FITEI 2025 (II)

FITEI 2025 no TMP, com a “performance” intitulada “ÚLULU”, dirigida por Raquel Lima. (Créditos fotográficos: Pedro Jafuno – teatromunicipaldoporto.pt)
O Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) cumpriu a sua função com espectáculos esgotados e actividades paralelas, das quais já demos notícias na edição anterior (em 29.05.2025). O FITEI é a festa de teatro da cidade do Porto e merece ser elogiado, apoiado e difundido.

Assim, agora neste artigo, quero falar de dois espectáculos que me pareceram relevantes. Em primeiro lugar, debruço-me sobre a obra “Kill me” (de 2024), da autoria de Marina Otero. É a continuação de “Love me” (de 2022) e de “Fuck me” (de 2020). Faz parte do projeto “Remember to live”, no qual Marina Otero se propõe “apresentar diferentes versões de obras” até ao dia da sua “morte”. Observa ainda Marina Otero: “Entrando no cliché da crise da meia-idade, comecei a filmar tudo o que fazia. Até que um dia desmoronei, recebi um diagnóstico psiquiátrico e decidi fazer a minha próxima obra em relação a isso. Juntei quatro bailarinos com perturbações mentais e Nijinsky para fazer uma peça sobre a loucura do amor. Mas digamos que o tema é a saúde mental[,] para que seja incluído na agenda inclusiva do mercado da arte. Porque esta é a minha sentença, ter de fazer obras que vendam e que me mantenham viva no mundo (do teatro).”

Já na edição do ano passado do FITEI, Marina Otero surpreendeu-nos com a intensidade do seu espectáculo “Fuck me”, como exercício de nudez masculina acentuadamente biográfico. Nesta nova coreografia, mais uma vez e através de uma introdução videográfica, a coreógrafa explica-nos o sentido da sua realização, nunca esquecendo os elementos da vida pessoal, que tanto marcam as suas obras. Nesta vez, a nudez é feminina e assume-se na totalidade (dentro do possível) do intervalo do tempo de representação. A ternura, a violência, a homenagem final à Palestina e, sobretudo, a solidão de uma criadora que confessa não saber fazer mais nada do que teatro. Marina Otero revela-se na solidão dos campos da memória…

Falei da incansável representação de “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, uma das minhas peças favoritas. E digo “incansável”, pois não me cansaria de a voltar a ver mil vezes. Tchekhov é uma alma do teatro. Uma das almas do teatro que permanece viva na sua criação de escrita. Numa paisagem à beira de um lago, se representa. Teatro dentro do teatro: todos somos actores.
O jovem protagonista, Kóstia, assumido dramaturgo, quer mostrar Arkádina (actriz famosa em Moscovo) à sua mãe, bem como a sua peça e a respectiva encenação. Nina é a protagonista, mas é também a protagonista na vida de Kóstia, o escritor e namorado. Muito cedo, no primeiro acto, uma gaivota é abatida. Parece um gesto iníquo, mas marca a peça na sua atmosfera trágica, durante os quatro actos seguintes. É Nina quem morre, simbolicamente, no primeiro acto (ela é a gaivota), enquanto o jovem autor se suicida no último acto, perante a indiferença da própria mãe. Um tiro no primeiro acto e um segundo tiro, fatal, no último acto, disfarçado com o som de um frasco de éter que estourou. Tchekhov é um autor de murmúrios, de silêncios e de pausas, de músicas distantes e de surdinas… E, nesta peça, esse silêncio se corporiza. Há ainda um tempo para o silêncio, acentuado na fala da personagem Dorn, no primeiro acto: – O anjo do silêncio passou por aqui.

(Créditos fotográficos: Francisco Castro Pizzo/FITEI)
O que será destas personagens quando o quarto acto terminar? Poderá Arkádina continuar a representar? E a gaivota empalhada voltará a uma prateleira poeirenta como adereço taxidérmico tão típico dos lugares de caça? Tudo isto acontece e/ou poderia acontecer, se imaginarmos que o teatro é um continuum e não pára! “A Gaivota” apresentada no FITEI 2025 é um exercício do encenador argentino Guillermo Cacace, meio caminho de uma leitura de mesa ou de um ensaio de leitura, em que predominam só as vozes femininas das actrizes argentinas, todas elas notáveis, nas quais constatamos anos de palco e muitas horas de ensaios em cena. Esta montagem foi criada entre duas catástrofes em Buenos Aires, durante a pandemia, com ensaios virtuais, e, mais tarde, com a eleição de Javier Gerardo Milei.

Recordo um excerto do Acto IV da peça “A Gaivota”: “Sou uma atriz de verdade, represento com satisfação, com entusiasmo, uma embriaguez me domina no palco e me sinto bela. Agora, enquanto estou aqui, caminho o tempo todo, caminho e penso, o tempo todo, caminho e sinto que [o] meu espírito se torna mais forte a cada dia… Agora eu sei, Kóstia, agora eu compreendo que no nosso trabalho, representando no palco ou escrevendo, o que importa não é a glória, não é o esplendor, não é aquilo com que eu tanto sonhava, mas sim a capacidade de suportar. Aprend[e] a carregar a tua cruz e acredit[a]. Eu acredito e, assim, nem sofro tanto e, quando penso [na] minha profissão, não sinto medo da vida.” Marina Otero e Nina parecem encontrar-se neste monólogo!

Ainda que numa breve estadia, quero dar notícia da vinda do TEF (Companhia de Teatro) / Associação Teatro Experimental do Funchal (ATEF) para apresentar “A Arte da Comédia”, de Eduardo de Filippo, com encenação de Eduardo Luíz, nos dias 15 e 16 de Maio, no auditório da Quinta da Caverneira, na Maia. Esta apresentação aconteceu no âmbito de uma parceria em curso, celebrada entre a ATEF e o Teatro Art’Imagem, tendo o espectáculo sido integrado na programação dos 50 anos da companhia madeirense.
O Grupo Experimental de Teatro do Funchal (GETF) nasceu em 1975, com impulso da, então, comissão dos serviços culturais da Câmara Municipal do Funchal, após a realização, no Teatro Municipal Baltazar Dias, do Festival de Teatro do Operário, promovido pelo INATEL/Madeira. Produziu, até 2025, 160 criações de teatro, mais de 130 dramaturgos e mais de 500 eventos, tendo incluído no seu processo 10 criações de teatro para televisão e para programas de rádio.

Passaram pelos palcos do TEF, até ao corrente ano, mais de 1190 profissionais em diferentes áreas: seis directores artísticos, 20 encenadores, 350 actores, 500 criativos de diferentes áreas e 315 técnicos e operacionais. Ao longo do percurso – nos palcos, na rádio e na televisão –, o TEF conta já com mais de um milhão de espectadores. Após 50 anos de actividade ininterrupta, esta companhia teatral agregou um património cultural e humano que a foi tornando também uma escola de influências, inspiradora de pessoas e de instituições e geradora de outros grupos ou companhias de teatro, a par de outras associações culturais. Ou seja, o TEF desenvolveu um movimento que levou centenas de crianças, jovens e adultos à prática do teatro.
Tendo sido encenador e director artístico deste grupo, entre 1978 e 1982, assisti às suas representações e testemunhei a maturidade do elenco, numa dinâmica e hilariante encenação de teatro e de música, que, julgo, muito teriam agradado ao seu autor italiano, tão perto de Luigi Pirandello, como todos nós!
O festival juvenil interdisciplinar de artes contemporâneas alternativas “TAN TAN TANN” vai ser realizado, amanhã e depois (a 6 e 7 de Junho), em Esmoriz, assumindo a designação “Festival de Artes Performativas Contemporâneas prestes a ‘habitar’ (n)uma tanoaria…”

João Arezes, na qualidade de assessor de imprensa deste festiva, declara: “Dir-se-ia, sem qualquer presunção e de forma anagramática, que este evento numa ‘tanoaria’ é algo que muita gente ‘anotaria’ na respe[c]tiva agenda pessoal. Comecemos então por sublinhar as datas, decorre a 6 e 7 de Junho, sexta e sábado, naquele que é um dos mais antigos exemplares ainda em a[c]tividade no concelho de Ovar: a Tanoaria Josafer.”
Como esclarece ainda João Arezes, estando situada em plena cidade de Esmoriz e em laboração ininterrupta desde a sua fundação, em 1962, “esta unidade que se dedica a essa arte ancestral vai converter-se num habitat artístico” que, em 2025, alcança a nona edição, sempre no “mesmo lugar”. A iniciativa resulta do esforço conjunto entre a companhia Imaginar do Gigante, sob a coordenação e a direcção artística de Pedro Saraiva, e a Câmara Municipal de Ovar, enquanto entidade organizadora e/ou promotora do evento.
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05/06/2025