Vermelho…
 
                          Peça “Vermelho”, de John Logan, com encenação Carlos Pimenta. (Créditos fotográficos: José Caldeira – tnsj.pt)
“Só há uma coisa que me mete medo nesta vida, meu amigo… Que um dia o preto engula o vermelho.” (Mark Rothko)
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Perante a presença da cor vermelha nas suas obras, o pintor lamenta-se ao adivinhar o final trágico da cor inicial invadida pelo preto.
A palavra “tragédia” não está citada ao acaso no texto teatral e aplica-se à obra de Rothko, não apenas pelo final da sua vida, num acto suicida, mas também pelo poder que, para ele, teve a obra literária de Friedrich Nietzsche “O Nascimento da Tragédia”. O pintor era um intelectual, um homem extremamente culto que amava a música e a literatura e era muito interessado pela filosofia e pela mitologia grega.
A peça “Vermelho”, do autor norte-americano John Logan, é um encontro imaginário ou real, pouco importa, entre um pintor e a sua obra e um jovem ajudante aspirante a pintor. O trabalho de ateliê irá reuni-los durante semanas. O jovem Ken, nesta peça, é o jovem que, ao ter sido contratado por Mark Rothko, ajudará a preparar as telas, a misturar as cores e em pequenas tarefas.

No desenrolar do texto, assistimos a um discurso obsessivo e contundente por parte do artista, enquanto o jovem aprendiz escuta em silêncio. Com o passar das semanas, Ken começará a expor as suas ideias e irá transformar-se num interlocutor crítico, da obra e da vida de Rothko.
Mark Rothko inventa uma forma meditativa de pintar, que o crítico Clement Greenberg definiu como Colorfield Painting (“pintura do campo de cor”)1. Tendo como referência a peça “Vermelho” (“Red”), de John Logan, no original, lemos: “ – ROTHKO […] (Indica em direcção aos quadros.) Olha a tensão entre os blocos de cor: o escuro e o claro, o vermelho e o preto e o castanho. Existem num estado de fluidez – de movimento. Tal como se escoram uns aos outros na tela propriamente dita, também se escoram uns aos outros nos teus olhos. Quanto mais olhas para eles, mais eles se mexem… Flutuam no espaço, respiram… Movimento, comunicação, gesto, fluxo, interacção; a permitir-lhes funcionar… Não estão mortos porque não estão estáticos. Movem-se pelo espaço se os deixares, é um movimento que leva o seu tempo, por isso são temporais. Eles precisam de tempo.
– KEN Exigem-no. Não funcionam sem ele.
– ROTHKO É por isto que é tão importante para mim criar um lugar. Um lugar onde o observador possa contemplar os quadros ao longo do tempo e deixá-los moverem-se. KEN (Entusiasmado.) Eles precisam do observador. Não são como quadros figurativos, como paisagens ou retratos tradicionais.”

A peça “Vermelho” é um belo espectáculo do Ensemble, com interpretação de João Reis e de Daniel Silva, tendo encenação de Carlos Pimenta. Abriu a temporada oficial do Teatro Nacional de São João (TNSJ) de Outono/Inverno com excelentes interpretações e uma encenação cuidada, delicadamente acentuada pela música e pelo visual. O recurso ao audiovisual ajudou a invadir cromaticamente em determinados momentos a cena, sobretudo quando esta se transforma num ambiente colorido, onde prima o vermelho, nas suas variantes e tonalidades…

E recorro novamente ao pensamento de Rothko: “O que é que vermelho significa para mim? Estás a falar de escarlate? Estás a falar de carmesim? Estás a falar de damasquino – amora – magenta – bordô salmão – carmim – cornalina – coral?”
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Ainda sobre o 11 de Setembro
Há dias, neste espaço, publiquei algumas considerações sobre esta data e acerca da sua repercussão na História moderna do Chile. No texto, citei algumas actividades relacionadas com o exílio e com a publicação de um livro de cartas intitulado “O Tempo do Silêncio”, de Leticia Martinez Vergara.

Pessoalmente, mantive com a minha mãe uma comunicação epistolar durante os meus anos de exílio, tendo estado ela 19 anos na então República Federal Alemã (RFA), e continuámos mesmo quando regressou ao Chile. Nos anos de 1970/80, as comunicações telefónicas, além de caras, eram demoradas. Lembro-me das muitas horas que passei nos correios do Porto à espera de uma chamada, que pelos TLP (Telefones de Lisboa e Porto), devia ser via Lisboa!
Também fiz referência a um filme documentário realizado por Thomas Grimm, em 2023, sobre os filhos de exiliados nascidos no estrangeiro, especificamente na RFA. Dois dos meus sobrinhos (Marcelo e Andreia) nasceram em Frankfurt/Main. Marcelo, infelizmente, morreu prematuramente devido a uma doença congénita. Andreia tem a nacionalidade chilena e alemã, sendo mãe de dois filhos, um rapaz e uma rapariga, ambos já com idades adultas – são os meus sobrinhos netos.
Igualmente, no dia 11 de Setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (do Partido Liberal) a 27 anos e três meses de prisão, por golpe de Estado e mais quatro crimes após as eleições de 2022.

Felicito a Justiça brasileira, que não se deixou intimidar pela pressão local e internacional. Sabemos que as altas taxas impostas pelos Estados Unidos da América (EUA) são para desestabilizar o Governo do presidente Lula da Silva, mas este tem respondido com uma atitude digna de um mandatário eleito pelo voto universal, respeitando o jogo democrático e as suas instituições. Saúdo, pois, o povo brasileiro, o seu governo e os tribunais de Justiça do Brasil!
Quero, igualmente, saudar Ricardo Pais, nascido em 1945, que no dia 11 de Setembro cumpriu 80 anos. O TNSJ, celebra esta data com uma série de actividades pensadas em sua homenagem: “Ricardo Pais completa 80 anos em 2025. ‘RP 80’ é o programa que o Teatro Nacional São João dedica àquele que criou o seu ideário e pensou toda a estrutura, da bilheteira à porta dos artistas, mas excede em muito a lógica da festa de aniversário ou da homenagem em modo (auto)celebratório. ‘RP 80’ olha para a vida e obra de Ricardo Pais e declina-a em quatro momentos: quatro estações que documentam e ficcionam uma exemplar peregrinação criativa e formativa. Quatro sonoros vivas à efemeridade do teatro, a arte civilizada da memória, da atenção, do esquecimento.”

As atividades que integram e assinalam esta data compreendem o lançamento do livro “Despesas de Representação – Ditos e Escritos (1975-2025)”, de Ricardo Pais, com organização editorial de Pedro Sobrado (edição Húmus, Teatro Nacional São João).
A reposição de dois espetáculos emblemáticos encenados por Ricardo Pais: “Turismo Infinito”, de António M. Feijó, a partir de textos de Fernando Pessoa e de três cartas de Ofélia Queirós; e “al mada nada”, a partir de “Saltimbancos” e de outros textos de Almada Negreiros; a realizar no TNSJ nos dias 16,17,18 e 19 de Outubro.
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Notas:
1 – Referência à peça “Vermelho” (“Red”), de John Logan, do texto original, na tradução (para o Ensemble- Sociedade de Autores) de Pedro Galiza. Agradeço à actriz Emília Silvestre a partilha do texto.
2 – Mark Rothko, registado como Markus Yakovlevich Rothkowitz (nasceu em Dunaburgo, antes pertencente ao Império Russo, em 1903, e faleceu em Nova Iorque, no ano de 1970), foi um pintor norte-americano de origem letã e judaica. Imigrou com a sua família de Dvinsk (hoje, Dunaburgo, na Letónia) para os Estados Unidos da América, em 1913, quando ele tinha dez anos. Rothko é classificado como um expressionista abstracto, embora ele tenha rejeitado esse rótulo. Resistiu em aceitar também a classificação de “pintor abstracto”. Tal como Jackson Pollock e Willem de Kooning, Mark Rothko é, como informa a Wikipédia, “um dos mais famosos pintores americanos do período pós-guerra”.
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02/10/2025
 
                              
 
                               
                               
                              



