Correr sem sair do sítio

(cobone.com)
Em espaços de tons industriais, pessoas correm sem sair do sítio, levantam e baixam pesos sem um objetivo aparente. Um sistema de repetições que existe para assegurar que os nossos músculos não definhem e que a circunferência da barriga não aumente, criado pelo sedentarismo e por uma vida em que não é preciso mexer-se. Não é uma distopia, mas apenas a comum realidade de ir ao ginásio, algo que me parece a coisa menos natural do Mundo.

Vejamos o exercício em que caminhamos para a frente e para trás com pesos nas mãos, chamado “Farmer’s Walk” ou, em Português, a “Caminhada do Agricultor”. Sim, é como um agricultor a levar um balde de água em cada braço ou como um pedreiro com um carro de mão cheio de brita.
Pagamos para que nos emprestem umas barras de ferro e que andemos para a frente e para trás com elas. O facto de que eu – e grande parte da Humanidade – tenha trabalhos de escritório é literalmente o resultado de milénios de evolução humana. E a conclusão deste pináculo? Simular movimentos que costumavam ser parte da vida natural.
Os ginásios não são pouco naturais apenas pelos exercícios a que convidam, mas também pelo espaço. Um ginásio é, basicamente, um armazém que, muitas vezes, está escondido numa cave com, felizmente, bom ar condicionado. Este espaço industrial enche-se de máquinas com funções óbvias (como bicicletas) ou mais esotéricas (como as que trabalham apenas a barriga da perna). Passadeiras e bicicletas estáticas onde se gastam milhares de quilómetros de solas de sapatilhas para não sair do mesmo sítio, pedaços de ferro cujo peso se utiliza para medir sucesso e, claro, uma balança no canto para lembrar por que estamos ali. E espelhos, espelhos por todas as partes. É o oposto de um casino: querem que nos lembremos do nosso aspeto a cada momento. Um ginásio é um espaço comum alugado, uma despesa que existe porque as cidades nos enfiam em espaços pequenos para maximizar a eficiência. No fundo, o ginásio existe pelo mesmo motivo que nos leva a colocar rodas nas gaiolas dos hamsters.

De facto, a saúde devia ser a principal razão para o exercício. Entre alimentos ultraprocessados e falta de atividade física, o ginásio é um mal menor, na hora de ter uma vida saudável. Uma solução para problemas da vida moderna. Mas, talvez mais do que a saúde, está a questão estética. As pessoas que querem sentir-se bem com a sua aparência, o que também é saúde, ainda que do foro mental. É bom ter um ar saudável, mas chegar a extremos, em que cada milímetro conta, nem por isso. Para alguns, o ginásio é uma terapia com a qual as frustrações do dia a dia se queimam com o peso do ferro e as gotas de suor. Para outros, é não mais do que um espaço de engate. Afinal, a Humanidade nunca deixa de ser humana. E encontra-se de tudo!

Por exemplo, o meu grupo: quem não quer estar lá. Vão por obrigação e a ansiedade social nota-se. Não fazem contacto visual, escondem-se junto das paredes, nas máquinas menos expostas. Para enfrentar esta situação, alguns homens trazem uma rede social da rua. Vão em pares – os chamados gym bros –, passam de sala em sala ou de máquina em máquina, não fazem nada sem o seu companheiro. Alguns vão em grupos de quatro ou de cinco indivíduos, alcateias sem noção e que até se esquecem de que estão lá para treinar.
Contudo, o verdadeiro dono do ginásio é o lobo solitário. Tem músculos? Sim. Domina cada movimento do seu corpo? Claro. Sai de casa sem um batido de proteína? Nunca! O lobo solitário está no seu elemento natural. Esta é a sua terapia e, caro leitor, se espera que eu goze com ele, está bem enganado. No geral, os lobos solitários são simpáticos e estão sempre prontos a ajudar os não iniciados neste mundo.

Quem merece gozo, sem dúvida, são dois subtipos de visitante. Primeiro, os “grunhos”, que até podem ter músculos, mas insistem em levantar pesos acima das suas capacidades, por isso, com cada movimento, soltam uns grunhidos animalescos. Quando acabam, deixam cair os pesos no chão para que todos no ginásio saibam que acabou o seu set. Só lhes falta uivar. Os outros são os narcisos que levantam um peso, param e admiram o braço no espelho. Depois, levantam o outro. Param e admiram de novo. Ai, João António, levantar um peso cinco vezes não fez de ti o Hulk Hogan. E não, não precisas, depois, de tirar uma foto no espelho da casa de banho, em cada dia.

Se eu pudesse, evitaria toda esta gente, assim como a cerimónia de pedir ou de esperar por vez para usar uma máquina. Não, não gosto de ir ao ginásio. Mas aceito que é a solução possível para estar em forma no mundo urbano, já que correr pelas ruas de Londres, embora possível, não me parece muito aconselhável. Charles Dickens discordaria de mim. O autor inglês adorava caminhar pela cidade, em particular à noite, facto ao qual atribuía a sua saúde mental e física, bem como uma fonte de inspiração infinita para as suas personagens. Se ele não pudesse caminhar, rebentava, confessou a um biógrafo. Gostaria de saber se, para ele, uma passadeira contaria como meio para caminhar. É a vida moderna: correr sem sair do sítio. Mas ainda assim, sempre é melhor do que nada.
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01/09/2025