No auge da crise

 No auge da crise

(Créditos fotográficos: Mylo Kaye – Unsplash)

Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas dos partidos políticos e dos seus protagonismos na condução da vida nacional. Uma crise de valores sem precedentes, deveras preocupante, que, salvo meia dúzia de excepções, bateu fundo. E isso ficou bem claro na pobreza desta corrida ao poder, tendo em vista as eleições de domingo (18 de Maio).

Sou um geólogo e a minha cultura social e política resume-se ao que tenho aprendido na vivência atenta do dia-a-dia. Bom ou não, é este o meu sentir que, como sempre, divulgo como dever de cidadania, honesta e humildemente.

Sempre procurei pensar pela minha cabeça, na convicção de que a política partidária é uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das ciências políticas e sociais, tendo em vista a conquista do poder. Dito isto e para que não restem dúvidas, reafirmo que sempre estive ao lado dos explorados e ofendidos, contra os exploradores e ofensores.

Ilustração, da autoria de Nikolai Karazin, para o romance “Humilhados e Ofendidos”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1861. (pt.wikipedia.org)

Todos os que os que não andam distraídos, e são muitos, têm vindo a dizer e eu também digo que, no tempo que estamos a viver, paira grande insegurança a nível internacional, não só no que respeita à economia, com inevitável reflexo na vida nacional, como também no que envolve o espectro da guerra e a corrida aos armamentos, com todas as consequências e sofrimentos daí decorrentes.

À semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo – a quem os Capitães de Abril, há meio século, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos –, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos cultura civilizacional necessária na sociedade que se quer democrática. Esqueceu-se ou não quis. Há uma máxima que diz que “o poder do feiticeiro reside na ignorância dos seus irmãos tribais”, máxima que é fácil entender como uma metáfora do que tem sido a nossa democracia.

António Galopim de Carvalho: “Nesta ‘apagada e vil tristeza’, uma muito significativa parcela do nosso povo, destituído dessa cultura, foi presa fácil do populismo da extrema-direita.” (Direitos reservados)

Já escrevi o essencial destas minhas palavras não sei quantas vezes, mas sei que não foram as suficientes. Também já disse e volto a dizer que entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a Educação. E, aqui, a escola falhou completamente. Uma escola que tem vindo e continua a dar diplomas, mas que não deu e continua a não dar cultura, no sentido mais amplo da palavra.

Nesta “apagada e vil tristeza”, uma muito significativa parcela do nosso povo, destituído dessa cultura, foi presa fácil do populismo da extrema-direita. Uma extrema-direita que, beneficiando da liberdade e democracia que tanto custaram a ganhar, já mostrou, sobejamente, procurar destruí-las e voltar ao “antigamente”.

Tudo isto são gravíssimas preocupações nacionais, que se adicionam às das áreas da Saúde, da Habitação, da Justiça e outras. Preocupações que, tendo em conta as condicionantes nacionais e internacionais, socialistas e sociais-democratas, cujos fundamentos que os inspiraram não estão, assim, tão afastados, tinham obrigação de se terem entendido, a bem deste, deste sempre, maltratado povo. Os seus actuais protagonistas mostraram não terem sabedoria nem vontade para o fazer, pelo que há que encontrar, entre os seus correligionários, quem o possa fazer. Chame-se Bloco Central ou outra coisa qualquer, mas é, no tempo que estamos a viver, em que as esquerdas se têm vindo a autodestruir, o único caminho a seguir.

Quem me conhece e tem acompanhado as minhas intervenções e tomadas de posição públicas, sabe, volto a dizer, da minha independência face aos aparelhos partidários e não espera de mim outro pensamento que não seja este.

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Nota da Redacção:

Este artigo de opinião de António Galopim de Carvalho foi publicado na edição “on-line” de 19 de Maio de 2025 do jornal Público.


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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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22/05/2025

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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