“A metade do céu”

“As mulheres sustentam a metade do céu.” (novacultura.info)
A quem não tiver televisão por cabo ou alguma plataforma de streaming aconselho que se refugie, à noite, na excelente programação diária da RTP2. Acabado o Jornal 2 (à noite), sempre com um apontamento cultural de música, de literatura ou de teatro, conduzido profissionalmente por Sandra Sousa (ou por Hugo Gilberto) e Álvaro Costa, no seu apoio específico, a nível musical, nas entrevistas. Em seguida às informações meteorológicas, vem sempre uma boa série, um filme ou um documentário apaixonante.

Nesta vez, resgato o documentário de Bárbara Necek, a partir de uma ideia original de Veronique Radovic, intitulado “A Rapariga do Rio Amarelo / Uma chinesa e o seu século”. Sobre este trabalho documental, a RTP2 informa: “A extraordinária história da pianista franco-chinesa Chow Ching Lie. A história pessoal, pouco convencional e romântica de Chow Ching Lie está intimamente ligada às convulsões que a China viveu durante o século XX. Chow Ching Lie surgiu do nada para se tornar uma pianista adorada, uma escritora de sucesso e uma empresária com raízes em duas culturas: China e França.”

O filme acompanha a viagem da jovem pianista até França, as convulsões da Revolução na China, o nascimento da República Popular, os movimentos estudantis, a Revolução Cultural, o Bando dos Quatro e o “livrinho vermelho”! Uma verdadeira odisseia feita através da História contemporânea deste país asiático, ultrapassada e superada graças à música.
A expressão que serve de título a esta crónica é do ex-líder político chinês Mao Tsé-Tung, que, em certo momento, disse: “As mulheres sustentam metade do céu e devem conquistá-lo”1. Mao Tsé-Tung e os revolucionários chineses proclamavam que não podia haver nenhuma emancipação da Humanidade sem a participação e a emancipação de metade da sociedade: as mulheres.
Entretanto, do Chile chegaram-me notícias da morte da minha tia Berta Rosa (igualmente minha madrinha), irmã do meu pai, com quase com 98 anos de idade. Era a única sobrevivente de uma geração de cinco irmãos. Ela foi sempre muito próxima da nossa família, dos meus irmãos e dos meus pais. Os seus quatro filhos – ou seja, os meus primos – eram uma espécie de irmãos mais novos, aos quais estivemos sempre ligados. Professora de Castelhano, destacou-se também como dirigente sindical, na época da ditadura militar (1973-1990), tendo sido relegada para zonas afastadas da metrópole de Santiago, a fim de leccionar em escolas e em liceus de poucos recursos.

Leitora incansável, a minha tia Berta Rosa devorava livros de diferentes géneros, embora privilegia-se sempre a poesia, o teatro e o cinema. Em mais de uma oportunidade, visitou-me e sempre foi muito bem recebida pelos meus amigos e colegas de trabalho.

de Fátima Pereira Carvalho. (Direitos reservados)
Uma outra partida, igualmente recente, foi a da professora e minha amiga Celeste Maria Cristo Guedelha, docente de Português, com obra publicada no âmbito do estudo de Português e de Francês. Foi docente na Escola do Infante (hoje, Escola Profissional do Infante). Ali, criou o NUTEI – Núcleo de Teatro da Escola do Infante, para o qual realizei uma série de encenações, entre elas, “Noite de Natal”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, e “Na Rota do Infante”, espectáculo realizado na Gruta de Camões, no Palácio de Cristal, integrado nas comemorações do 6.º centenário do Infante D. Henrique.
Conheci a Celeste Guedelha em 1977, quando ela requisitou os meus serviços ao, então, Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ), na cidade do Porto. Nessa altura, ela era professora na Escola Industrial de São João da Madeira. Aí, e com um pequeno grupo de alunos, encenei a peça “Aquele Que Diz Que Sim. Aquele Que Diz Não”, de Bertolt Brecht.

Mais tarde, no ano de 1982, quando foram iniciados os cursos superiores da Cooperativa Árvore (actual Escola Superior Artística do Porto – ESAP), Celeste Guedelha matriculou-se como aluna no curso de Animação Cultural, do qual fui coordenador durante muitos anos. Colaborou comigo como docente na ESAP e no Instituto Piaget (mais propriamente, na Escola Superior de Educação Jean Piaget de Arcozelo).
O seu apartamento, na Praça da Galiza (no Porto), foi lugar de muitos encontros e convívios nos quais não podiam faltar alguns amigos comuns, como Manuela Espírito Santo, o escritor José Viale Moutinho, o poeta António Rebordão Navarro e a sua esposa, o escritor Orlando Neves, a par das nossas amigas Adelaide Ferreira e Eduarda Neves, além do pintor argentino Alberto Cedrón, considerado um dos maiores artistas plásticos do seu país.
Aos seus filhos, Lena e Fernando, bem como aos vários amigos e colegas de trabalho de Celeste Guedelha, que estiveram presentes no seu funeral, o meu agradecimento pela lembrança de uma excelente mulher e pedagoga.

(catalunyapress.cat)
Provavelmente, cruzámo-nos com ela, numa edição do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), no ano de 1986, com o seu espectáculo “Os Virtuosos de Fontainebleau”. Morreu aos 81 anos, Glòria Rognoni, actriz, directora e fundadora de “Els Joglars”.
Desde 1997, dirigiu o Grupo de Teatro Social da entidade Femarec, reconhecido projecto de integração social e cultural para colectivos em risco de exclusão. Após sofrer um acidente em que ficou numa cadeira de rodas para o resto da sua vida, continuou o seu trabalho nos bastidores. A propósito, informa o jornal El País: “Foi num desses momentos em que ela brilhava com luz própria no prestigiado grupo, ao ponto de que um crítico a chamava de ‘a musa de Els Joglars na sombra’ “.

Surpreendeu-nos também a morte de Robert Wilson, voz marcante na renovação do teatro do século XX. A sua estética marcou novas gerações pelo cuidado posto em cena e pelo laborioso virtuosismo na utilização da luz.
Este encenador trouxe a Portugal várias das suas criações e encenou “O Corvo Branco”, a ópera de Philip Glass e de Luísa Costa Gomes. Ainda há pouco tempo esteve em cena na cidade de Lisboa, no São Luiz – Teatro Municipal, a peça “Pessoa – Since I’ve been me”, inspirada no autor do “Livro do Desassossego”, que estreou no ano passado, em Itália.


O desaparecimento do arquitecto Nuno Portas, recentemente falecido, afigura-se-me como um símbolo da morte da habitação em Portugal. Sobretudo, uma habitação digna ao alcance de todos, enquanto direito socialmente justo, livre e democrático, como está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
.
Nota:
“A Metade do Céu” é o título de uma peça de teatro da minha autoria, encenada por vários grupos amadores, cuja tradução e primeira encenação foi do professor e músico Fernando Costa, na década de 80.
.
11/08/2025