades Ricardo Costa Agarez.
Em 1962, o plano director do Porto visou a concentração do sector terciário na área central da cidade, através da superação da função residencial. A centrifugação da população para a periferia deu início a um processo de suburbanização que dura até aos nossos dias, como salienta João Queiroz, sociólogo e investigador na Universidade do Porto.
Dadas as condições das populações mais pobres em Portugal, cria-se um organismo centralizador das competências, dos meios e das responsabilidades públicas: o Fundo de Fomento da Habitação (FFH). É, assim, criada uma estrutura para intervir não em benefício de certas classes, mas como forma de ordenamento de toda a sociedade, além de fomentar a indústria privada, como indica o arquitecto José António Bandeirinha.
Em Dezembro de 1970, ano da realização do primeiro censo do Instituto Nacional de Estatística (INE) que já incluía o aspecto da habitação (XI Recenseamento Geral da População e I Recenseamento Geral da Habitação), constata-se a existência de 31.110 habitações precárias (“barracas e outros”) no território continental; de 2.224.020 famílias recenseadas, das quais 62,6% tinha energia eléctrica, 45,8% água canalizada e 29,2% dispunha de instalações sanitárias.
Período de transição para a Democracia
Após o 25 de Abril de 1974, foi reforçada a intervenção do Estado nas políticas habitacionais, por exemplo, através da promoção directa do FFH, para arrendamento a estratos sociais mais desfavorecidos; assim como por meio do desenvolvimento de novos mecanismos de promoção corporativa e associativa e de apoio à autoconstrução, a par do suporte à promoção municipal para apoiar iniciativas das misericórdias, das paróquias, da obra do Património dos Pobres, dos serviços sociais das forças de segurança, etc.; e também baseada no incentivo à habitação a custos controlados.
Durante o IV Governo Provisório, o secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, Eduardo Ribeiro Pereira, assinalou, no seu Programa de Política Habitacional, em Julho de 1975, que faltava a construção de 531 mil fogos. Esse programa de político consagra a habitação como um bem social, que deve situar-se perto de escolas, bem como de locais de abastecimento e de centros de saúde, etc. Consagra, igualmente, a necessidade de definição de políticas de solo e de expropriações que impeçam a especulação dos terrenos, focando-se na indispensável garantia de habitação digna e nos apoios sociais às camadas mais pobres, reforçando a intervenção directa do poder central. Nesse quadro de intenções, o “Programa de Construção de Alojamentos” propôs a edificação de 26.550 fogos por ano, durante duas décadas.
O Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo (CRUARB), criada em Setembro de 1974, foi a entidade responsável pela reabilitação urbana, pela defesa da residência dos trabalhadores e pela recuperação do património. O CRUARB procurava manter a população fixada no seu território, para evitar um uso exclusivista, mas, em 1976, vê limitados os seus recursos, não conseguindo evitar o esvaziamento e a degradação do centro histórico da capital nortenha. Esta entidade foi, posteriormente, relevante para o processo de candidatura da cidade (Centro Histórico) do Porto à classificação, pela UNESCO, em 1991, como Património Cultural da Humanidade.
O Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) foi um corpo técnico especializado, sob a alçada do FFH, para dar resposta às carências habitacionais, tendo sido criado, em Agosto de 1974, pelo ministro da Administração Interna (Joaquim Magalhães Mota) e pelo arquiteto Nuno Portas, então secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do I Governo Provisório. As comunidades participavam na elaboração de planos de construção das casas.
Em 1974, a Associação de Moradores da Bouça pediu apoio à Brigada SAAL, reivindicando condições habitacionais condignas. Com efeito, foi iniciada uma construção de habitação colectiva projectada pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira.
O Conjunto Habitacional da Bouça é um dos 17 projectos realizados pelo SAAL, elaborado no âmbito do Fundo de Fomento da Habitação. Foram desenvolvidos projectos inovadores de habitação social em cooperação com associações de moradores, procurando contrariar a expulsão das classes populares do centro da cidade, tendo em vista uma função de bem social e não de mercadoria no sector imobiliário.
Foi uma construção com limitações, devidas ao contexto sociopolítico da época, que exigia limitação de custos e limitação no tempo de projecto e de edificação. Essa construção foi feita na proximidade das antigas habitações dos destinatários do projecto, característica assinalável das obras do SAAL.
Era um modelo de habitação colectiva (por ser mais económico e por possibilitar a continuidade dos modos de vida dos moradores, habituados a viver em comunidade), atendendo a que o processo contava com a participação dos próprios moradores. Política que se manteve até que a obra foi concluída, em Abril de 2006.
A direcção política, pós-25 de Novembro de 1975, leva à limitação dos poderes do SAAL, causando a sua extinção em 1976. Assim, o processo de construção do Conjunto Habitacional da Bouça é interrompido em 1978, sequente à extinção do SAAL (em Outubro de 1976) ficando apenas edificada a primeira fase, tendo concluído 58 habitações de um total 131. Por sua vez, o Fundo de Fomento da Habitação foi extinto em 1982, após uma resolução promulgada durante o Governo de centro-direita e liberal de Pinto Balsemão.
Nas décadas de 80 e de 90 do século XX
A fase de desindustrialização e de terceirização que ocorreu nos anos 80 aprofunda o processo de superação da função residencial da área central da cidade do Porto. Por conseguinte, grande parte da responsabilidade em matéria de acesso a habitação é transferida para o sector imobiliário e para os sistemas de crédito bancário.
Entretanto, as práticas políticas apostam no crescimento da periferia citadina e dos subúrbios, deixando para plano secundário a reabilitação urbana no centro do Porto.
Na década de 1990, surgem alguns projectos de reconversão urbanística, aqui e ali, com referências à gentrificação ou à alteração das dinâmicas da composição do centro da cidade. O “Porto de Encontro” é um exemplo desses projectos, em que se abordava o fenómeno da gentrificação. Foi, porém, um projecto fracassado.
Primeiras décadas do século XXI
A governação autárquica de Rui Rio, no quadro da coligação local entre o PSD e o CDS-PP, tem como objetivos principais: aliar políticas sociais às garantias de segurança e urbanismo, procurando um equilíbrio financeiro e atracção de capitais privados. As suas políticas procuravam captar o interesse dos segmentos mais inovadores do sector imobiliário internacional.
O Decreto-Lei n.º 104/2004 é lançado com o objectivo de reconversão e de recuperação urbanística, que envolve as Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), os proprietários, os arrendatários e os parceiros privados. O mesmo decreto transfere para os municípios a função de reabilitação e de reconversão das áreas históricas e das áreas críticas, os quais passam o poder para as SRU, atribuindo-lhes autoridade e exercício de polícia administrativa.
Os proprietários das áreas a serem reabilitadas podem assumir directamente os custos e, mediante o pagamento, aceitar que a SRU ou parceiros privados sejam responsáveis pela obra. Todavia, os proprietários podem não aceitar que a reabilitação seja feita, arriscando-se a que a casa seja expropriada pela SRU para a sua reabilitação, mediante o pagamento de indeminização. Refira-se que aqueles têm direito de preferência na compra, quando a casa for para o mercado.
Os arrendatários têm direito de suspensão do contrato (caso não consigam lá viver aquando das obras) e à reocupação do imóvel, bem como direito de preferência em situação de novo arrendamento, podendo ainda optar pela manutenção do contrato, com o aumento da renda (até 10% do rendimento líquido mensal do agregado familiar, não excedendo os dois salários mínimos) e 15% para os restantes casos.
Uma vez que o edifício esteja reabilitado e não existam alojamentos para habitação suficientes para alocar o número de pessoas que ali residia anteriormente, existe uma ordem de preferência, pela seguinte ordem: os mais idosos, as pessoas com rendimentos mais baixos e os titulares de arrendamentos mais antigos. Note-se que a expropriação faz caducar o arrendamento para habitação, mas a SRU deve assegurar alojamento temporário, que pode ser em unidades residências semi-independentes, com quarto e instalações sanitárias privadas, permitindo a confecção de refeições, a par de outros serviços que podem ser partilhados.
A reabilitação pode ser feita por parceiros privados através de concurso publico, sendo o contrato de reabilitação realizado entre a SRU e o parceiro privado. A transferência para o último dos imóveis reabilitados, a obtenção dos respectivos proventos e também a transferência de direitos de superfície só podem ser concretizadas quando o processo de reabilitação em causa esteja concluído
Segundo o sociólogo e investigador João Queiroz, a “criação de organismos como as sociedades de reabilitação urbana, como o Porto Vivo, visa nitidamente incentivar e agilizar as operações de reconversão urbanística e social, [assim como] favorecer [o] investimento privado”.
Os aumentos dos preços da habitação alteram-se por vários motivos, para além das políticas que potenciam o investimento privado para habitações destinadas à classe média e o alojamento local, a que se juntam outros factores. As taxas de juro, o turismo, as taxas de desemprego e o produto interno bruto (PIB) são os quatro factores que mais influenciam o investimento no sector imobiliário nacional.
Em Portugal, a crescente procura turística, aliada a baixas taxas de juro no crédito à habitação, leva os diversos agentes a optarem pelo investimento imobiliário para a criação de alojamentos locais. Todavia, os preços do imobiliário aumentam, levando à escassez de oferta para habitação própria.
Após a crise de 2010, a diminuição das taxas de desemprego aumenta o poder de compra das famílias, enquanto a transação de casas corresponde a 12% do PIB, segundo os dados do INE recolhidos em 2018.
O académico Marco António Cunha Miranda, autor da dissertação de mestrado em Economia e Administração de Empresas “Evolução dos Preços da Habitação em Portugal: Fundamentos Económicos”, apresentada, em 2020, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, acrescenta outros factores inerentes ao aumento dos preços, destacando as especificidades geográficas, como as de uma cidade central, densamente povoada, que terá menos disponibilidade de terrenos, aumentando o preço das habitações. Também o crescimento da população, a longo prazo, terá efeitos no aumento da procura de habitação. Relativamente aos famosos “vistos dourados”, o regime ARI (Autorização de Residência para Atividade de Investimento) permite que cidadãos nacionais de Estados Terceiros possam obter uma autorização de residência temporária para actividade de investimento com a dispensa de visto de residências para entrar em território nacional. Existem várias formas de obter os Vistos Gold, mas em 90% dos casos essa autorização é obtida no mercado da compra da habitação.
O Decreto-Lei n.º 14/2021, de 12 de Fevereiro, não altera as regras dos requisitos necessários para obter o visto, embora adicione um requisito adicional: apenas poderá ser considerado como actividade de investimento, em caso de imóveis destinados à habitação, se estes se situarem na Região Autónoma da Madeira e na Região Autónoma dos Açores, ou em territórios do Interior.
Este decreto surge em resposta à inflação dos preços nos centros urbanos, incentivando o investimento para áreas menos povoadas do País. Entraram em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2022, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 14/2021 de 12 de Fevereiro, diploma que vem alterar o regime de autorização de residência para investimento, também conhecido como Golden Visa.
Lei de Bases da Habitação (de 2019)
A Lei de Bases da Habitação, aprovada pela Lei n.º 83/2019, de 3 setembro 2019, garante o dever do estado em promover um modelo público de casas para arrendar, bem como incentivar o mercado de arrendamento de iniciativa social e cooperativa e regular o mercado de arrendamento privado, além de atribuir subsídios para a habitação (a jovens, a famílias monoparentais e a indivíduos em situação vulneráveis). Ou seja, esta lei estabelece as bases do direito à habitação e as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efectiva garantia desse direito a todos os cidadãos.
Entre os vários programas destinados ao arrendamento, fomentando o acesso à habitação com rendas compatíveis com os rendimentos das famílias, encontramos o Programa de Arrendamento Acessível (PAA), que é uma aposta do Governo procurando dinamizar o mercado de arrendamento; e o regime de Direito Real de Habitação Duradoura (DHD), com a finalidade de dar às famílias uma solução habitacional estável, permitindo que mantenham residência permanente numa casa por período vitalício, mediante a entrega, ao proprietário, de uma caução e de uma prestação por cada mês de duração do contrato.
O Regime de Arrendamento Apoiado é um programa aplicável às habitações detidas pelo poder público, para que sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam. Aplica-se ainda ao arrendamento de habitações financiadas pelo Estado, nos termos de lei especial.
É também obrigação do Estado promover o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentivar o uso efectivo de habitações de propriedade privada.
Para além das medidas referidas, a Lei de Bases da Habitação (LBH) também inclui medidas sobre os despejos. Considerando o artigo 13 da LBH, um despejo pode ser conduzido por entidades públicos ou privadas, “para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas”. Consagra ainda que deve ser garantido às famílias e aos indivíduos vulneráveis sem que estes tenham soluções de realojamento.
Em caso de despejo, devem existir sempre serviços informativos, de meios de acção e apoio judiciário, bem como uma procura de soluções, pelas partes afectadas, alternativas ao despejo. É, igualmente, estabelecido “um período de pré-aviso razoável relativamente à data de despejo”.
As disposições da LBH acompanham a “não execução de penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos, […] quando esteja em causa a casa de morada de família” e “a existência de serviços públicos de apoio e acompanhamento de indivíduos ou [de] famílias vulneráveis alvo de despejo, a fim de serem procuradas atempada e a[c]tivamente soluções de realojamento, nos termos da lei”.
Reconhece também que “as pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional têm direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário, após análise caso a caso, para aceder a uma habitação adequada”.
Apesar de haver um quadro legal que deveria proteger os cidadãos, tal não impede que os despejamentos aconteçam, visto que existem despejos considerados legais, como o fim de contratação, a ocupação de edifícios públicos e privados devolutos por parte de pessoas sem tecto; e mesmo os despejos que, por desconhecimento da Lei, são realizados de forma ilegal. Como sucedeu com um senhorio que optou pela acção de despejo da sua inquilina Aurora de Jesus, de 87 anos (à data da publicação da notícia no Jornal de Notícias, em 2018), numa ilha da Rua Augusto Gil, para essa ilha ser recuperada e transformada em alojamento local.
Os serviços jurídicos da Associação de Inquilinos do Norte de Portugal atendem por semana cerca de 30 pessoas. Alexandra Cachucho, advogada desta associação, revela que 20% dos que ali acorrem conta com o apoio das famílias e 70% não consegue “arranjar uma resposta nem é encaminhada para lado nenhum”.
Frequentemente, são praticadas várias formas de pressão psicológica por parte dos senhorios. Entre os diferentes modos de coacção – como sucedeu a uma antiga professora do ensino secundário, com 85 anos, residente nesse apartamento, com renda vitalícia – é comum desligar o elevador, apagar a luz e deixar de fazer a limpeza das áreas comuns.
A análise dos resultados da Lei de Bases da Habitação, desde a sua implementação, é prematura. No entanto, existem também exemplos de pessoas que, após 2019, têm sido despejadas por entidades públicas e privadas.
Em Março de 2020, dezenas de pessoas protestaram contra a decisão do município portuense em despejar da habitação social, a cidadã Joana Pacheco e os seus dois filhos menores, que moravam na Ribeira. Então, Carla Costa, sobrinha de Joana Pacheco, revelou durante a Assembleia Municipal, como regista o Jornal de Notícias (edição de 2 de Março de 2020): “[…] os meus sobrinhos não têm casa. Peço que reavaliem o caso. A miúda pergunta se vai perder os amigos, a escola e a piscina, que é o rio douro, e não sabemos o que responder.” Recorde-se que os seus pertences foram retirados da casa onde residia, enquanto Joana Pacheco se encontrava numa reunião com o presidente do Conselho de Administração da Domus Social, que é o vereador com a tutela da Habitação, para ser informada desse despejo.
A Câmara Municipal do Porto menciona “desocupação por uso ilegal da habitação”, como é avançado pelo Jornal de Notícias. O processo de Joana Pacheco inicia-se em 2017, quando, após a morta da sua mãe, vai morar com o pai, na Rua Fonte Taurina, onde se procurou agregar novamente ao seu familiar próximo, pedido que fora sempre recusado. Depois da morte do pai, em 2018, Joana Pacheco assume o pagamento da renda e pagava-a em seu nome, mas os responsáveis municipais consideram que a casa “está a ser ocupada abusivamente”.
O jornal Observador divulgou que as opções dadas pela Junta da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto foram as de ir para um albergue, onde dividiria o espaço com famílias, ou para um quarto numa pensão no Bonfim. Opções que não agradaram à moradora. O caso de Joana Pacheco tornou-se mediático, não obstante, representa um dos casos entre os que são perpetuados na cidade do Porto.
Estamos perante uma situação de despejamento, concretizada pela Câmara Municipal, que fragiliza famílias obrigadas a esperar por uma habitação pública. Assim, até tal conseguirem, terão de se socorrer junto das redes de ajuda comunitárias ou das instituições de apoio social, além das das próprias famílias e dos amigos, enquanto procuram uma nova habitação, cujos valores de renda de mercado não são compatíveis com o rendimento pessoal e familiar.
Esse é o caso de Ana e de Josué, pais de três filhos, que foram despejados da casa que habitavam, pagando renda há dois anos. Tendo sido contactado o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), a situação não foi resolvida. Como alternativa, ocuparam uma casa desabitada há 16 anos, na Quinta do Griné (freguesia de Santa Joana), na cidade em Aveiro, por incapacidade financeira de suportar o preço das rendas, agravado pelo contexto da pandemia. Foi avisado que teria de sair dessa casa ocupada ilegalmente por uma assistente social. Esta informação é acessível na plataforma do YouTube (em Habitação Hoje!), sob o título “Despejos na Quinta do Griné – Ana e Josué”, publicada a 14 de Abril do corrente ano.
Josué esteve presente na Assembleia Municipal aveirense, no dia 9 de Junho, cuja acta (na página 28) faz referência a 12 despejos no Bairro Santiago, nesta cidade da costa oeste portuguesa. Movido pela necessidade e clamando por justiça – “Quem não tem casa não tem culpa!” –, Josué deslocou-se à Praça Dom João I, já no Porto, onde participou e partilhou o ponto da situação em que se encontrava, tendo sido despejado e obrigado a viver numa garagem com a sua família.
O aumento do preço da habitação resultou da procura da mesma, mas, se a população residente da cidade do Porto diminuiu, somos levados a concluir que a causa dessa subida estará na especulação imobiliária e na turistificação (que é o processo de desenvolvimento da actividade turística em determinada cidade ou região).
Perante os aumentos dos preços da habitação, no mercado imobiliário, os despejos aumentam e muitos cidadãos encontram-se em situações em que são forçados a saírem de casa, por não terem possibilidades financeiras. Além disso, existem casos como o de Joana Pacheco, em que, por entraves burocráticos, retiram apoios a cidadãos que os tinham, sendo uma realidade não apenas no Porto, mas nacional, afectando Lisboa e Faro, mas também cidades como Aveiro.
Durante a pandemia da covid-19, foram criadas duas medidas legislativas: o regime extraordinário de proteção dos arrendatários, proibindo os despejos, ao suspender denúncias de contratos de arrendamento; e o regime excecional para as situação de mora no pagamento da renda, através do qual foram concedidos empréstimos sem juros aos arrendatários com quebras de rendimento. Das 2553 famílias que pediram apoio, foram aprovados apoios a 769 famílias.
Note-se que a medida legislativa que proibia os despejos não impediu que estes acontecessem de forma ilegal. No entanto, existiu uma diminuição dos casos. A este propósito, os membros da “Habita! – Associação pelo direito à habitação e à cidade” e o movimento “STOP Despejos” revelam que quando a suspensão dos despejos terminou, a 30 de Junho de 2021, a pressão aumentou o movimento, não existindo dados actuais sobre o número de indivíduos despejados, como escreveu a jornalista Rafaela Burd Relvas, no Público.
Face à realidade portuguesa e motivado pelas repercussões da pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, juntam-se às iniciativas anteriores, as do Plano de Recuperação e Resiliência (investimento RE-C02-i01 – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, da Componente 02 – Habitação, do PRR, que assenta o reforço do financiamento concedido no âmbito do Programa 1.º Direito), sendo este um pacote de medidas de estímulo financiado pela União Europeia, concebido para impulsionar a recuperação económica e social, através do qual Portugal acede a apoios de 50 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido e a cerca de 14,2 milhões em modalidade de empréstimo.
O apoio concedido pelo PRR, atribui 1.211 milhões ao 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação (criado pelo Decreto-Lei n.º 37/2018, a 4 de Junho). O 1.º Direito prevê dar resposta a, pelo menos, a 26 mil famílias até 2026. Para terem acesso a este programa, “as famílias deverão estar sinalizadas na Estratégia Local de Habitação (ELD) do município onde residem, como estando em situação habitacional indigna. Com a sua aprovação, a nível de cada município, a ELH constitui um instrumento que define a intervenção concelhia em matéria de política habitacional.
Contudo, os residentes como Alexandre Gonçalves, outro morador da Ribeira, e outras vozes como as de Bernardo Alves e Marta Sousa, ambos membros da estrutura associativa Habitação Hoje!, estão insatisfeitos com a situação actual. Todos consideram haver pouca vontade política para solucionar o problema e que a Lei poderá não chegar às camadas mais pobres da população, se não for feita com esse intuito, como manifestaram ao sinalAberto. Entretanto, constatamos que em resultado da insatisfação surgem, por todo o País, movimentos em defesa do direito à habitação.
O Habitação Hoje! é um movimento político-social (com sede no Porto, mas espalhado no território nacional) que luta pelo direito a uma residência que tenha condições saudáveis de habitabilidade. Nessa intenção, os associados denunciam as limitações de medidas políticas e os despejos ilegais, assim como divulgam mecanismos de defesa em situação de despejo e acções a adoptar tendo em vista a mudança das condições de acesso e a qualidade da habitação em Portugal.
O vídeo “O mito da renda acessível”, disponível no YouTube (em Habitação Hoje!) dá-nos conta dos limites da acessibilidade do arrendamento, notando que o público-alvo desta política é a classe média, pois o rendimento mínimo que o agregado deve ter para ter acesso ao mesmo programa é de 2.011 euros; sendo o valor máximo mensal auferido de 4.100 euros. Assim, se procurarem um T2 no Bonfim, na prática, o rendimento das famílias não está implicado no cálculo.
As Parcerias Público-Privadas (PPP) são uma forma de realização de projectos públicos “com grande envergadura, sem a exigência inicial de investimento público e permitindo a obtenção de sinergias com o sector privado, que, além de financiar o projeto, participa na sua concepção, construção e gestão, assumindo parte dos riscos associados, como esclarece a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) – Autoridade de Auditoria.
O movimento Habitação Hoje! exemplifica, com o caso do Bairro S. Vicente de Paulo, em Campanhã, que foi demolido em 2007 e os moradores expulsos e dispersos pelo território. Em 2020, o terreno é objecto de uma PPP para a construção de 232 habitações. Dessas residências, 116 serão propriedade da Câmara Municipal do Porto, pelo regime de arrendamento acessível, e as restantes 116 para regime privado. Além das 116 casas, o promotor privado, pelo investimento feito, recebe a propriedade de quatro terrenos no Plano Pormenor das Antas (PPA), integrando mais 120 fogos. Recorde-se que o PPA foi aprovado, em reunião extraordinária de 29 de Abril de 2002, pela Assembleia Municipal do Porto e publicado no Diário da Republica (II Série, n.º 173), de 29 de Julho de 2002, pela Declaração n.º 236/2002 da Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, que refere o registo no município e a publicação do regulamento da planta de implantação e da planta de condicionantes.
Considerando que, neste momento, o valor do terreno e a construção na freguesia de Campanhã é inferior ao que se prevê para o futuro, devido à construção de um centro empresarial, cultural e social no antigo Matadouro Industrial, à recente inauguração (em 20 de Julho do corrente ano) do Terminal Intermodal de Campanhã (TIC) e à requalificação da Praça da Corujeira e da sua envolvente (Bairro do Monte da Bela).
A Porto Vivo, SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto tem vindo a reabilitar inúmeros imóveis que são propriedade pública, alguns na Ribeira e no Largo dos Lóios, entregando os aludidos imóveis, através de sorteio, com rendas acessíveis, entre outros, aos moradores expulsos do território e na intenção de diminuir a lista de espera para a habitação social no Porto, que conta com mais de mil famílias.
Um exemplo deste processo foi a requalificação das casas da Rua de Trás, pela empresa municipal Domus Social, originalmente destinada à habitação social, ficando as residências disponíveis para arrendamento acessível.
Entretanto, o movimento Habitação Hoje! divulgou casos de despejos no Bairro de Cabo-Mor, em Vila Nova de Gaia, através do vídeo do YouTube “Despejos Ilegais pelo Estado”, dando conta de famílias que ocupam as casas devido às condições de sobrelotação habitacional em que viviam, junto dos seus familiares. Muitas destas pessoas esperaram, durante vários anos, sem soluções, apesar de serem acompanhadas “pelos serviços essenciais que não apresentam soluções viáveis”, quer em orçamento quer em localização. Consequentemente, são desalojadas das casas que ocupavam por necessidade. E, quando pedem para que seja regularizado o seu processo, recolhem os argumentos de que “não se pode premiar aproveitamentos”.
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(*) Reportagem desenvolvida na qualidade de estagiária no jornal sinalAberto.
26/09/2022